SILÊNCIO VELHO RESTELO NOVO



SILÊNCIO  VELHO  RESTELO  NOVO


Nesse labirinto das palavras
Que me não dizes; nesse mar
Onde em ondas de silêncio 
Naufragámos, recordo o teu olhar,
Os gestos rebeldes das ervas bravas
À tona de mergulhar no desejo imenso.


E sou a saudade do que nunca fui,
Teu amante eleito de horas vagas;
Noite que em respirar se dilui
Ruminando o tempo, se a vida flui
Até ser a seiva das folhas amargas.


De esperar, de crer na mudança;
De acreditar que a terra é uma flor
Pintada à mão, pla esperança em cor
Na paleta inábil duma criança!...


Nesse muro que o silêncio ergueu
Como se fora um gesto de tirano dita dor,
De roubar-nos o sonho e a magia
De fazer o mundo plo sentimento teu
E meu, de cruzar os mares da cor
No batel da realidade e fantasia...


Sou cada dia que passa mais
Esse virar de página no ler de jornais
Que nos falam de outros, de ninguém
Conhecido ou de que sejamos iguais
Por quem, contudo, morremos também


Por acontecer, como num empréstimo…
Sofrer da vida o que ela nos dá.
E saber do amor apenas, que é um étimo,
Onde reside tudo o que se não tem – nem há!...


In Joaquim Castanho, EUCLASIA, pág. 40

Comentários

Belo poema, gostei e me senti balançando em uma rede a meditar ouvindo o som de ondas do mar, aquele som monótono e eterno como eterna é a minha essência,....


Eurídice P. Calaca
Obrigado, minha amiga Eurídice Calaça, por sua sensibilidade e apreço. Sim, a água, o vaivém, o pulsar de nosso líquido primordial, de nosso sangue e linguajar, é quem nos marca o ritmo da voz como da vida, da descoberta como do receio do desconhecido, e foi ele, sem dúvida, o que quis sobretudo traduzir com este poema. Obrigado! Face deste espaço também mais um lugar de passeio, um sítio à beira-mar de onde se pode espreitar amiúde a distância que os oceanos no vão impondo.

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