Maria Anna Accioaioli Tamagnini
Eis dois poemas daquela que considero uma das mulheres de excepção do século passado, com escrita límpida, de uma imagética ímpar, umas vezes a voar nos pressupostos do universo de Camilo Pessanha, outras, a navegar entre a expressão continental de Cesário Verde e o "crioulo" sentir de Venceslau de Moraes. Aqui ficam, portanto, como aperitivo para melhores e futuras abordagens... Não espelham o meu pensar nem, provavelmente o da autora, mas são bem o exemplo daquilo que um estilo cristalino pode fazer às palavras, tornando-as estrelinhas cintilantes num mar de magia ou céu de sons que nos entretecem.
FOLHAS DE LÓTUS
Sobre folhas de lótus escrevi
As letras do teu nome, meu amor,
Naquelas folhas que a sorrir colhi
Ao debruçar-me sobre o lago em flor.
Sobre as folhas de lótus desenhei
O mais risonho trecho da cidade;
E esse leve desenho que tracei
Dir-se-ia uma paisagem feita em jade.
O teu nome mais belo se fizera
No relvo das letras bem gravadas.
A paisagem lembrava a Primavera
Sobre o verde das folhas espalmadas.
Apertei-as de encontro ao coração.
Senti meu peito como flor a abrir...
E todo o Oriente feérico e pagão,
Sobre folhas de lótus vi surgir.
Ah! Se eu pudesse, como outrora, ao luar,
Por esses lagos nos jardins dispersos,
Ir as folhas de lótus apanhar
Para sobre elas escrever meus versos,
Essas folhas de estranha singeleza
Dariam à poesia outro valor,
E eu realizava um sonho de beleza:
Um livro cheio de perfume e cor.
CASAS DE ÓPIO
Nos kakimonos, de papel pintado,
Os dragões saltam, riem as carrancas,
E entre as nuvens do fundo acobreado
Os deuses montam em cegonhas brancas.
Sobre as lacas polidas, luzidias,
Há figuras, marfim de alto-relevo,
Finas silhuetas de mulheres esguias,
Sorrindo aos deuses num profundo enlevo.
Na sua luz mortiça, vão ardendo
As lamparinas clássicas, chinesas.
Nos cachimbos o ópio vai fervendo
Ao contacto das lâmpadas acesas.
Nas esteiras, em lânguido abandono,
Adormeceram já os fumadores.
Vencidos pelo poder fatal do sono
Esqueceram da vida os dissabores.
Corpos que pelo ópio emagrecidos
Se perdem nas cabaias de cetim.
Contornos vagos, rostos abatidos
Da cor da cera virgem, do marfim.
Vede-os dormir! Que imensa placidez
Nas suas faces quietas e paradas!
Mas, sonham. Através da palidez
Das pálpebras sombrias, maceradas,
O sonho adeja em louca fantasia:
Miragens de além-mar, países raros,
Glória, poder, riqueza, soberania,
Mulheres de olhos negros, de olhos claros...
Em taça de cristal vinho de rosas.
Brancas magnólias, lírios perfumados.
Sobre as águas, em noites misteriosas,
Juncos, de prata e oiro carregados.
Inertes vão sonhando os orientais...
O ópio, que os domina e que os subjuga,
Sobe nos ares, em ténues espirais,
Dos cachimbos de jade e tartaruga...
E pelas altas paredes, que o exotismo
Vestiu de seda, cobriu de oiro velho,
Bailam sombras, visões do paganismo,
À luz quebrada de um lampião vermelho!
Maria Anna Acciaioli Tamagnini
in LIN TCHI FÁ: Flor de Lótus
Kakimonos – Pinturas em papel ou seda, caindo ao longo das paredes.
FOLHAS DE LÓTUS
Sobre folhas de lótus escrevi
As letras do teu nome, meu amor,
Naquelas folhas que a sorrir colhi
Ao debruçar-me sobre o lago em flor.
Sobre as folhas de lótus desenhei
O mais risonho trecho da cidade;
E esse leve desenho que tracei
Dir-se-ia uma paisagem feita em jade.
O teu nome mais belo se fizera
No relvo das letras bem gravadas.
A paisagem lembrava a Primavera
Sobre o verde das folhas espalmadas.
Apertei-as de encontro ao coração.
Senti meu peito como flor a abrir...
E todo o Oriente feérico e pagão,
Sobre folhas de lótus vi surgir.
Ah! Se eu pudesse, como outrora, ao luar,
Por esses lagos nos jardins dispersos,
Ir as folhas de lótus apanhar
Para sobre elas escrever meus versos,
Essas folhas de estranha singeleza
Dariam à poesia outro valor,
E eu realizava um sonho de beleza:
Um livro cheio de perfume e cor.
CASAS DE ÓPIO
Nos kakimonos, de papel pintado,
Os dragões saltam, riem as carrancas,
E entre as nuvens do fundo acobreado
Os deuses montam em cegonhas brancas.
Sobre as lacas polidas, luzidias,
Há figuras, marfim de alto-relevo,
Finas silhuetas de mulheres esguias,
Sorrindo aos deuses num profundo enlevo.
Na sua luz mortiça, vão ardendo
As lamparinas clássicas, chinesas.
Nos cachimbos o ópio vai fervendo
Ao contacto das lâmpadas acesas.
Nas esteiras, em lânguido abandono,
Adormeceram já os fumadores.
Vencidos pelo poder fatal do sono
Esqueceram da vida os dissabores.
Corpos que pelo ópio emagrecidos
Se perdem nas cabaias de cetim.
Contornos vagos, rostos abatidos
Da cor da cera virgem, do marfim.
Vede-os dormir! Que imensa placidez
Nas suas faces quietas e paradas!
Mas, sonham. Através da palidez
Das pálpebras sombrias, maceradas,
O sonho adeja em louca fantasia:
Miragens de além-mar, países raros,
Glória, poder, riqueza, soberania,
Mulheres de olhos negros, de olhos claros...
Em taça de cristal vinho de rosas.
Brancas magnólias, lírios perfumados.
Sobre as águas, em noites misteriosas,
Juncos, de prata e oiro carregados.
Inertes vão sonhando os orientais...
O ópio, que os domina e que os subjuga,
Sobe nos ares, em ténues espirais,
Dos cachimbos de jade e tartaruga...
E pelas altas paredes, que o exotismo
Vestiu de seda, cobriu de oiro velho,
Bailam sombras, visões do paganismo,
À luz quebrada de um lampião vermelho!
Maria Anna Acciaioli Tamagnini
in LIN TCHI FÁ: Flor de Lótus
Kakimonos – Pinturas em papel ou seda, caindo ao longo das paredes.
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