Ecos do Escurecer...


As Vozes de Nuphar(1)

“(Sim, queremos perceber o que se passa à nossa volta, organizar o mundo, e por isso nos fazemos espertos e rimos, descobrindo, porque pensar é um gozo: juntamos uma coisa a outra e outra e no fim há um desenho que aparece. Provavelmente será assim com tudo, o universo deve estar cheio de indícios, como sinais numa floresta.)”

Teolinda Gersão, in A Árvore das Palavras, pp 88

Há quem insista (obtusamente) em atribuir a José Saramago as virtudes da Madre Teresa de Calcutá, esquecendo que se ele também era um humanista antropocêntrico como essa religiosa e demais almas afetas ao catolicismo, leigas ou iniciadas/ordenadas, ele era-o, ou fora-o, apenas por acréscimo semântico e técnico da sua condição de escritor engajado, ou comprometido com forças ideologicamente sustentadas, e terá sido exatamente por essas circunstâncias que foi laureado com o Nobel e outros “reconhecimentos” internacionais e ibero/lusófonos, de nomeada e apregoada humanidade …, à falta de melhor definição e terminologia, mas que nunca o terão levado a passar tanto tempo de joelhos como essa santa e canonizada mulher.




Se poderá inferir, portanto, que o reparo acarreta consigo a incontingência de uma reposição da ordem no caos, propositadamente criado por muitos, que não encontrando outras maneiras como denegri-lo, tentaram agremia-lo às suas hostes, seitas e corporações, sobretudo depois de já não precisarem do seu consentimento para fazê-lo, considerando que falecido é e está, por mais documentários e biografias que agora lhe façam e teçam, em consonância com o rifão popular do quando não os conseguires vencer, então junta-te eles, ou, neste caso, específico junta-o a ti, posto que esse «ti» são todos quantos não conseguiram engolir o sapinho mas agora consideram que Portugal também já tem um Prémio Nobel da Literatura.
O importante é que o amor-próprio e autoestima se mantenham intocáveis e incontestavelmente desenxovalhados. O fomos vítimas de uma injustiça, mas sobrevivemos-lhe e reparámo-la definitivamente, compensa-nos das agruras e batráquios custosamente mastigados, que embaçaram na digestão, concedendo-nos o derradeiro vómito “curativo” da indisposição sofrida, essa mesma que nos azedou os humores e infetou o fígado social na destilação do (amargo) fel da existência (gregária). Sentimo-nos enfim capazes de outra – salvo seja!






Porém, há ainda muito quem nisso fervilhe os tutanos, e considere ser possível usar a percepção motivada como forma de procuração para ajuizar do comportamento dos demais, conforme acha que eles obrigatoriamente têm de ser e de pensar, na mira de garantir que o seu estado de ânimo – e felicidade narcísica – se mantenha dentro dos limites do suportável, continue fiel ao preconceito em que habita e chafurda cantando e rindo. Por exemplo, afirmando ser provocação o uso de um capuz, carapuço ou gorro para quem se resguarde do frio sentido nas instituições onde o ar condicionado só dá vento, se utiliza um “Magalhães” para escrever em público, ou defende e argumenta em favor e resguardo da sustentabilidade e biodiversidade, nas atitudes que envolvem a sociedade, lhe usam o erário e aplicam recursos que não são exclusiva propriedade desta geração. Creio que estas florinhas dos pântanos, do lodo em que suas almas se reproduzem e defecam a obtusidade preconceituosa de que se alimentam hoje, e em que se amamentaram na sua doutoral formação, utilizam a língua não para se expressarem e criarem comunicação, mas a bifurcaram de viperina índole, para envenenar todos quantos à sua volta se mexem contra quem aproveita e cria com os equipamentos e potencialidades que [eles] não sabem usar, mas de que dispõem como se fossem propriedade sua, quiçá outorgada por divina concessão à supremacia dos seus genes, da complacência e laxismo com fundamento corporativista, ou por mérito missionário de arregimentados no mesmo credo dos caciques locais.
Podia ter dó e sentir pena dessa gente. Podia falar-lhe no dia-a-dia como se nada tivesse acontecido. Todavia, se assim me comportasse e agisse estaria simplesmente a estimular a sua reprodução maléfica, por imitação e hipocrisia, dando ao seu ar de supremacia antropocêntrica um estandarte de qualidade que não têm mas de que se outorgam, e com se que pavoneiam, e exibem, gloriosamente desde as natalícias quadras às mirras dos magos que viram estrelas onde os restantes mortais apenas vislumbraram planetas.
Por conseguinte, apenas me apraz esclarecer, a todos quantos ouvirem considerações a meu respeito, classificando e denegrindo as minhas atitudes e ações, vestuário e condição física, que não precisam de levar a sério tais comentários, pois não passei qualquer procuração a essas bestas para os emitirem, nem me incomoda o que qualquer filho da puta diga acerca de mim. Obrigado, e aproveitem a quadra natalícia e Ano Novo para seguir o conselho que a Madre Teresa de Calcutá dava aos políticos deste mundo (e do outro): passem mais tempo de joelhos – que há muitas lotarias que lhes podem sair, mesmo sem terem jogado. A sorte grande cabe a todos e todas – se estiverem na posição certa para recebê-la!

Normalmente, quem se mistura com gente sacana, tanto se dá, até que se dana. Todavia, temos tendência para branquear os sinais, alimentando a esperança, pondo o ênfase na possibilidade de estarmos errados, sermos paranoicos ou pessimistas. Insistimos teimosamente em recuperar a crença – caprichosa e ingénua, é claro – de que as pessoas, sobretudo aquelas com quem convivemos quase diariamente, e que frequentam os mesmos sítios que nós, são menos animais que as rústicas e grosseiras, menos vis que os australopitecos da humanidade pré-histórica… Pois bem: é mentira, ainda o são mais. Aqueles eram bestas por necessidade, na luta constante pela sobrevivência. As de agora, são-no por malvadez e inveja, por vício de destruir o próximo e sede de domínio. E as suas vozes respiram a estagnação infeta da febril podridão com que querem lambuzar o mundo, para que entre ele e elas o desenho não destoe, nem sintam necessidade de mudar, adaptando-se, uma vez que estão no seu habitat natural.

O que apenas é lamentável, não mais, nem menos que isso!

(1) Planta da família das Ninfeáceas, representada em Portugal pela espécie Nuphar Lutea (golfão-amarelo), hidrófilo rizomatoso com folhas flutuantes e submersas, flores com grandes pétalas amarelas expandindo-se acima do nível da água, que aparece em águas de corrente fraca ou quase estagnada.

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