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Mostrando postagens de 2006

Quando nuncar é presunção de sempre

Quando nuncar é presunção de sempre A minha aldeia é tão grande como todas as aldeias Porque todas as aldeias são simplesmente aldeias Incluindo as grandes e cosmopolitas com um rio ao meio. Todavia, quando preciso de trazer-me cá fora a arejar A brincar com as veleidades da rua Sorrir aos cães que passam Atirar beatas com um piparote Correr atrás dos pombos Mandar piropos às garinas bonitas das saias ciganas Escutar a mexeriquice dos patins e esplanadas Esquecer o silêncio dos corredores dos edifícios seculares Planger as cordas que me acordam o destino Sofrer as descidas abruptas ao lusco-fusco Esgrimir a voz no implorar de um beijo somente, Então, costumo pôr-me à esquina, à tua espera Indiferente ao lugar, numa quina qualquer, anónima E anónimo, aconchegados pela hora de chegares Embalado pelo misterioso enigma dos teus olhos Que são capazes de sobrevoar as maiores distâncias Atravessar multidões, ficarem depois do comboio partir, Regressarem de detrás do autocarro, prever a veloci

Certidão de renascimento

Certidão de renascimento Deve haver uma lenda, um fado, um mito Onde esteja o nosso destino traçado... É que ao olhar-te, ao ver-te acredito Que temos o futuro escrito No mais recôndito passado. Continuo, depois destes anos todos Como desde a Escola me acontecia, A perder os sentidos, a sensatez, os modos Mal te vejo, ou vendo-te, fatalmente em ti me perdia. Perdia a noção do real, e da fantasia; Perdia o pé, o equilíbrio, a certeza do gesto; Perdia a luz, tanto a da noite como a do dia, Enfim, então tudo perdia, só não perdia tudo o resto. E não perdia este prazer que tenho de sonhar Tudo, tudo trocar, nada sentir como meu Excepto o secreto pressentir que é o teu olhar O selo, o anel real, aquele que valida (a realidade) E dá garantia de verdade – e vida A todo o universo: terra, mar, sangue e céu! Daí que quando assim, nada deseje então Senão o que há em mim Quando te nomeio dentro do mito Que me arrebata e penetra como grito De sonho nascido em ter-te no coração, Tão dentro, que te

Fisgada certeira

Nocturnos Mensageiros É muito caprichosa, a noite... Tem mistérios inauditos. E em cada luar que acoite Brilhos pálidos e expeditos. Às vezes, sei-o eu – e bem!... Possui-nos através dum sorriso; Através do recordar preciso, De tanto desejarmos alguém. A mim, acontece-me frequentemente... E acordo a beijar os ares, além De deitar a língua de fora, contente. Porque vivi; e vivendo, vivi-te também! A l m a Manuel Alegre (1995) Paródia de formação é um típico cervantino de estilo, autêntico romance de cavalaria de quem atravessa a infância montado no cavalo de pau da família considerada, honrada, por bastos pergaminhos justificada, e generosa, do establishment provinciano. É aquele olhar distante sobre a guerra de 42-45, mas interessado, aproveitado politicamente pelos clientes da Loja, que fisicamente tanto é estabelecimento comercial e de convívio, como igualmente centro espiritual da república, ou da sua laicizidade maçónica e da resistência clandestina. Confirmação de como Quixote de

Dois ditados para uma cópia

DOIS DITADOS DA MESMA CÓPIA Saiba-se que nesta séria herança da promissão Em ser futuro tendo por alicerces o ser passado Conforme mandam as leis divinas da procriação, As benesses da normalidade e os desvios a satanás Com que se intentam qualificar os genes ao procriado, Que é tão verdade o ditado do "filho és, pai serás" Como igualmente aquele do "pai foste, filhos terás"! Alucinação do suspeito (ao despertar) Lembrei-me agora de tudo quanto aconteceu... Naquela manhã quando se ergueram as pálpebras Ainda se ouviam os gestos ressuscitados da noite E o rosto entressonhado de plúmbea tez estremunhada Era o mapa indesmentível de sombra e sulcos, espectros Cruzados pelos deltas de rios louros e sinuosos de ouro Quase linhas ondulantes desalinhadas na crosta rósea Das faces, da testa, suados, colados, esquecidos de correr. Ninguém jamais os poderá ver como eu naquele instante os vi... Principalmente, porque a sua dona não existe. Nunca existiu! Definição europeia de Po

Recado

Recado Nunca estive contigo na Brasileira Nem foi no teu tempo em que vivi, Mas deu-me o tardio nascer esta maneira De também poder ter o meu Chiado... – aqui! Sábado É quando no teu sorriso desperto E acordo a sonhar-te perto Crescendo em mim tua valentia. Que posso ter o passo incerto Mas aproximar-me de ti, Ficar perto, É o meu destino de cada dia. É este o meu segredo que fala e diz... Diz ternura. Diz poesia. Diz sonho. Fala da raiz Da noite como nicho certo Onde se acolhe a matriz De beijar-te com alegria! Riqueza em pobre rima Se se cansa o pobre de pedir Como se não há-de o rico de dar, Que um mês traz outro a seguir Sem nunca o dinheiro lhes chegar!

