Quando se casquina não se assobia!



As Hienas Riem Por Despeito

«O cérebro de Fradique está admiravelmente construído e mobilado. Só lhe falta uma ideia que o alugue, para viver e governar lá dentro. Fradique é um génio com escritos!» (...) O extenso saber de Fradique também não o impressionava. «As noções desse guapo erudito (escrevia

ele em 1879) são bocados do Larousse diluídos em água-de-colónia.»

José Maria Eça de Queiroz, in A Correspondência de Fradique Mendes

É enternecedor ver como as hienas se lambuzam e enfartam com as sobras do vomitado dos homens, e como se põem aos magotes a destilar peçonha, ou a debandar batendo os cascos com estrondo no soalho, abanando o traseiro como cadelas saídas, desertas de um macho que se lhes empine e as cubra com dotes de Alter Real. E enternecedor, sobretudo, porque se acham mal recompensadas para tanto, uma vez que não fazem absolutamente mais nada e é daí que têm lamber o seu sustento. A Geografia Nacional dá conta disso num dos seus documentários acerca da vida selvagem nas periferias dos grandes centros urbanos, porém eu, adepto da vida natural, da biodiversidade, desconfiei bastante da forma como eram abordadas (e tratadas) as atitudes e comportamentos "selvagens" – de salientar notoriamente o significado destas aspas! – desses necrófagos que habitam as redondezas da humanidade... A não ser que estivessem contagiados pela peste emocional e venenosa que o narcisismo frustrado, a ignorância (crónica), a má formação cívica e a obtusidade abjecta de certas pessoas, não só lhes impusesse isso ao quotidiano, emprestando-lhes o nojo e pestilência em que coabitam, como as desenraizasse da matriz genética que durante biliões de anos lhes estruturou o DNA – e a espécie... Era uma hipótese!

Todavia, porque o grasnar de avantesma também se fazia ouvir como pano de fundo ao dentado rir das hienas, o famoso casquinar, não duvidei minimamente, por questões de evidência lógica, que ali havia uma intenção bíblica de profanar os canudos e pergaminhos da ciência natural, e deteriorar os cimentados conhecimentos da biologia, através da metáfora cinematográfica ou da alegoria com virtudes de boato maledicente. Como podiam esses nojentos animais alimentarem-se, física e espiritualmente, do vómito nauseabundo de um ser humano? Que glória podiam sentir em abocanhar e lamber do chão relvado a pasta laivosa que outro ser vivo lançara fora, por imprópria e indigesta? Ora bem: custa-me a crer que haja algum mamífero, algum animal, no seu estado primitivo e selvagem, que aja com tamanha e conspurcada índole, a não ser que o obriguem a isso ou tenha tanto medo de procurar alimento saudável, para que assim se empanturre com as "fezes" dos outros...

É claro que já assisti a muito nesta vida, e que pouco me espantam, ou surpreendem, as dietas alimentares que circunscrevem a coprofagia, necrofagia e necrofilia. E muitos foram os romances em que personagens, com essas taras ou de similar proveito, se me apresentaram. Até houve quem, por motivos de sobrevivência (moralmente justificados ), se repastasse com os restos mortais dos precoces nascituros, ou abortos, os sobejados corpos de recentes interrupções voluntárias da gravidez, num estado de loucura e alienação que apenas o obscurantismo medieval estimulou, produziu e obrigou. Mas aproveitar o vómito humano, a indisposição gástrica de um sujeito, para alimentar o ego, nos dias de hoje, parece-me, realmente, enternecedor... E bonito! Aliás, sobremaneira digno de (do)comentários artísticos, feitos a preceito, com qualidade de som e imagem BBC, porquanto só eles são comparáveis ao estilo desse guapo erudito, o célebre Fradique da fluorescente e fleumática verve dos Vencidos da Vida, que bem se espelham como "bocados do Larousse diluídos em água-de-colónia", a que humildemente assistimos, agradecendo a Deus e à tecnologia vigente, o ainda não permitir a transmissão dos cheiros característicos desses ambientes nauseabundos, no "senserowdy" das emissões. Reiterando, é óbvio, que os factos enternecedores perderiam muito da sua ternura e enternecimento, se essa capacidade técnica da imagem fosse estendida ao olfacto, o que faria, sem dúvida, com que a maioria das passerelles para o desfile da moda, incluindo a intelectual, não passassem de lixeiras a céu (aberto/fechado) estrelado dos subúrbios de Joanesburgo ou Cidade do Cabo. O que é uma sorte...

(A bem dizer!)

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