Um Conto de Georges Lorinczy
O CADETEZINHO DE FRIBURGO
Georges Lorinczy*
Tradução de Cristiano Lima
Que um herói de romance não seja de condição a encarar, como um modelo exato e preciso, o bom senso na vida é o que, no fim de contas, ninguém melhor do que nós o sabe. O herói do romance está em pé de guerra com tudo o que, na vida representa o bom senso. Mais: ele está tão em pé de guerra com o bom senso como com a vida. O primeiro dever de um herói de romance é ser interessante, senão nem um gato lerá o romance de que ele é herói. E, nesse caso, pergunto-lhes para que serve ser herói de romance e se vale a pena afadigarmo-nos a escrever a sua história, visto que só temos uma preocupação: interessar o leitor. Numa palavra: é necessário que o herói de romance seja um herói dos pés à cabeça. Seja que herói seja, ele só deve ser herói.
O cadetezinho de Friburgo era um herói verdadeiro, um autêntico herói. Ou antes, ele vai tornar-se um herói: herói da vida ou herói de romance, pouco importa. O que é certo é que vale a pena ocuparmo-nos dele. Também, se assim não fosse, não diríamos uma palavra.
O que o cadetezinho de Friburgo nos diz respeito é uma coisa de que não nos sentimos obrigados a dar contas. Todos sabem que, de fato, tudo o que existe sobre o mundo nos interessa. E o cadete de Friburgo com soja razão, pois foi ele que nos ensinou a língua francesa.
Conformando-nos com o velho princípio in medias res, vamos precipitar-nos de um salto para o meio do romance.
A falar a verdade, não foi a meio do romance mas na grande estrada de Tarnocz que o cadetezinho de Friburgo encontrou Simon Simonyi, Simon «o Forte», que não era célebre apenas pela sua força física mas também pela força do seu espírito, à qual deveu ser eleito subprefeito do condado de Bars. É conveniente saber-se que, neste tempo, isto é, em 1861, o único caminho-de-ferro que existia na Hungria era o que ligava as cidades de Peste, Erseknjvar, Pretesburgo, Marchegg e Viena. Os nossos bons primos, os austríacos, que nessa época exerciam ainda, na Hungria, um poder discricionário, tinham mandado construir esta linha única, a qual era para eles tão urgente e necessária como o é uma mosca para uma aranha. Ao enriquecermos, deste modo, o nossos conhecimentos de história natural, resolvemos um velho problema, porque, sabendo como morrem as moscas, ficam igualmente a saber como engordam as aranhas. A estação de caminho-de-ferro mais importante da Hungria do Norte era a de Tarnocz. Ali é que os habitantes da Alta Hungria tomavam o combóio, quer o destino da sua viagem fosse Peste ou Viena. E também ali se apeavam, quer chegassem de Peste como de Viena.
No caso que nos ocupa, Simon Simonyi, Simon «o Forte», chegara de Viena a Tarnocz, onde o cocheiro, de libré de gala, o esperava no seu break igualmente de gala. Simon o subprefeito, Simon «o Forte», saltou rapidamente para o carro, e logo em seguida saltou não menos rapidamente para o chão. Uma charrette tombada barrava o caminho.
Simon Sdimonyi, como homem experimentado, examinou a situação num golpe de vista. Ao lado da charrette voltada, a roda estava no chão. Um homem esforçava-se por a meter no seu lugar. Mas não o conseguia. Simon Simonyi não disse nem uma nem duas: dirigiu-se à charrete e, em trinta segundos, ficou ela assente nas suas quatro rodas. O condutor da charrete trepou para o seu lugar. Simonyi acenou-lhe e disse em tom jovial:
– A estrada está livre.
Do fundo da charrette alguém agradeceu em francês:
– Obrigado, meu caro senhor.
Só então Simon o acrobata olhou para o viajante. E teve um gesto de surpresa:
– Olha quem ele é: o Sr. Pugin!
