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Mostrando postagens de 2009

Teses da Indolência e da Incontestação

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1. (Alegre)Missiva Aberta à Navegação Insustentável: "Imaginem um número, dupliquem-no, tripliquem-no, elevem-no ao quadrado, e apaguem-no." Mac Neice Um verso branco ou solto é aquele que, sujeitando-se às demais leis rítmicas, carece unicamente de rima, ou tendo-a, não a assume como necessária na estrutura do poema. Se colarmos um dístico ou parelha (estrofe de dois versos em arte maior ou arte menor), a um aiku (Haicai ou Haiku, poema japonês de três versos que normalmente contém um número total fixo de sílabas, em regra dezassete ou dezanove, que se sustenta de alusões – referência geralmente breve, acidental, em certos casos indirecta a factos, pessoas, circunstâncias supostamente conhecidas do leitor, embora que esporadicamente obscuros ou até dele desconhecidos, actos, cópulas, mistérios e confissões, com a finalidade de introduzir no discurso um manancial de experiência e de saberes que transcende em muito aquilo que nele efectivamente se diz –, gradações – crescendos

Variações em Dois

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Retrato do Zé com moldura gitana (em salero bordalesco) O café, pela hora da bica d'almoço, período de tráfego e ponta tradicional da restauração provinciana, estava à pinha – só para meter uma bucha com metáfora de referência natural a tão cosmopolita ambiente – quando o Zé Lello entrou a gingar na farpela garrida, num multicolorido de alto a baixo de fazer inveja às bandeiras de inspiração românica e anglo-saxónica todas juntas. Passou pela mesa das burras, salvo seja que esses animaizinhos não merecem semelhante comparação!, e empertigou-se para elas, erguendo a peitaça de peru afoito em marés natalícias, que nesse ínterim abriam a boca com um Óóóh redondinho recheado de espantado escândalo. Cruzou olhares concupiscentes com a do canto das sáficas donzelas, senão cúmplices, pelo menos gulosos, aliciando as diferenças. Até que por fim assentou a hegemonia patriarcal e partilhou o hálito de alho e tintol carrascanho, que lhe ficara da bacalhauzada portuga que afiambrara na tasc

Nas Alfândegas da Fé

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As Três Tentações do Seguidor 1. Teoria "Os intentos de incluir o público – ou o leitor – no processo de criação de uma ficção são bastante vastos. À parte o já mencionado Julio Cortázar, pratica-os MarioVargas Llosa (quando quer que os leitores das suas novelas supram a verdade do que em A Casa Verde , por exemplo, possa ter sucedido com a Casa Verde e as personagens a ela vinculadas), William Burroughs (quando pede que as sequências fold-in sejam encaixadas umas nas outras pelos leitores) e aquele escritor inglês, B. S. Johnson, de cujo romance The Unfortunates disse Stanley Reynolds no New Statesman (21.2.19: «[his] new novel, done up is a box, chapters loose, you can chuffle them about, get the story then, I suppose » – p 264; pratica-os o próprio Onetti em O Estaleiro (quando oferece ao leitor desenlaces do romance) e em A Vida Breve (na qual chegamos a uma sequência durante cuja leitura tive a forte impressão de que os personagens estavam a inventar o autor), e praticam-

Como ontem e sempre, ámen!

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Tenho uma comunicação muito grave a fazer a Vossas Excelências pior que o meu estado de saúde é a corrupção nas altas esferas eu já andava apreensivo com as notícias nas gazetas o que almoça um director-geral quem ateia fogos nas florestas (e aqui chegado vão-me permitir que abra um curtíssimo parêntesis não acredito que esses incendiários sejam todos doentes da cabeça mas enfim de que há-de viver a nossa pobre e triste imprensa quando se atrasa o cometa Halley e o Entrudo é um longo bocejo) neste particular não invento nada fala-se de escândalo nos gabinetes a verdade é que algumas histórias são simplesmente de estarrecer haveria mesmo ignóbeis luvas e outras espórtulas financeiras indignas de um país virtuoso enquanto Estado de Direito façam Vossas Excelências a fineza de acreditar que não exagero por alegada oposição ao regime ou propensão para o devaneio é claro que noutra oportunidade avançarei com pormenores concretos por agora limito-me a alertar reservando os nomes dessa gente

