Erro de Cidadania

"Tudo quanto é necessário para o triunfo do mal,
é que os homens bons não façam nada."
E.Burke

Pode a alguns parecer que isto é uma questão de somenos, uma bagatela para entreter moleskines, um preciosismo intelectualóide, um comentário sobre insignificâncias, só que não o é, não é não, senhora, que é um alto lá de se lhe tirar o chapéu, desbarretar a careca, a coroa, porquanto é a ténue linha divisória entre a democracia representativa corporativista e democracia participativa da cidadania, confusão negligenciada a que se deve a maior fatia do nosso atraso, daquele que já temos mai-lo o outro que há-de vir, quer com as crises como endossado directamente das catacumbas e calabouços da insustentabilidade; ora, dizia eu, isto de se ser democrata não é para todos, não é nenhuma pêra doce, tem muito que se lhe diga, não nasce com a gente, ao contrário da bestialidade egocêntrica e hiperautoritária, microcéfala e criancista, que essa sim nos manda prà cova tal e qual viemos ao mundo, medíocres e lamechas, o que torna o facto grave, muito grave, deveras grave, mas tão grave, que nos põe nas "mãos" um problema agudo, acutilante e aglutinador do bem-estar futuro, do desenvolvimento do amanhã, quero eu salientar, porquanto ninguém pode ser responsabilizado pelas más governações e piores políticas, nacionais, locais ou europeias, péssimas acções legislativas e parlamentares, sensaboronas presidências e catastróficas gestões autárquicas, visto que cada um que vota e elegeu os elementos, ou partidos que usufruem os respectivos poderes, fê-lo e fá-lo sempre de forma irresponsável, dado estar momentaneamente privado de consciência cívica, subtraído da sua identidade, falho de qualquer sentido ou juízo ético e de entidade, incapaz de responder por si e muito menos capaz de convocar a consciência dos que vai eleger, face à incontestável alienação da cidadania que é o facto de ter entregado, passado para as mãos de outrem, neste caso os componentes da mesa de voto, o seu (BI) Bilhete de Identidade, coisa que suponho deve estar à margem da lei, uma vez que o BI de qualquer pessoa é pessoal e intransmissível, tem que acompanhar sempre a indivíduo para onde quer que este vá, e não podendo ficar à mercê de estranhos, por maior que seja a credibilidade e honesta fama entre os demais cidadãos da urbe.
Aliás, quem está nas mesas de voto pode aproveitar para pôr a sua coscuvilhice em dia, tirar dívidas acerca dos dados pessoais deste ou daquele eleitor, nomeadamente quanto à sua filiação, naturalidade, estado civil, idade, servir-se dessas informações no dia-a-dia futuro, quer para usufruir vantagens competitivas entre os congéneres da praça pública ou comercial, quer para ganhar protagonismo nos salões de cabeleireiro, cafés de afiar a língua, redutos de quadrilhice generalizada, incluindo os locais de trabalho da sua função de nada fazer além de trocar figurinhas e tricas com os colegas de sua igualha, sobre quem passa ou se detém fazendo algo onde lhe interrompem os ócios, impedem desfrute da mordomia e ameaçam tomar conhecimento e (até) contar alguns atentados às leis ou sensatez.
Portanto, onde está a estranheza pela elevada abstenção que em quaisquer eleições, não somente nas europeias, se verifica e ocorre? Que tipo de democracia é esta que põe a pessoa refém de uma mesa de voto, mesa essa que lhe confiscou momentaneamente a cidadania? Vivemos ainda no terceiro mundo ou aquilo que se apregoa na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, não passa de mais uma demonstração da propaganda e
publicidade da banha-da-cobra de outros tempos? É prática comum e recomendada pela Comissão Nacional de Eleições ou só acontece nas mesas de voto que cada um de nós frequenta, essa coisa maravilhosa e fantástica de apreenderem a identidade e cidadania dos eleitores? Isto vai continuar assim ou esperam por alterar a coisa só quando votarem os políticos e empregados partidários do establishment gerontocrático? E escusam de se desculparem com o facto de mais ninguém se sentir melindrado com a usurpação de identidade, pois que, tal como W. Lippman, terá afirmado um dia, "quando todos pensam o mesmo, é sinal de que ninguém pensa [muito]."

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