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Mostrando postagens de 2010

A Maldição de Petrarca (conto)

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“O que mais prejudicou Petrarca aos olhos de Laura – foram os Sonetos . ” - Eça de Queirós, in Cartas d’Amor / Correspondência de Fradique Mendes A falta de algo é apenas um reconhecimento de quanto “esse alguma coisa” é deveras importante para quem assim sente a dita ausência, quase imperiosa ou momentaneamente fundamental, que o carecido encarece, se afoita no universo dos não-seres como se tanto fosse uma primazia assaz valorizada. Se for pessoa, posto que todas são além de seres indiscutíveis, também indivíduos com direitos e identidade inalienáveis, a carência mistura-se com outros sentimentos de diferente motivação, significado e afectividade, indo desde a saudade à impotência fatal, a que nunca serão alheios a ética e a biologia, a formação e a natureza, ou a personalidade dos sujeitos que tomaram a nomeada consciência como circunstância evidente e, quiçá, incontornável. Ao fenecer do dia, se escurece, quando o lusco-fusco se volatiliza em negritude, aquilo que registamos não é
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Idílio (1) Praias que banha o Tejo caudaloso, Ondas que sobre a areia estais quebrando, Ninfas que ides escumas levantando, Escutai os suspiros de um saudoso. E vós também, ó côncavos rochedos, Que dos ventos em vão sois combatidos, Ouvi o triste som dos meus gemidos, Já que de amor calais tantos segredos. Ai, amada Tirceia, se eu pudera Os teus formosos olhos ver agora, Que depressa o pesar, que esta alma chora, No gosto mais feliz se convertera! Oh, como então ficaras conhecendo Quanto te amo, se visses a violência Com que estão dos meus olhos, nesta ausência, As saudosas lágrimas correndo! Tanto neste pesar, que estou sentindo, O triste coração se desfalece, E tanto me atormenta, que parece, Que ao sofrimento a alma vai fugindo! Mas oh! Qual há de ser a crueldade Deste terrível mal em que ando envolto, Se a qualquer parte, enfim, que os olhos volto Imagens estou vendo de saudade! Uma serena tarde, já sol-posto, Te vi sobre esta penha estar sentada; Ali naquela fonte prateada (2) Est

Cantata de Dido

Já no roxo ambiente branqueado, As prenhes velas da troiana frota Entre as vagas azuis do mar dourado Sobre as asas dos ventos se escondiam. A misérrima Dido Pelos paços reais vaga ululando (1) C’os turvos olhos inda em vão procura O fugitivo Eneas. Só ermas as ruas, só desertas praças A recente Cartago lhe apresenta. Com medonho fragor, na praia nua, Fremem de noite as solitárias ondas; E nas douradas grimpas (2) Das cúpulas soberbas Piam noturnas, agoureiras aves. Do marmóreo sepulcro, Atónita imagina Que mil vezes ouviu as frias cinzas Do defunto Siqueu, com débeis vozes, Suspirando chamar: -- Elisa! Elisa! (3) D’Orco (4) aos tremendos numens Sacrifícios prepara; Mas viu, esmorecida, Em torno dos turícremos (5) altares Negra escuma ferver nas ricas taças, E o derramado vinho Em pélagos de sangue converter-se. Frenética delira, Pálido o rosto lindo, A madeixa subtil desentrançada; Já com trémulo pé entra sem tino No ditoso aposento, Onde do infido amante Ouviu, enternecida, Magoados

Entre Bocas e Bocanas, assim passam as semanas

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Entre Semanas, Bocas e Bocanas "Estava-se nessas desconformidades quando surgiu em nossa frente um cabrito malhado. O bicho destoava das solenidades. O administrador arreganhou em surdina: – Quem é esse cabrito? – De quem é... – o secretário corrigiu, discreto. – Sim, de quem é essa merda? – Esse cabrito não será dos seus, Excelência?" In O Último Voo do Flamingo , de Mia Couto Há bocanas e bocanas. E se cada um é como cada qual, sendo no todo ou em parte diferente do outro, seu semelhante, posto que ímpar e sem igual, no feitio como nas atitudes, o que é certo, é que são todos uma cambada de sacanas. Incapazes de sentir empatia, abespinham os demais, desde que em algo eles sobressaiam daquilo com que os rotularam, ou a ideia que deles fizeram, cultivaram, difundiram e admiraram. Insistiram e determinaram. Atribuíram como única possível, concebível e lógica. Por exemplo, quando desgostam de uma pessoa, mas gostam/simpatizam com outra, que é sua familiar ou irmã, e se esta, a

Cultura e Civilização, o que são?

