À BOCA DA BICA

Depois de terem entregado a exploração dos recursos hídricos às empresas públicas (com gestão privada) a água, tal como aparentemente sucede e a maioria constata, deixou de ser um bem de consumo essencial e livre, passando a ser uma mercadoria, mais uma!, transacionável, negociável e sujeita às especulações do costume, conforme é praxe nos meios de  apropriação da coisa pública por concessão. E aquela que corre nas fontes, o que nunca é afirmado clara e diretamente, mas simplesmente enunciado pelo dístico que lhe está afixado em letra garrafal, ainda’ssim o bebente não seja míope, indicando que a dita «água naõ foi sujeita a exame bacteriológico», que o mesmo é dizer a quem passa, que se está a morrer de sede pode arriscar, mas se aguentar mais um pouco, alguns quilómetros mais adiante encontrará uma tasca providencialmente aberta àquela hora, onde poderá dessedentar-se com um quartilho dela ao módico preço de um “penalty” do tinto corrente, haja ou não haja pipa à vista. O que, é caso para sublinhamento, põe qualquer santo a balançar…

Ora, acerca desta e doutras observâncias que tais, para nosso regozijo e galhardia, é sempre reconfortante saber que nunca falta nessas casas quem esteja pronto a esclarecer-nos as dúvidas, afiançando-nos que «isto é por causa do progresso, e não passa de mais um sinal da mudança dos tempos», garantindo que a coisa está bem encaminhada, embora não satisfaça a todos, pois tal é impossível, e se fôssemos nós a mandar, então que seria o descalabro total, a modos que assim como o tempo, que quando uns querem seco outros molhado, e vice-versa.

Mas a sorte, é que também, nunca nos falta quem, mais chegado e em surdina, nos faça arrebitar a orelha, sentenciando sabiamente o tal «isso sim… Qual mudança, qual carapuça! É, é a mesma coisa de sempre: uns amanham-se, outros aguentam-se». Ou, como costumava dizer a minha avó, que só mentia quando não tinha outro remédio: “uns comem os figos, e a outros arreganha-lhes a boca”.



Joaquim Castanho 

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