CANTO DE JARDIM


Há, no fundo deste velho jardim, um canto que faz as minhas delícias. Ensombrado pelas árvores dos quintais vizinhos, tem qualquer coisa de misterioso como os bosques… A erva cresce entre o musgo. Aqui e ali, surge, na sua haste delgada, uma papoila vermelha. Contra o muro vivem, exuberantes, a hera, o alegra-campo e, onde pode surpreender um raio de sol, debruça-se, miudinha, clara, uma roseira de toucar. No inverno, cheira a violetas, a terra húmida. Na primavera, tem um perfume especial de erva fresca, de folhas tenras. O rouxinol, que ama o mistério e a sombra, escolheu este canto do jardim, para nele exalar as suas lágrimas musicais, as suas harmoniosas queixas… Se eu tivesse a voz do rouxinol, era ali que chorava, que me queixava também… 

Portalegre, junho 1922.


In LUZIA, Almas e Terras Onde Eu Passei, Edições Europa, pág. 37. Lisboa, 1936  

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