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Mostrando postagens de janeiro, 2015

SILÊNCIO VELHO RESTELO NOVO

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SILÊNCIO  VELHO  RESTELO  NOVO Nesse labirinto das palavras Que me não dizes; nesse mar Onde em ondas de silêncio  Naufragámos, recordo o teu olhar, Os gestos rebeldes das ervas bravas À tona de mergulhar no desejo imenso. E sou a saudade do que nunca fui, Teu amante eleito de horas vagas; Noite que em respirar se dilui Ruminando o tempo, se a vida flui Até ser a seiva das folhas amargas. De esperar, de crer na mudança; De acreditar que a terra é uma flor Pintada à mão, pla esperança em cor Na paleta inábil duma criança!... Nesse muro que o silêncio ergueu Como se fora um gesto de tirano dita dor, De roubar-nos o sonho e a magia De fazer o mundo plo sentimento teu E meu, de cruzar os mares da cor No batel da realidade e fantasia... Sou cada dia que passa mais Esse virar de página no ler de jornais Que nos falam de outros, de ninguém Conhecido ou de que sejamos iguais Por quem, contudo, morremos também

O PANÓPTICO INCONFORMADO

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O  PANÓPTICO INCONFORMADO                  Joaquim Maria Castanho Ontem, na tentativa de conviver de perto com aquilo a que comummente chamam “espécie humana”, fui até ao Café. Após bebericar da típica e apenicada chavenazinha a água castanho-escura com creme espumoso e dourado denominada “Bica”, deixei-me afundar na discreta leitura de um dos jornais do dia que adquirira no Quiosque Jardim. E afundar é a palavra exata. Precisa. Principalmente porque ainda não chegara às palavras cruzadas, que são o suprassumo ou tiro-e-queda na matéria, já ninguém estranhava ou notava a minha presença. Fora assimilado… O dia acordara assim-assim, que é o tal jeito provinciano de referir tudo quanto é sonso e intragável mas não nos importamos de consumir, engolir, tragar, porquanto tem tanto de saber a nada como de a coisa nenhuma. Todavia o céu estava azul, daquele azul caraterístico dos desenhos animados, embora que polvilhado, aqui e ali, de farrapos de esbranquiçadas nuvens,

O DIABO DE BURRO

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O DIABO  DE  BURRO                                                                                                                                               Por                                                                             JOAQUIM CASTANHO Quando cheguei a Casal Parado, vindo de uma capital de distrito, não conhecia cá ninguém. Nem sequer aquela que viria a ser a minha hospedeira. Mas a tropa manda, e aconselha no desenrasque!... E, mais ou menos porque à força de nos encontrarmos em idênticos sítios pelo igual da hora, criamos parceiros para o jogo dos grupos no parcelamento estrutural da sociedade – o que é um contrassenso – , ou nos damos como cúmplices uns dos outros em pecados imaginários e futilidades menores, para que possamos preencher a solidão pelo custo da sua hipoteca – a esperança. O certo é que, sem sentirmos, nos vamos enraizando juntando-nos a outros desenraizados que normalmente nos acolhem, mais por necessidade de sangue novo no s

DIZER A ETERNIDADE

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DIZER A ETERNIDADE                                                         Por                                                         Joaquim Castanho A maior e superiormente imediata (ou derradeira) das aventuras começou sempre pela palavra. Incluindo a civilização ocidental e judaico-cristã. Da qual é exemplo o antropocentrismo humanista, conforme o registo bíblico, em que afirma categoricamente que ao princípio foi o verbo. Mas o verbo de então, claro está, e não o de hoje, que era palavra, e atualmente é ação. E nessa gramática, universal todavia, tudo o que é humano só se conjuga, se inicia factualmente e se torna realidade quando, enfim, se nomeia, verbaliza, define, invoca e convoca. Nunca antes. Pelo que nomear é, assim, e indubitavelmente, o primeiro formato de existir de que tivemos e somos notícia. E tivemo-la, quer por génese oriunda de nós mesmos no diálogo de nós mesmos connosco, quer tenha vindo do exterior, por acaso ou estudo, partilha ou apropriação

A CARTA ESQUECIDA

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A CARTA ESQUECIDA Por Joaquim Castanho “Mas as crianças nascem de duas vozes que se encontram, e não só de dois corpos (...) ” – TEOLINDA GERSÃO, in O Silêncio Se quando uma pessoa se levanta tarde, quer tomar banho mas não tem água, sai à rua para beber café e não há luz, e na esquina entre a residência e a pastelaria lhe cai, vinda das alturas agrestes do plúmbeo céu, à louquérrima velocidade de um meteorito, a larada ocre e esbranquiçada de uma ave em altos voos, sobre o braço de confirmar as horas, ao contorcê-lo nesse gesto do cotovelo em riste a quilhar os flancos ao momento, e lhe esborrata o pulso e o relógio, ou se instala ansioso num banco do passeio público para anotar as desgraças que lhe aconteceram, em apontamento derradeiro e testemunho duma biografia que roçagou as faldas da tragédia, incluindo nos mais ínfimos pormenores, mas não o pode fazer porque se esqueceu da esferográfica em casa, coisa que nunca antes lhe acontecera, reparando enfim ness