Fábulas da Mula da Cooperativa

Estórias e retratos da história Conto III O Milagre do Pão Desacabado No dia em que as bestas selvagens, nas costas dos contribuintes, escoicearam o blogspot, a mula da cooperativa ficou privada de contar a sua estória aos meninos orelhudos da urbe, pelo que não teve outro remédio senão entreter-se a admirar a harmonia familiar das manjedouras suas avizinhadas. O que, se ao princípio lhe acarretou tédio, certo foi mais tarde se manifestar altamente instrutivo em consonância com os postulados pedagógicos em vigor, porquanto pôde confirmar in loco o modo como as modas domésticas se tornam ainda mais duradouras do que a eternidade, sobretudo para a pequena eternidade que é a vida de cada um, que é das eternidades conhecidas aquela que menos dura, mesmo sem se tomar a medicação adequada, ou ser-se vacinado a tempo e horas. É claro que isto tem mulas de graça. Aos píncaros de gargalhada. É que hoje em dia, se se quer molhar a sopa na gema, isso tem que ser feito com enorme cuidado... Ele

Grabato e Knopfli: um diálogo sem pudores de interiorização

TESES EM CONDOMÍNIO FECHADO 7. Grabato Dias e Rui Knopfli: diálogo adiado que se retoma irreflectidamente mas sem pudores de intercepção (e interiorização) ... Dado que ficou líquido que os computadores portáteis facilitam escrever como quem está "sentado sob a luz que do alto / desce" (RK), à semelhança das ardósias e papiros que "houve, outrora, em que as palavras / vertiginosa enxurrada, me acudiam desenvoltas / à memória", "sobre a pedra dura do tempo / mal distintos mas acidulados sinais" (idem), é legítimo que os escribas de hoje reabilitem, através dos seus blogs, os que antes deles viveram e não dispuseram da excelência do suporte electrónico, para que assim continuem a pintalgar de cristalinas luminosidades as nebulosas imagéticas, estabelecendo constelações de entendimento compatíveis às astronomias interiores, sublinhando a intemporalidade da sua arte para além do que lhes durou a vida e a fama, como registo de renascimento e tentativa de contin

Presente

PRESENTE Que é isso de a gente Estar à porta do tempo Com um pé fora e outro dentro, Trajados no rigor descendente, Com a certeza que o passo não nos pertence? Não há prosas vãs, rimas falhadas, Quando os momentos são directos Em que todas as noites são resultadas Do acontecerem dias completos, Na surpresa graça do que soído fora. Que o amanhã é um ontem que vigora, Embora haja quem lhe chame futuro sustentado No humano designo de um soneto inacabado Ou daquilo que eu, rústico e tosco, nomeio apenas por agora! PEDAGOGIA Tu, és filha de um ano lectivo. Nasceste quando as aulas começam, Foste feita nas férias do Carnaval... E anseias por que terminem Para te estenderes no areal! Crónicas (In)divisas Por Joaquim Castanho osverdes.ptg@gmail.com Já ninguém duvida por método mas por necessidade e sobrevivência... A César o que é de César. A Deus o que é de Deus. Ao Estado o que é de todos. Não obstante o Ministério da Ciência ter garantido recentemente que o Reactor (Nuclear) Português de In

Deitar-me-ei em casa e fingirei estar doente

TESES EM CONDOMÍNIO FECHADO 6. Há diferenças entre escribalismo, literatura e propaganda " Deitar-me-ei em casa e fingirei estar doente. Entram os vizinhos para me ver e lá vem a minha amada com eles. Ela fará os médicos supérfluos pois entende bem o meu mal!" (VI poema, do Papiro de Harris 500) Em primeiro lugar, convém que se esclareça que escribalismo não tem nada, mas absolutamente nada, a ver com qualquer espécie de canibalismo e, muito menos, com as referências fundamentalistas dos escribas das sagradas escrituras, do livro dos livros, emparedado na sinonímia comum de Bíblia, tábua de acomodação discursiva para a fleumática dos profetas e dos semióticos guerreiros, dos esotéricos e dos monásticos. É sim o reduto teórico daqueles que através dos tempos usaram a escrita (cuneiforme, hieroglífica, hierática, ibérica ou silábica), nos mais diversos suportes (pedra, barro, madeira, ferro, papiro, tela, tecido de seda ou algodão, pergaminho, papel ou word electrónico) para ex

Parabéns Antónia Rita

PARABÉNS ANTÓNIA RITA ( Central, 8 de Setembro de 2006 ) Avozinha!... Estou aqui; não estranhes... (Eu sei que poucas vezes te tratei assim A não ser quando estava doente!) Mas sou o Quim O de sempre; aquele que nasceu depois de ti, Só um dia depois, mas também um dia antes... Sei que terias orgulho de mim, neste momento... Sobretudo pela companhia. Ela consegue Como tu esquentar o frio, arrefecer o calor, mudar o vento, Arrepiar o pesadelo, suster o rodopio que me persegue Na febre, o receio, como tu conseguias – ela consegue! Te celebramos com sopa... Não leves a mal. Que da horta, na horteloa que foste Ainda não há quem melhor mostre Como da folha de qualquer copa Se pode fazer uma sopa Juntando-lhe apenas água, azeite e sal. Ou soro para enfermo, como fazias Com salsa, hortelã, caldo de carne e pão Matando varicelas, sarampos, papeiras e demais agonias Que não poupavam o crescer à trupe do calção. Mas hoje, escuta a Philipa... Ela tem algo a diz