Reconheceram-se. Coube, então, ao Sr. Pugin a vez de se regozijar.
– Que feliz acaso! Sou eu, de fato, Sr. Chimoni.
Pugin, o francês, era também uma celebridade: um homem elegante que há dez anos ensinava francês, de castelo em castelo, aos húngaros da Alta Hungria. Vinha precisamente de Neczpal, no condado de Turova, onde fora durante dois anos hóspede e professor de francês dos Justh, no seu famoso castelo duplo. Aqui, neste castelo alegre e hospitaleiro, Simon Simonyi e Leon Pugin tinham-se divertido juntos, diversas vezes.
– Eu vou a Peste, Sr. Chimoni – acrescentou ele. – E o senhor?
– Eu vou festejar o aniversário de um amigo. Faria bem em me acompanhar
– E quando regressaríamos?
– Quando tivéssemos cozido a nossa embriaguez. Além disso, o senhor encontra Peste sempre que queira, ao passo que só há no ano um dia de S. Guilherme.
Pugin refletiu. Mas nem a oferta sedutora nem a reflexão foram perdidas, tanto a oferta era vaga quanto sedutora e prometedora de distrações. Nesta época, a juventude não ia ao castelo para dormir, mas para se recrear. Não se ouvia apenas ressoar o pandeiro dos guizos de zíngaro mas também as esporas. E nem um nem as outras convidavam a dormir, mas a folgar. Pugin acabou por saltar para o break de Simonyi. Nem perguntou onde o levava nem onde se festejava S. Guilherme. O que era bom para Simonyi não podia ser mau para Pugin. Uma hora depois, apeavam-se em Ivanka, em casa de Guilherme Toth.
A festa em Ivanka durou muito tempo para o cadete de Friburgo. Pugin passou perto de dez anos em Ivanka. Ensinou francês a Guilherme Toth, a sua mulher e aos seus três lindos filhos e, mais tarde, aos três netos, os três lindos rapazes de Turocz.
Nesse tempo as velhas terras nobiliárias húngaras estavam ainda integralmente nas mãos dos húngaros, como todas as virtudes e todo o encanto ancestral dos castelos. Graças à sua hospitalidade serena e amável, o estrangeiro tinha logo nos primeiros momentos a impressão de que estava em sua casa. Guilherme Toth, que foi mais tarde ministro do Interior, depois presidente do Tribunal de Contas e, enfim, membro da câmara dos Magnates; que foi o braço direito e o íntimo de Francisco Deak, era, então, apenas o jovem deputado pelo círculo de Nyitra, na Dieta húngara, mas, na opinião pública, o herdeiro e a esperança de uma carreira fulgurante. Sua mulher, uma Kossovich, era o encanto e o espírito personificado.
O nosso amigo francês, o honrado Pugin, o cadete de Friburgo, era uma individualidade ainda mais complicada, quanto mais não fosse, pelo seu passado movimentado. Batizámo-lo de «cadetezinho de Friburgo», porque o romance tumultuoso da sua existência principiara nesta qualidade e neste sentido, pois ele começara a vida na escola de cadetes, em Friburgo. Nascido na Suíça francesa, aos doze anos era já cadete da escola de Friburgo. Era já, nessa época, um aluno atleta: a sua bela cabeça de leão coroava um corpo vigoroso. A cidade de Friburgo estava então envolvida na guerra civil. A população revoltada cercara a fortaleza onde tinham instalado a escola, e nesta encontrava-se o cadetezinho de Friburgo, Leon Pugin. Foi ele que, uma noite, descobrindo que os insurretos preparavam um assalto, deu o alarme. Avisou a guarda, e toda a escola militar, com seu pessoal e a tropa, repeliu vitoriosamente a investida dos assaltantes. É claro que o nosso cadetezinho de Friburgo tomou parte neste combate noturno, e portou-se heroicamente.
Após a batalha, o comandante da praça ofereceu-lhe uma espingarda de honra, a título de distinção, de recompensa e de recordação de um irmão de armas.
