Os Contadeiros de Pilhérias

"Para ti Camões

Que tão raros poetas houvera
País triste em qualquer era
Que tiveram como heroína
Esta pátria ou a sua sina,
Ficaram escritos em padrões
Como Os Lusíadas de Camões,
Verbo dessa poesia sem igual
Gravada na História de Portugal
Já vindos dos séculos de Além,
Que ainda se cantam hoje porém
E se cantarão sempre, com altivez
Enquanto no mundo houver um português!"

Poema de Leonardo Cardoso, poeta portalegrense nascido em Castelo de Vide


Antigamente, quando andava nas comezinhas andanças da croniquice labrosca da comunicação social regional, os pingentes mafiosos dos cafés que frequentava, normalmente imbuídos de enormes e fortes doses da dor de corno com que açucaravam o leite de formiga pingado a cuspinho, que caracterizava o seu consumo habitual nesses estabelecimentos, costumavam-me criticar as crónicas por três motivos: porque tinham algumas gralhas, porque desancavam as políticas das governâncias centrais como locais, e, principalmente, porque eram minhas, coisa que por si era já sintoma de abuso e pouca vergonha tida, desplante e descaramento, demonstrados por quem, na vida, mais não tinha nem fizera nada além de ler (e escrever).
Caso grave e perdido, não restam dúvidas nenhumas, sobretudo agora, em que finalmente há censura em Portugal, porquanto neste suposto concerto judicial veneziano, com baile de máscaras e golpes palacianos dos Casanovas da actualidade, também conhecido por Face Oculta – e era preciso, pergunta-se, tapar aquilo que há muito se perdeu? –, há duetos impedidos de cantar, embora bem saiba quem os ouviu na privacidade do banho (de surdina siciliana), que são mui prendados no barítono e afinados no solfejo político: Sócrates e Vara.
Ora, naquele tempo como agora, salvo seja!, os temas que aventava no auge da preocupante cidadania, eram as vacas loucas e a gripe das aves – hoje é o H1N1 –, a falta de emprego – hoje é o desemprego, os despedimentos e a crise –, o envelhecimento populacional nos burgos – hoje é a falta de gente nova nas cidades e excesso de reformados, com a agravante insustentabilidade do sistema de segurança social–, as baixas reformas/pensões e as inconsequências do rendimento mínimo garantido – hoje é o degradante aumento de 1,25% e o rendimento mínimo que só deve ser atribuído a quem cumpra os mínimos da sociabilidade.
Quer dizer, mudaram-se as moscas mas a coisa está como estava, mais UE menos UE, e todos nos esquecemos que, como terá afirmado o Sr. Dr. Mário Soares presidente da República a propósito dos desmandos governamentais do Sr. Dr. Cavaco Silva, então primeiro-ministro desta deslavada pátria, «a oposição é tão essencial quanto o exercício do poder», todavia, eu que nunca fui uma coisa nem outra, que jamais exerci o poder como nunca estive nas manifestações dos profs contra as avaliações, aquilo que vejo e ouço, não é mais que uns andarem constantemente a lamuriarem-se por lhe andarem a fazer aquilo que eles fizeram aos demais. Antes das eleições eram as escutas na presidência o desaforo de todos os desaforos; agora, são as escutas aos membros do governo: afinal, se quem não deve não teme, onde é que está o problema? Se eu andar com valdevinos e bandidos me aplicam a regra do "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és", que mal é que faz o representante máximo de um órgão de soberania andar na cavaqueira e privar com um suspeito de abotoanço e/ou de subornos?
A bem dizer, temos que dar o dito por não dito ao dito Sr. Dr. Mário Soares, uma vez que em Portugal não há governos nem oposições, pois que é uma pátria cuja sina é ficar sempre na mesma, onde anda sempre metade a pregar pilhérias à outra metade vencida, e os jornalistas, os opinion makers e similares, se resumem enfim a relatar as pilhérias que os socialista fazem aos sociais-democratas ou vice-versa. E eu devia seguir o exemplo, dizendo agora mal de quem disse noutro tempo mal de mim, porque amor com amor se paga, dando-lhes a beber o veneno que sobre mim destilaram, não fosse este jeito de rir que me ficou, por mor, de a tanta pilhéria assistir: votaram neles, agora auguentem-se – só para citar, com passe-doble madeirense, o nosso desbravador navegante Mestre João (das Ilhas).

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