O DOGMA É COMO A POEIRA
O
DOGMA É COMO A POEIRA: PODEM ATIRÁ-LOS AO AR QUE BAIXAM SEMPRE, E NINGUÉM
EVITARÁ DEPOIS O VERMOS CLARO NOVAMENTE
"Na luta pelo melhor, muitas
vezes se corrompe o bom."
WILLIAM SHAKESPEARE
Ao contrário do que alardeiam algumas
forças políticas hiperautoritárias e individualidades (anexas) atreitas ao
banquetear-se continuamente com a coisa pública, só com uma segurança social
robusta e sustentável é possível fazer frente aos desafios futuros gerados
pelas circunstâncias adversas resultantes da insustentabilidade demográfica, da
imigração crescente, do envelhecimento populacional e aumento da esperança
média de vida, do esgotamento próximo de muitos recursos naturais, das
alterações climáticas e do elevado abandono/fracasso escolar que desde sempre
nos tem caraterizado, mas principalmente porque todos os Estados europeus se
encontram (obrigatoriamente) a braços com o equilíbrio das suas balanças,
redução do défice para patamares plausíveis e diminuição das dívidas, e não
podem alienar verbas da economia e finanças públicas para combater a pobreza,
diluir as desigualdades, esbater as assimetrias e fomentar a valorização das
suas franjas sociais mais descapitalizadas. E não o podem fazer porque as
regras de contabilização e orçamentais europeias ou nacionais o não permitem,
não têm um crescimento económico que o facilite, ou agilize, e se encontram na
generalidade obrigados a desipotecar o seu futuro, futuro que vieram metendo no
prego durante anos e anos impunemente, e utilizaram aleatoriamente como aval e garantia
para contrair a dívida com que ora estamos todos e todas levar em cima,
traduzida pela austeridade progressiva, e que teve como únicos causadores as
políticas de desenvolvimento insustentável que os governantes dos últimos 20
anos, pelo menos, fez questão de gizar, implantar e cumprir.
Portanto, a questão social e da
sustentabilidade do sistema de segurança social é uma matéria em que o
dogmatismo faccioso, alapardado nela pelos seus principais comensais, nos pode
sair muito caro e provocar sequelas irreversíveis em termos de desenvolvimento
local, regional, nacional e europeu, deveras inflamatórias e obstrutivas à
emancipação e liberdade dos povos, sobretudo do nosso, bem como alguma
regressão no desenvolvimento humano, económico e social já conseguidos. E é dum
criancismo obtuso incontornável julgar-se um dos irmãos desta família alargada
com direito a não estudar nem fazer os trabalhos de casa só porque os restantes
irmãos não os fazem e já estão de férias, nem precisam de igualmente os fazer por
se encontrarem em níveis diferentes e os fizeram anteriormente. Pois as
desinteligências em matéria de coesão social pagam-se caro, produzem feridas
que fragilizam o tecido social e a confiança dos homens e das mulheres na
humanidade, o que, por mais que venham a ser compensadas futuramente jamais
serão esquecidas.
O processo de envelhecimento
populacional já originou dissabores e teve reflexos diretos na sustentabilidade
demográfica da década passada, e, agravado com a sangria dos jovens
recém-formados para os países onde lhes é possível trabalhar e criar família, é
bem possível que venha a acentuar-se na próxima, temendo-se logicamente que ao
sistema de segurança social português notoriamente debilitado venham a surgir
novos desafios que o desestruturarão inevitavelmente, tornando-o inapto e
incapaz de lhe responder conforme dele se espera e esperam as gentes que o têm
sustentado, ficando paulatinamente a assistir ao empobrecimento generalizado e
esquartejamento do todo social da nossa portugalidade, não obstante tenha tido
duas reformas recentes sob essa perspetiva, uma em 2001 e outra em 2006, em que
lhe foram introduzidas algumas mudanças de fundo no sentido de lhe minimizar os
danos, tendo em conta a proteção básica da cidadania (e da sua natureza solidária),
a estruturação do regime contributivo e uma gama poupanças complementares.
Porém o fator de sustentabilidade, a nova fórmula de cálculo, a proteção das
longas carreiras contributivas, a atualização das pensões e respetiva
desindexação ao salário mínimo, o modelo de financiamento e a sua
transparência, alteração dos regimes contributivos especiais, o combate à
fraude e evasão contributiva e os incentivos à natalidade, não surtiram os
efeitos desejados nem protegeram as franjas sociais mais desfavorecidas, pelo
que foram, por assim dizer, inócuas e inócuos, e bateram de frente com uma
forte resistência interna motivada pelos sucessivos cortes salariais e redução
de pessoal ou reestruturação orgânica em curso no ministério.
Como se isso não fosse suficiente, a
crise instalada e mal gerida, a submissão total aos ditames e diretivas da
troika, a falta de imaginação dos dois governos anteriores e que as
supervisionaram, a falta de sensibilidade humanista, humanitária e democrática
generalizada, nomeadamente dos parceiros sociais (UGT, CAP, CCP, CIP e CTP),
fragilizaram intencionalmente o sistema e tornaram inoperativas as suas
valências positivas nestas reformas facilitando que os fatores negativos se
acentuassem ganhando o respetivo vínculo social tão evidente quanto indesejável
da desmotivação política e descrença comum na democracia, com que atualmente
todos os partidos e todas as forças políticas se deparam, e podem quantificar
com as elevadas percentagens de abstenção verificadas nas eleições europeias. O
que nos obriga a concluir que à força de tanto espremerem as capacidades do
sistema de segurança social português para lhe otimizarem os efeitos o secaram
e tornaram impotente face à problemática que o tempo nos reserva. E é pena!
Joaquim Castanho
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