Os Contadeiros de Pilhérias

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" Para ti Camões Que tão raros poetas houvera País triste em qualquer era Que tiveram como heroína Esta pátria ou a sua sina, Ficaram escritos em padrões Como Os Lusíadas de Camões, Verbo dessa poesia sem igual Gravada na História de Portugal Já vindos dos séculos de Além, Que ainda se cantam hoje porém E se cantarão sempre, com altivez Enquanto no mundo houver um português!" Poema de Leonardo Cardoso , poeta portalegrense nascido em Castelo de Vide Antigamente, quando andava nas comezinhas andanças da croniquice labrosca da comunicação social regional, os pingentes mafiosos dos cafés que frequentava, normalmente imbuídos de enormes e fortes doses da dor de corno com que açucaravam o leite de formiga pingado a cuspinho, que caracterizava o seu consumo habitual nesses estabelecimentos, costumavam-me criticar as crónicas por três motivos: porque tinham algumas gralhas, porque desancavam as políticas das governâncias centrais como locais, e, principalmente, porque eram minhas,

Dos Seguidores da Estrela

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Ismail Kadaré "É preciso esconder a profundidade [JC1] ", escreveu Hofmannsthal. "Onde? À superfície." [JC2] O albanês Ismail Kadaré, batendo na recta final a sua mais directa e colossal concorrência (Milan Kundera, Ian McEwan e AntonioTabucchi), venceu – quer dizer: ganhou – o Prémio de Letras Príncipe das Astúrias, laureado esse, precisamente, que depois do Nobel é o mais importante galardão literário no actual universo das línguas românicas, trazendo para a ribalta o subgénero da literatura política e pondo na ordem do dia aquela faceta da ficção que mais se preocupa – e até intervém nela! – com a realidade sócio-económica, religiosa e institucional, das pátrias, das regiões ou dos continentes, com uma trintena de novelas escritas, maioritariamente (ainda) na Albânia e sobre o sistema político albanês que era tão comunista, mas tão comunista, que levou a República Popular da Albânia a abandonar o Pacto de Varsóvia, numa época em que seria impensável e imprevisív

Sopa de ainda-não-já

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"Os nomes penetram-nos até aos ossos" Ernest Hemingway, in The Garden of Eden Histeron Proteron* Disse, salvo erro, Claudio Magris, no seu Um Outro Mar, que "quem palreia de direitos são os escravos, [pois] quem é livre tem deveres", e embora já me não lembre a propósito do quê ele terá proferido tal boutade, com que finalidade e acerca de que assunto, o que é certo é que o lamiré, ao caso, traz à baila os desmandos e convulsões consignados à atitude social de determinados grupos profissionais e económicos, reivindicativos se acrescentará, tão característicos do período que ora atravessamos, deste caldo pós-eleitoral em que engrossa a nossa democracia e a torna numa espécie de sopa de ainda-não-já que é o conduto típico de quem não sabe muito bem o que quer, como e porque o quer, além de desconhecer absolutamente que fazer para o conseguir. Ou seja, se antes das eleições estávamos mal, não melhorámos nada depois delas, mas pelo contrário, a crise agudizou-se e fic

Ágora, filme de Amenábar

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A Régua de Lesbos : Hipatia de Alexandria já é filme de Alexandro! " Se o Direito não pode ser maniqueu, pintando o mundo a preto e branco sem qualquer matiz intermédio, também não pode ser meias- -tintas, baralhando o bem e o mal lavando as mãos do sangue dos justos, vítimas dos bandidos ou vítimas de uma justiça injusta. Se o Direito não pode ser mole e céptico, também não pode esquecer a clemência, a suavidade, a inteligência. (...) ora, como nada é rigorosamente igual, há sempre que adaptar a justiça, que torná-la como a régua de Lesbos, afeiçoável ao objecto a medir. Nada repugna mais à justiça que o metro-­ -padrão de Sèvres, rígido, de platina, feito pelo totalitarismo do Terror para impor ao mundo a sua medida – ainda por cima geometricamente errada –," como disse Paulo Ferreira da Cunha, in Princípios de Direito . Hipatia, filósofa grega (370-415), ensinou, depois de aí se ter "formado", na Escola Neoplatónica de Alexandria, que está aqui ortografada com m