Há felinos com sorte macaca


O ISCO DO ERRO

"– Já sei o que houve – exclamou. – Este gato
acaba de anunciar o que aconteceu."

In JONH STEINBECK, As Vinhas da Ira

Há pessoas perante as quais me engano propositada e frequentemente, quer em nomes e datas, como em títulos e autores, correntes literárias e ideologias. Há outras frente às quais nem sequer preciso já de o fazer, a não ser para confirmar se continuam – ou não – a pensar acerca de mim o que antes pensavam, ou se a sua perceção motivada se mantém acesa e lhe incendeia a visão que a meu respeito têm. Em ambos os casos, porém, concedo-lhes uma vantagem, um atalho para se manterem à frente ou acima de mim, para nunca as perder de vista. Não são de confiança e, normalmente, isso perdura até que lhes dou o golpe de misericórdia, abatendo-as do meu cardápio de conhecidos.
São pessoas que se reputam de nunca admitir que qualquer outra que saiba mais do que elas possa estar certo. Singelas no ofício da maledicência, complicam o que é notório e vêem claramente visto quanto há de mais obscuro, nomeadamente na adivinhação das intenções alheia, projetando as suas. Estas são aquelas para quem a perversão é uma linha de conduta, medida de bom gosto e exemplo de sensatez. Com a experiência de vida perderam a inocência em vez da ingenuidade, quando devia ter sido o contrário, e não esporadicamente até o propalam aos quatro ventos. Ainda há bem tempo um político de nomeada o reiterou em declarações à imprensa, na sequência de um comício.
Mas a magnitude da problemática é geral, quer nos estejamos a referir nacionalmente como a nível europeu. Os gregos fizeram disso uma retórica e os romanos disseminaram-na pelo império, onde teve o seu inegável clímax durante o obscurantismo medieval. E embora o de hoje, não passe de um palimpsesto dessa época, o que é indesmentível é que continua a imperar, a decidir, enfim, a dar cartas onde quer que seja. A literatura não lhe foge à regra. Os ambientes culturais, artísticos, literários, também. E, por mais que nos doa a contradição, é exatamente neles onde a sua manifestação tem superior incidência.
Ainda não faz um mês, tive oportunidade de voltar a usar o erro como isco. Esfaimadas e sequiosas de desforra foram repetir o que eu dissera, e por elas considerado uma gafe monumental. Tiveram azar. Afinal, estava correta a minha afirmação... A lama que pretendiam atirar-me caiu-lhes toda em cima. Agora, andam amuados e ofendidos. Dizem que eu os enganei. Apenas o gato se mantém a tratar-me do mesmo jeito com que anteriormente me tratava, sem sofrer retaliações por tal. Ele continua meigo para mim, e essas pessoas não o tratam mais mal por isso, continuando a dar-lhe os mesmos mimos e atenções. O que é estranho, convenhamos; afinal, foi o gato que me anunciou o que sucedeu...
Há felinos com sorte!

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