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A Generosa Perfeição da Dúvida "Ó deusa Sol de Arina, rainha de todos os países! No país hitita, tens o nome da deusa Sol de Arina, Mas no país que tu fizeste país dos cedros, Tens o nome de Hegat!" da Tabuinha de Puduhepa Se até quanto à denominação dos mesmos deuses nos sucede às vezes adorar um sob o nome de outro, ou outro com igual nome daquele que invocamos, então, a mínima dúvida há de ser sempre preferível à maior, absoluta e mais preciosa e pura das certezas, no X de um voto sobre o quadrado da existência. Desconheço quais sejam, efetivamente, os motivos e argumentos que levam alguns pensadores da atualidade a separar o conceito de cultura do seu congénere, o conceito de civilização , posto ser impercetível a fronteira entre ambas, cujas funções e estrutura se igualam e identificam, como igualmente se aplicam ao quotidiano, na sua crítica à natureza , principalmente à natureza humana, se no universo da ética navegamos, afastando cada vez mais o indivíduo das suas or

Mudam-se os tempos mas a crise é sempre a mesma

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Os Amigos da Dívida "Tu estás tão acorrentado À sombra que tens ao lado Não consegues apagar As marcas desse passado (...) Mas se isso acontecer És mais um a flipar Mas se tu queres acabar Ó que tu queres é drunfar Toma um comprimido Toma um comprimido Toma um comprimido que isso passa" António Variações, in Toma o Comprimido A China produz, os chineses vendem. E compram. E negoceiam. E até endossam ou emprestam, se nisso perspectivarem benefícios chorudos. Ainda sou do tempo, apetece dizer, para melhor o registar, como memória futura (???), em que se acreditava que os japoneses, a potência da sua economia, os seus elevados desenvolvimento, crescimento e situação financeira, seriam os "chineses" que nos salvariam das profundas agruras de uma crise (exaustivamen¬te) anunciada. Confirmada. Útil. E continuamente sujeita a novos ajustes e actualizações, agravamentos ou dificuldades, que afinal são o idílico sonho de qualquer político, para camuflar (ou disfarçar) a sua

Quando se casquina não se assobia!

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As Hienas Riem Por Despeito «O cérebro de Fradique está admiravelmente construído e mobilado. Só lhe falta uma ideia que o alugue, para viver e governar lá dentro. Fradique é um génio com escritos!» (...) O extenso saber de Fradique também não o impressionava. «As noções desse guapo erudito (escrevia ele em 1879) são bocados do Larousse diluídos em água-de-colónia.» José Maria Eça de Queiroz, in A Correspondência de Fradique Mendes É enternecedor ver como as hienas se lambuzam e enfartam com as sobras do vomitado dos homens, e como se põem aos magotes a destilar peçonha, ou a debandar batendo os cascos com estrondo no soalho, abanando o traseiro como cadelas saídas, desertas de um macho que se lhes empine e as cubra com dotes de Alter Real. E enternecedor, sobretudo, porque se acham mal recompensadas para tanto, uma vez que não fazem absolutamente mais nada e é daí que têm lamber o seu sustento. A Geografia Nacional dá conta disso num dos seus documentários acerca da vida selvagem

O Ninho

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Ele é respigador; Ela, é cantadeira. Quiseram uma casa maior, Fizeram-no à minha beira.

Vida Breve

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Ó rugas de tanto rir Neste mundo de sofrimento, Se o pior está pra vir, O melhor é a falta de tempo!

Ah, Fado!!...

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Diz-se que este tempo não é para risadas e chalaças Posto nele andar meio mundo a cornear o outro meio, E bem sabemos em muitos as virtudes serem desgraças Dos que pelas cornadas foram apanhados em cheio.

