Na Curva da àgua Férrea
(Crónica Literária publicada em O Distrito de Portalegre)
"Uma coisa é certa quando tende para preservar a integridade, a estabilidade
e a beleza da comunidade biótica. E é errada quando tende no sentido oposto."
Aldo Leopoldo, in A Ética da Terra
Cruzam-se novos rumos ao infinito (das bocas). Em vésperas de partilha e confraternização, insolentes por sofreguidão de afectos, eis que os factos se levantam a repique, e a aldeia amanhece global, como num dia de festa. Do coreto, um adufe que não se cansa, alicerça seu toque ao ritmo do coração da planície, e empresta-lhe o balanceado vaivém do cante, que os jornaleiros pendulam de braço dado, para adormecer o menino que ainda lhes não morreu dentro. Um, dois, um, dois, um, dois, passo a passo, o poeta das auroras verdes chega para sublinhar que se alguém perguntar por mim, diz que não estou, que fui prò jardim, com a saudade que dele me ficou...
Todavia, da curva do tempo, os nomes, sempre os nomes, plantados aqui e ali, no recato de qualquer esquina entre as vielas da urbe, regados pela Água Férrea que brota da serra, num murmúrio de Arina escondida, soerguem-se à vez, como lacrimoso mas colorido eco, nos alegretes de luz, e perfilam-se à volta das muralhas, num labirinto de invocações, porque nenhuma nomeação lhe é alheia. Minha avó me disse um dia, que aquilo que escorria, da fonte dos caminhos, água não seria porventura, mas lágrimas choradas, pela moura encantada, que na Penha enclausurada, assim dava notícia da sua amargura. Ora, não obstante a espécie que me fazia, tal receio ou constatação, o que é certo é que havia, quando se aproximava o Verão, mão anónima que lhe punha à volta da bica, nobre laço de junça tenra, e a água antes férrea, então benta lhe corria.
Pouca pode ser a significação, porém ela afirmava, que essa dita invenção, já a avó dela lha referia, por tê-la ouvido também à avó da bisavó um dia, em que a ela foram dessendentar-se num lusco-fusco de S. João. E talvez por isso, hoje eu lhe reconheça razão, é que se com aquele laço de verdura, em torno do metálico cano, santificada não estaria, era contudo geral a opinião, pela sua frescura, que quanto mais calor estivesse, mais brotava ela fria.
Jamais alguém lá voltou a matar a sede. Contudo eu, logo que da cidade avisto tal curva, dou por mim a recordá-la e vê-la, não como se fosse ontem, mas hoje. Agora. E, pese embora, nem sei bem porquê...
Deve ser grande a aflição
Para a Moura chorar assim,
Que também eu morro de mouro
Mas a Moura não chora por mim!
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