Dum Vivimus, Vivamos

Enquanto Vivemos, Vivamos

"Cada tres minutos, una mujer es golpeada.
Cada dez minutos, una muchacita es acosada...
Cada día aparecen en callejones,
En sus lechos,
En el rellano de la escalera, cuerpos de mujer."
– Ntozake Shange

Moderação, inteligência, partilha, são mais que slogans políticos da actualidade, ideias base ou valores da nova ética, democrática por assim dizer, desde que ousemos ser radicais, e se não quisermos sucumbir ao fado afonsino do vira o disco e toca o mesmo dos bailaricos saloios nas caves do provincianismo serôdio que já foi moderno, sim, no tempo da mola na calça para não nos sujarmos na corrente e dos Nicolaus-Trindades que pedalaram, entre perigos e guerras esforçados, mais do que permitia a razão humana, para triunfo dos botas de elástico e consequentes comensais da lusofonia, em acérrimo leilão da portugalidade. Porque são enfim, deste tempo, outrossim, a marca de qualidade com que cada um pode cunhar a moeda de troca ao câmbio da sustentabilidade imediata, sem mediatismos, mas profundamente arreigada aos que preferem viver enquanto vivermos.
Num carrão enorme, p.e., topo de lama do gamar enquanto dá, onde caberiam à vontadinha, pelo menos cinco pessoas, vai só uma e é de muito suspeita humanidade. Eis o principal fotograma, o frame típico e característico, retirado da película do nosso dia-a-dia, como uma das fundamentais atitudes industriais/transformativas (produzir monóxido de carbono unicamente a partir de dióxido de carbono, espécie de descoberta da pólvora prò fósforo) com que o Homo Popas nos vais corroendo a Rua Sésamo, até já esta não abrir para tesouro nenhum mas antes, salvo seja, desembocar num Rossio urbano, qual fórum constituinte onde mil e um ladrões arengam ser os legítimos eleitos Alibabás da política nacional. Mas anda acurar-se – diz-se, à boca pequena, em novas oportunidades de boca grande, na devoração do erário público–, porquanto frequenta os banhos quentes à propina numa estância (filial) de Bolonha e fermentação de leveduras rápidas, que ainda hão-de levar os hip-hip hurras à memória da pátria e seus egrégios cós, cãs e cá-cás para as foz e ribeiras, com firmes e tesas intenções de gramar com o canudo fita e laçarote de preceito, coisa que com sorte até pode ser habilitação suficiente para ingressar na carreira de caixa em qualquer hipermercado que mantenha a tradição de empregar por cunha e fazer concurso por aparência física, tipo miss de experimentar e deitar fora, como a pastilha elástica dos Taxi. E Gigélia Hirondina foi uma das afortunadas... Consegui-o!
Filha de Abril, gerada por geraldina em manif do MFA sob a palavra de ordem que garantia que as vacas são do povo, deram-lhe duro os pais para que nunca nada a ela faltasse, sobretudo das coisas que se vissem, e de inveja no uso comum lá na terra dos confins da (se)gregação, para escalas em socalcos vinhateiros de culto a Baco, sob as frondes mais viçosas e destemidas dos chorões açambarcadores e pedintes das gotas de água ao céu, do florbelino espancamento, para gáudio dos mocetões e arrelia da mulheraça. Só que ao cair do berço d'oiro aterrissou mal e saiu pencuda, que mais parecia descendente directa do Bocage, olhos desmedidos no sopé da cuja-dita, e dentes que, ao crescerem apertados, encavalitados em hora de fala impetuosa e incendiária, em hora de ponta empurrados prà saída da boca, à laia de lebre mal amanhada e com muita carqueja para não saber a gato, a quem o lábio inferior não se desenvolvera com desenvoltura e à-vontade, plantara-lhe o trejeito de Santa Bárbara bendita a rogar por melhores trovoadas, para raios e tridentes no bulício de trincar tubérculos e raízes várias, com receita Doc em Vale de Perdizes.
Vai daí que um dia, cansada de apanhar no trombil, queixou-se à republicana do seu Xico, mas eles riram-se que nem uns perdigueiros, pois desconfiavam que ela gostava dos carinhos, andava é com modernices por ouvir às demais que os seus também lhe davam pra tabaco, mas tinham mão frouxa no enrolar da mortalha. «Pode lá ser», repetia Gigélia ao ouvir as vizinhas, sobre a cobardia e senilidade de seus machos já com as hastes a meia haste. «O meu zurze-me valentemente, mas ainda é home» garantia, quando elas vaconsigo no café, ou tasca da esquina, a moderação dos costumes caseiros, e de como elas inteligentemente reivindicavam os seus direitos, nomeadamente o de apanhar com vigor, nada dessas mariquices de votar ao centro, que as incitava à cantoria do ele bate, bate, mas o jeep é meu, e aplaudir Tonho das Veredas nos arraiais e romarias dos santos pó-pulares.
E com razão, esclareça-se como seu esclarecido argumento, que a elas ninguém pinta a manta, muito menos se «vierem para cá com latinórios e espanholices. Até porque se isso fosse importante prà gente», acrescentavam elas, «então porque é que o não dizem em língua que se perceba!?...»
O que me leva a concluir que a violência doméstica só é violenta conforme o dialecto em que se pratica. Que se for moderada, usada com inteligência e partilhada, outra coisa nunca será além de tradição, cultura e costume secular, que deve ser respeitado por antigo, ensinado por devoção e partilhado para regalo de quem se não esquece, nem permite, que de um momento para outro se apaguem mais de oitocentos anos de História. Nem mais. Ora, Eça!

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