A Lição de Burke

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Da Teoria Missionária e Expansionista dos Rústicos e Campónios... "Eles defendem os seus erros como se estivessem a defender uma herança." E. Burke É bastante comum depararmos com gente que parece regular mas, passados momentos, como às maçãs vistosas em cujo interior mina a lagarta da fruta, notamos que estão estragados, ou estragadas, por dentro, precisamente naquele pomo que mais importa à (com)textura da alma, que é a mentalidade. Merecem a nossa compaixão, é certo, a nossa pena e dó, é indubitável, todavia deve ter-se cuidado quando nos aproximamos, não por isso ser contagioso, ou veicular pessonha, antes sim para os não levarmos a sério nem termos em conta quanto dizem ou fazem, pois se o fizermos estaremos indiscutivelmente em sarilhos, sobretudo com eles e elas, porquanto ouvir e respeitar uma pessoa que não se ouve e muito menos se respeita é acto perigoso do qual pode resultar dano grave, a quem não se precaver atempadamente. Porque não aprenderam a estar e a ser, e

O Condão dos Mírdeas!

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"– E isto, conheces? Conhecer apenas metade é perigoso. Bebe até não poderes mais ou não bebas da fonte das Musas. Aí, as águas de superfície intoxicam o cérebro, mas se bebes à saciedade, receberás a lucidez . Pope, no mesmo ensaio. Então, como te sentes, depois disto? Montag mordeu o lábio. " Ray Bradbury, in Fahrenheit 451 Agora que a Espanha é campeã mundial, não restam dúvidas nenhumas: eles, os espanhóis, até quando estão mal são muito melhores do que nós, em tudo, da economia ao desporto, da cultura à democracia, uma vez que não se deixam intimidar por quaisquer laranjinhas bichadas que andem a abrir sites de conteúdo pornográfico nas bibliotecas, escolas e locais públicos de Internet, só para terem o prazer de carregar de vírus os attaches de quem mais frequente esses organismos ou instituições, cujo fim, último e primeiro, é o de partilhar facultando aceder ao conhecimento, propiciando a sociedade para todos e a participação democrática, em igualdade e enraizado e

Todas as Revoluções Começam com Flores...

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No jardim da Celeste: Giroflé-giroflá "Também é dos livros, que todos os comandantes em chefe, entre as lutas que sempre perdem, ganham e planeiam." – Lídia Jorge, in O Cais das Merendas Conforme o fait-divers do Público 2, de sexta-feira passada, ontem, dia 9 do mês de Júlio César, do ano da (des)graça PEC, os jasmins, essas odorosas gardénias galegas hermafroditas de flores brancas ou purpurescentes – ai credo, cruzes-canhoto!... –, além de vistosas podem pôr um homem a dormir só com o efeito de uma lufada, porquanto são senhoras de um mecanismo molecular de acção sobre o cérebro humano igual ao dos barbitúricos e ansiolíticos mais correntes, cujo efeito é tão forte como o dessas drogas, proclama o dito jornal, por assim o ter constatado no Journal of Biological Chemistry , e na sequência da descoberta de duas fragrâncias nesta flor, pela equipa de Hanns Hatt, da Universidade de Ruhr, na Alemanha. A notícia por si só é já um portento, agora o maior impacto deve-se sobretu

Para Esse Peditório Já Dei

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E Viva a República! "Quando vi a víbora cegui os olhos. Alavanti a saia, brandi a cana, uma, duas, três, sete e vinte vezes, sobre a cabeça da bicha. Ela era azul, castanha e delgada. Assim. (...) Parecia um pensamento. Ali no chão. Di-lhe bem umas trinta canadas sobre a espinha e cabeça." In O Dia dos Prodígios , de Lídia Jorge. É significativamente lamentável que aquelas pessoas que tão veementemente se insurgiram contra os teores e conteúdos das minhas Crónicas (In)Divisas , saídas então no jornal portalegrense Fonte Nova , sobretudo quando nelas me referia a actos de gestão da coisa pública, em que salientava a necessidade de se estabelecerem voluntariamente medidas e políticas concretas com vista a objectivar a sustentabilidade, a contemplá-la, garanti-la e reforçá-la, porquanto corríamos o risco de num futuro próximo virmos a fazê-lo obrigatoriamente , pela pertinácia pouco esclarecida e forçosa do tem-que-ser que, como todos muito bem sabemos, tem muita força, não v