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Mostrando postagens de janeiro, 2011

Petrarca Reincidente

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“ Assim tinham adormecido: o olhar dele estava fixo nos lírios. Flores que ele lhe tinha comprado a um vendedor de rua no dia antes de aquilo ter acontecido – a purificação das sepulturas. Na semana passada tinham sido as rosas. Rosas vermelhas, enroladas como guarda-chuvas; as rosas têm o cheiro do sexo, disse ela, os lírios têm a forma: ele descobria todas essas delícias enquanto estava com ela. Aproximaram-se um do outro, sob sentidos amplificados .” In A História de Meu Filho , de Nadine Gordimer, tradução de Ana Patrão Q uando Shara decide algo sobre mim, não há meio de contornar a questão nem desobedecer-lhe. Ela diz que não é obediência, sequer fidelidade, vassalagem, mas a sensatez que afluiu para reparar os danos da minha obtusidade (momentânea). Não o creio, deveras. E sinceramente; todavia, nunca lho disse abertamente, talvez por temer a contra-argumentação que lhe advirá. Aliás, a experiência recente aconselha-me prudência e tino, caso não queira ver-me espoliado, além dos

Segundo Conto da Saga Petrarquiana

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A Curva em Desnível “Eis aqui se descobre a nobre Espanha, Como cabeça ali de Europa toda, Em cujo senhorio e glória estranha Muitas voltas tem dado a fatal roda; Mas nunca poderá, com força ou manha, A Fortuna inquieta pôr-lhe noda Que lha não tire o esforço e ousadia Dos belicosos peitos que em si cria.” (Luís de Camões, in Os Lusíadas , Canto Terceiro, Estrofe 17) A inda mal me tinha levantado quando a campainha tocou. Eram precisamente dez horas, e o sol entrava pela janela da sala como se fosse um dia de primavera. Mas não o era. Estávamos no pinho do inverno e, lá fora, a temperatura rondava os dois graus negativos. Portanto, quando sem pressas me dirigi à porta para ver quem assim tocara, estava longe de imaginar que pessoa metera o dedinho no botão, deixando-o lá esquecido na demora de uma eternidade estridente. Insistentemente. Ansiosa. Porque, se nos propusermos ouvir as tonalidades dos toques, distinguimos perfeitamente o estádio de ânimo de quem carrega do outro lado. Eu d

Males de uma idade maior... Ou crise de crescimento?

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O Regozijo Nacional "Os males da idade são postes de sinalização e não destino." L. Kronenberger Fico muito contente por saber que os melhores de entre todos nós não valem um pataco, havendo mesmo quem não sequer dê três vinténs por eles. E ninguém me tira da ideia que a pegada social de cada homem há de abranger muito para além de seus filhos e netos, porquanto também comporta a sua pegada ecológica e da sua família, durante bastante tempo depois de morrer e ela se extinguir, deveras contundente na violação das fronteiras e limites, sejam temporais como no espaço, indubitavelmente inerentes ao grupo, comunidade ou povo a que pertence. O nosso está de parabéns. Temos uma nata a toda a prova, incluindo a de sensatez. Ora vamos lá ver: o que prejudica ou não ajuda absolutamente nada este país, não são as conjeturas e alvitres sobre o possível pedido de auxílio à Europa (FEE) ou ao FMI, deste ou daquele civil mais ou menos magoado, e ressentido, com os desmandos da governação, e

Para Além de Outro Oceano, de Coelho Pacheco

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Com a Alma num Puzzle "NUM SENTIMENTO de febre de ser para além doutro oceano Houve posições dum viver mais claro e mais límpido E aparências duma cidade de seres Não irreais mas lívidos de impossibilidade, consagrados em pureza e em nudez Fui pórtico desta visão irrita e os sentimentos eram só o desejo de os ter A noção das coisas fora de si, tinha-as cada um adentro Todos viviam na vida dos restantes E a maneira de sentir estava no modo de se viver Mas a forma daqueles rostos tinha a placidez do orvalho A nudez era um silêncio de formas sem modo de ser E houve pasmos de toda a realidade ser só isto Mas a vida era a vida e só era a vida." – In Para Além de Outro Oceano , de Coelho Pacheco (1) Quem se esfarela até morrer, corre em riacho de muito seixo e pouca ternura (alcança), que o silêncio do nu apressado, ainda que vertido em multidões de espasmos e suspiros, nunca outra coisa lhe trará do que a solidão de si entre tantos, ilha sem pontes nem portos seguros que no vasto

Assim a modos da fala no sentir da gente...

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As Maneiras de Dizer Não vás ao monte, Nise, com teu gado, Que lá vi que Cupido te buscava; Por ti somente a todos perguntava, No gesto menos plácido que irado. Ele publica, enfim, que lhe hás roubado Os melhores farpões de sua aljava; E com um dardo ardente assegurava Trespassar esse peito delicado. Fuge de ver-te lá nesta aventura, Porque, se contra ti o tens iroso, Pode ser que te alcance com mão dura. Mas ai! Que em vão te advirto temeroso Se à tua incomparável formosura Se rende o dardo seu mais temeroso! Luís Vaz de Camões Quando pretendemos meter as mãos nos bolsos de alguém, tripudiar sobre o seu carácter, modos de comportamento ou personalidade, integridade física e moral, dignidade, crenças e valores, afirmamos qualquer coisa sobre essa pessoa que se enquadra naquelas expressões (clichés) a que é comum chamar « maneiras de dizer ». Fazemos de conta que quanto dizemos não é o que queríamos afirmar mas outra coisa muito diferente e ala, cá vai mais uma daquelas que até os cães

Ecos do Escurecer...

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As Vozes de Nuphar (1) “(Sim, queremos perceber o que se passa à nossa volta, organizar o mundo, e por isso nos fazemos espertos e rimos, descobrindo, porque pensar é um gozo: juntamos uma coisa a outra e outra e no fim há um desenho que aparece. Provavelmente será assim com tudo, o universo deve estar cheio de indícios, como sinais numa floresta.)” Teolinda Gersão, in A Árvore das Palavras , pp 88 Há quem insista (obtusamente) em atribuir a José Saramago as virtudes da Madre Teresa de Calcutá, esquecendo que se ele também era um humanista antropocêntrico como essa religiosa e demais almas afetas ao catolicismo, leigas ou iniciadas/ordenadas, ele era-o, ou fora-o, apenas por acréscimo semântico e técnico da sua condição de escritor engajado, ou comprometido com forças ideologicamente sustentadas, e terá sido exatamente por essas circunstâncias que foi laureado com o Nobel e outros “reconhecimentos” internacionais e ibero/lusófonos, de nomeada e apregoada humanidade …, à falta de melhor