FILHO ÉS, PAI SERÁS; PAI FOSTE, FILHOS TERÁS




[FILHO ÉS, PAI SERÁS; PAI FOSTE, FILHOS TERÁS.]


“De acordo com João dos Santos, e muito anteriormente, Alfred Brauner, in Les Enfants des Confins, as crianças que foram vítimas de maus tratos são hoje pais que maltratam (igualmente) os seus filhos. Os que os não têm, ou sentem pudor em fazê-lo, descarregam a sua agressividade sobre os que lhes são mais fracos e/ou mais pobres. Forma-se assim, na sociedade, um círculo de irracionalidade, perversão e violência, camuflada ou latente, explícita ou operativa, a que é cada dia mais difícil pôr cobro. A não ser que as autoridades, a lei, os sistemas de saúde e educativo, reajam em conformidade, e imponham definitivamente o cumprimento dos Direitos do Homem e da Criança, criem maquinismos de resolução para a imaturidade e estabeleçam programas educativos que “reprogramem” os homens do futuro com a empatia e propriocepção necessárias ao viver em sociedade. Lamentavelmente até hoje, muito pouco tem sido feito nesse sentido. A educação tem estado centrada no ensinar a ensinar e/ou aprender, como no ensinar a fazer. É imprescindível que se progrida no sentido de estabelecer modus operandi educativos, não só que valorizem o indivíduo por aquilo que ele é, mas inclusive que o qualifiquem para o reconhecimento dos outros. A liberdade, sem estas estratégias de manutenção, pode transformar-se num pomo civilizador seco e estéril. O que sem dúvida negará a História da Humanidade, que desde os imemoriais e fantásticos tempos bíblicos, como dos da evolução biológica, assentou nela. A relatou. A consolidou. E a inspirou. 
A lei, a arte, são igualmente duas formas de organizar, de administrar, de executar, de gerir essa liberdade. O amor é a sua mais bela versão prática. Só os seres livres são capazes de nutrir semelhante sentimento uns pelos outros. Quando lutamos pela nossa liberdade, fazemo-lo principalmente para potencializar a nossa capacidade de amar. Quando faço um romance, um poema, um conto, uma crónica, tento apetrechar-me de mais uma prova irrefutável de como os outros são importantes para mim. De como eles integram a minha liberdade, lhe dão uma finalidade e me regozijam com a sua existência. Ao reconhecer que te amo, ao entregar-me de cabeça a esse amor, ao reforçá-lo com o pensamento e razão, estou não só a valorizar-te como pessoa, como também a reinventar-te dentro de mim, a acarinhar-te como se fosses o órgão mais importante do meu ser, ou o único que tem poder não somente para pôr os demais órgãos a funcionar, mas inclusive aquele que lhes atribui um sentido, uma direcção, um objectivo para o fazerem, para se cumprirem enquanto órgãos (vitais e essenciais). E bem, de forma saudável, se possível!”

In JOAQUIM CASTANHO
A Virtude Assassina, página 44

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