A VISITAÇÃO





AUTO  DA  VISITAÇÃO 

1.

Chiam travões, bate uma porta
E a tarde perde a calma monótona.
A mosca abandona a migalha sobre a mesa;
Há ainda a bolsa do casqueiro
A corna das azeitonas
Um pichel destapado 
Uma rodilha sobre o oleado
Um corcho de cortiça
Um cântaro com a asa partida. 


«Quem será?» ... os patrões foram a banhos,
O gado está no curral, 
O carteiro já veio esta semana.
A terra não pode com amanhos,
As searas foram vendidas;
Crescem olhos tamanhos – quem será??

2.

Ressalva-a, emenda a voz
Estende os braços aos rés do tempo
Ao degrau da entrada, à sombra 
Do umbral a moldura faz.


Pestaneja quando eu chegar!
Diz do trigo a colheita sólida
Do fruto a amora brava,
O suco revertendo do olhar,
Posto lá na linha da planície
Mais perto do mar do céu
Que barcos sonhos navegam
Na desvendação do futuro.


Deixa uma calça arregaçada sobre
As fivelas de couro com sola de pneu
O boné dependurado do trinco;
A porta a esconder-se na penumbra.


À telefonia... Essa, que soe baixo
Que a hora é de sesta.


Tem para mim um sorriso
De quem percebe porquê o sol

Tão quente, a fralda de fora.


Depois enxota uma mosca
Enrola um cigarro
E volta a entrar como se nada fosse...

«Maria!?! É o teu filho que chegou.
Partimos a melancia maior!!»


Joaquim Maria Castanho

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Suciadade dos Associais e Assuciados

Herbert Read - A Filosofia da Arte Moderna

Álvaro de Campos: apenas mais um heterónimo de Fernando Pessoa?