Quando nuncar é presunção de sempre

Quando nuncar é presunção de sempre


A minha aldeia é tão grande como todas as aldeias
Porque todas as aldeias são simplesmente aldeias
Incluindo as grandes e cosmopolitas com um rio ao meio.
Todavia, quando preciso de trazer-me cá fora a arejar
A brincar com as veleidades da rua
Sorrir aos cães que passam
Atirar beatas com um piparote
Correr atrás dos pombos
Mandar piropos às garinas bonitas das saias ciganas
Escutar a mexeriquice dos patins e esplanadas
Esquecer o silêncio dos corredores dos edifícios seculares
Planger as cordas que me acordam o destino
Sofrer as descidas abruptas ao lusco-fusco
Esgrimir a voz no implorar de um beijo somente,
Então, costumo pôr-me à esquina, à tua espera
Indiferente ao lugar, numa quina qualquer, anónima
E anónimo, aconchegados pela hora de chegares
Embalado pelo misterioso enigma dos teus olhos
Que são capazes de sobrevoar as maiores distâncias
Atravessar multidões, ficarem depois do comboio partir,
Regressarem de detrás do autocarro, prever a velocidade
O pulsar do minuto, do segundo, o ritmo da respiração
Serem outros para ser aquilo que em si mesmos são
E lerem na profundidade da minha mente
Até ao destemido recôndito das intrigas inconfessáveis
Quanto é subornável o meu querer perante a tua vontade...
A que não sei resistir

A que não posso resistir

A que não quero resistir.


E me faz conjugar o verbo nunca como sempre,
Sempre no futuro do incondicional mas com ses.

(E a propósito...
Quem da vida disse já não haver certeza alguma?
Olha: mente. Diz-lhe descaradamente que mente– Exactamente, como sempre, e mais que nunca, mentiu!...)

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