Mousinho de Albuquerque

Mousinho de Albuquerque António Ventura Editora Planeta DeAgostini Col. Grandes Protagonistas da História de Portugal Capa dura,192 páginas, em papel reciclado Eis um livro reconfortante! Embora seja indiscutível que aqueles que melhor compreendem o mundo mais chances têm de nele sobreviver, ou que se Deus escreve direito por linhas tortas na política e na justiça se costuma escrever torto por alíneas do direito, como da glória à ingratidão vai um passo de anão, este livro de António Ventura, autor portalegrense director da memorável revista A CIDADE , licenciado em História (1984), Mestre em História Contemporânea (1988), Doutor em Letras (História Contemporânea) pela Universidade de Lisboa, Professor do Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa e Equiparado a Professor Coordenador da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre, colaborador das revistas Clio e História , mas que outrora também foi docente das Escolas Mouzinho da Silveira e São Lourenço, em Por

Estórias e retratos da História

Conto I – A Fábula do Indicador de Comandos Tempos houve em que a acreditação de um homem, na praça pública, se fazia pela quantidade de burros e camelos que possuía (ou representava). Qualquer gaja boa podia valer, por exemplo, 20 camelos, e no entanto significar excelente negócio para o comprador, já que a sua aquisição certamente acarretaria, por arrasto e transferência de outros pastos, para o seu escore de propriedade e audiência, um elevado número de burros (e até de cavalos!), valorizando-lhe a herdade com subidas de densidade, variedade de malhagem, fixação de genótipos, que podiam chegar a 20% dos totais asininos nacionais, o que inconfundivelmente beneficiaria muitíssimo o comprador em publicidade e capacidade de negociação futura. Incluindo o levantar o preço de venda das suas criações e linha de montagem, com exportações de esperma e órgãos para transplante, clones, enlatados de conserva e enchidos científicos. Principalmente se a gaja tivesse três tetas, personalidade ava

Obrigada, Obrigado

Séria, murmuraste que não tenho idade… Que sou aquele minuto difuso que vagueia Entre o segundo, a hora e a claridade Que ao sangue nosso apelo incendeia. Dizes-me instante… Seja. Resigno-me portanto. Pois nunca sei como argumentar contra ti, Que és o simples complexo do soslaio de espanto De cada memória que em pleno futuro vivi. Era meia-noite, mais quase nada depois Que o segredo disse o silenciado cicio Da vertigem feita queda no precipício Em que suados e colados e gritados caímos os dois!

Costa, Alexandre Carvalho

Alexandre Carvalho Costa: um portalegrense das letras a quem a memória escondeu o nome " Os como tu nunca morrem! E se o fizeram Até à morte, distraídos, recitaram Os poemas que a seus alunos, em vida, leram. " Do poema Saudade - Três Anos de Ausência , In O DISTRITO DE PORTALEGRE , nº6131, de 17 de Julho de 1986 Porque nada de novo existirá debaixo do sol (nihil novi sub sole) e sabendo que raramente se é original em matéria cujo suporte é sobretudo a memória, baseada no conhecimento enciclopédico, o lema da obra de Alexandre Carvalho Costa, como ele próprio gostava de referir, era "non nova, sed nove", por quanto desde cedo reconheceu que o labor obreiro das coisas da cultura e da linguística é de contínua reciclagem idiomática, semântica, cognitiva, sustentando-se essencialmente não pela sua originalidade, posto que não serão coisas novéis nem recentes ao povo que tradicionalmente as acolhe e resguarda, mas sim apresentadas em novo formato ou maneira

Conde, José

RETRATO DE UM HOMEM EM CORPO INTEIRO JOSÉ MARTINS DOS SANTOS CONDE CORAGEM! “ É preciso vencer a angústia e os medos, para recuperar a coragem de viver e, sobretudo, de viver um projecto de qualidade. ” In AS CHAVES DA VIDA Homem que pautou toda a sua vida por princípios e valores, cujas ideias-sentimento (resumidas por si mesmo em nove, e a saber: calma, paz, alegria, coragem, compreensão, solidariedade, justiça, integração e amor universal), chaves de conduta intelectual e moral que sem dúvida lhe vincaram inclusive a actividade de professor (norteada por três preocupações maiores: 1 - fazer o acompanhamento assíduo das turmas, nunca tendo excedido o número de três faltas por ano lectivo; 2 - perspectivar a História numa permanente ligação com o mundo actual; 3 - aprender a História fazendo-a, levando sempre os seus alunos a apreciar o contacto com as fontes), de autor e de cidadão, nasceu a 6 de Julho de 1934, na aldeia de Santa Madalena, freguesia de Vila Fernando, concelho e