Crónicas do Luís Não Vás

(Morte aos Críticos, de Gustave Coubert - 1819-1877)
1.
Desconheço que fará, ou que dirá Durão Barroso, para explicar politicamente a esparrela em que caiu e da qual tem andada a auferir proventos por esse mundo fora, ao serviço da Europa (inclusive). Que viu os documentos comprovativos da existência daquilo que nunca existiu: armas nucleares e de destruição em massa no Iraque. Que comprovam afinal aquilo que todos nós há muito pressentíamos, o ser também ele apenas mais uma Maria-vai-com-as-outras entre outras Marias, incluindo a espanhola, inglesa e seguintes, e que não está arrependido do que fez, pois nós, os europeus, até tivemos um papel moderado na questão. Com Ámen para os portugueses a quem os brandos costumes não foram além dos usuais brados da fidalguia, abrindo historicamente as pernas às potências estrangeiras tal e qual como no tempo das monarquias, que o fizeram a todas quanto lhes aprouve passar por cá, a desenferrujar o nacionalismo como sucedeu aos espanhóis, aos franceses e aos ingleses, com quem instauramos tratados e negócios vários a ver se acabavam as cachaçadas. Não acabaram. E até com os Açores as comemos.
Por junto ao equívoco, no cabaz de compras das mentirinhas mundiais que dão jeito, o pirarmo-nos à pressa para outros Brasis, e sacudido o capote, eis que ficaram mais setenta milhares de mortos (directos e maioritariamente civis) no chão – mas que se lixe, a gente nem conhecia nenhum!... –, dois milhões de refugiados e a destruição generalizada de um país, o incendiar de uma região e as contraproducentes relações inter-religiosas que daí advieram, e que já andavam bastante tremidas anteriormente. E embora os quatro principais participantes, como sublinhou a deputada Heloísa Apolónia na sua intervenção de 28 de Novembro, da famigerada cimeira das Lages tenham vindo, um a um, a reconhecer publicamente que foram enganados quanto aos argumentos que fizeram eclodir a guerra do Iraque em 2003, uma guerra que violava todas as regras internacionais, o que é certo é que têm vindo a encostar-se uns aos outros para não desvendarem quem efectivamente enganou quem, visto tal não lhes interessar politicamente, uma vez que a razão do dito engano ter sido simples e eficaz: os quatro se enganaram mutuamente para assim melhor enganar o mundo, cooperando entre si na construção de uma vergonhosa mentira, que há muito sabiam ser mentira, mas que apenas agora lhes interessa reconhecer publicamente, deixando Bush arcar com todas as culpas, considerando que é o que tem menos a perder, pois já está vencido eleitoralmente, com todas as consequências negativas do imbróglio.
Ou seja, se só acredita numa mentira quem lhe interessa que esta seja verdade, também é incontornável que apenas diz a verdade quem lhe interessa que ela tenha trato e valor de mentira, de coisa que se diz simplesmente para desabafar a alma, e não porque esteja realmente arrependido de ter ajudado a matar milhares de pessoas, transfigurado uma região e molestado milhões de civis, muitos dos quais virão a sofrer indirectamente, mas segundo, e em consequência, que indubitavelmente lhe está implicada, quer física como moralmente, danos que se estenderão ao longo e durante todas as suas vidas. Não. Porque sempre foram e são moderados, não radicalizaram minimamente a questão, e mesmo quando mataram inocentes fizeram-no por moderação, em jeito de alívio a males maiores que lhe poderiam vir a acontecer, e que portanto esses milhares de mortos ainda lhe devem agradecer por terem morrido, pois evitaram vir a saber que morreram porque alguém enganou outrem que estava deserto de ser enganado, mas só o admitirá se outros tantos morrerem e não tiver demais remédios com que ungir a culpa.
Aliás, porque é que não admitem, definitivamente, que se alguém morreu foi por sua exclusiva responsabilidade e culpa, bem merecido lhe fora, já que era quem era e nascera onde nascera, estando por isso a pedi-las, e quem tem o que merece deve deixar-se de lamúrias. Como os nazistas fizeram aos judeus, os turcos aos arménios e curdos, os israelitas aos palestinianos e os católicos europeus aos albigenses. Enrolava menos, escusavam de se apontar na infantilidade do "foste-tu, foste-tu, nhanhanhã, foste-tu" e podiam ir jantar fora para celebrar, em qualquer paraíso, fora dos olhares dos pobres e defuntos, na Madeira por exemplo, com um jardim a enfeitá-los. E dava-nos menos pena, coitadinhos, que desde o Gil Vicente nos comovemos muito com a sorte de quem pensa que a esposa é só sua!...

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