O cadetezinho de Friburgo tomara parte no combate apenas para satisfazer a sua ânsia de aventuras. Fugiu depois da escola de cadetes. Foi parar à Polónia russa e viu-se envolvido numa aventura espantosa, na corte de não sei que espécie de grã-duquesa russa, na sua qualidade de professor de francês. O grão-duque era um autêntico grão-duque de opereta: ciumento e brutal. Mandava guardar por cossacos a sua mulher, uma polaca nova e linda.
A bela infortunada detestava naturalmente seu amo e senhor. O nosso cadetezinho, de coração muito inflamável, tornara-se um lindo rapaz, e o elegante mestre de francês, mestre não só na linguagem como na sedução. Não havia ninguém como ele para saber contar uma anedota. Acompanhava, com os gestos e uma fogosa mímica, as suas narrações variadas, e exercia um encanto mágico sobre a sua bela auditora, educada no ambiente das formas glaciais do cerimonial aristocrático.
O romance complica-se. O grão-duque não está em casa. É meia-noite. Tudo dorme. Os dois cossacos, guardas da fé conjugal na antecâmara da grã-duquesa, dormem também. No corredor tenebroso, alguém desliza a passo de lobo para o quarto da bela prisioneira. Com precaução, passa por cima do corpo dos cossacos adormecidos. E depois… Traição!... Como numa opereta… Os traidores caem sobre os amorosos, no momento em que eles menos esperavam. Em recordação deste perigo mortal, a mulher meteu um anel no dedo do cavalheiresco francês. E o cavalheiresco francês atirou-se cavalheirescamente de uma janela. Foi direito a casa do pope da aldeia. Era o único homem que tinha um cavalo. Deu-lho para ele fugir. O outro dirigiu-se para a floresta. Através de montes e vales, saltou fossos e toda a espécie de obstáculos, sem mesmo saber o que fazia. No seu encalço, cercando-o de perto, os cossacos lançaram-se em sua perseguição… Esfomeado, transtornado, esgotado, com o fato em farrapos, depois de dias sem repouso e de noites sem dormir, chegou a território húngaro. E foi só em Neczpal, no condado de Turocz, que ele pode finalmente descansar e recomeçar uma vida digna de um homem.
Nos dias de tranquilidade que depois teve, gostava de contar as suas atribulações e aventuras, muitas vezes num tom de satisfação e de alegria, ao mesmo tempo subtil e sonhador. Mas às vezes entusiasmava-se com a narrativa. Soltava profundos suspiros e sacudia a sua bela cabeça de leão, principalmente se lhe sucedia falar com a grã-duquesa.
– E o que é feito desse famoso anel? – Perguntei-lhe um dia.
O olhar de Pugin encheu-se de melancolia. Pareceu-me que, sobre a testa, lhe passavam nuvens.
– Ah, o anel? Ela tirou-mo…
– A grã-duquesa?
– Não. A primeira ribeira da Polónia que atravessei a vau… Deixei-o cair no Dunajec…
* Nasceu em 1860. Enquanto membro da Academia Petofi, foi um escritor de tendência acentuadfamente naturalista. Entre os seus melhores romances figuram Os Potentados da Aldeia, Sobre a Minha Terra e O Monte de Vidro.
Georges Lorinczy*
Tradução de Cristiano Lima
Que um herói de romance não seja de condição a encarar, como um modelo exato e preciso, o bom senso na vida é o que, no fim de contas, ninguém melhor do que nós o sabe. O herói do romance está em pé de guerra com tudo o que, na vida representa o bom senso. Mais: ele está tão em pé de guerra com o bom senso como com a vida. O primeiro dever de um herói de romance é ser interessante, senão nem um gato lerá o romance de que ele é herói. E, nesse caso, pergunto-lhes para que serve ser herói de romance e se vale a pena afadigarmo-nos a escrever a sua história, visto que só temos uma preocupação: interessar o leitor. Numa palavra: é necessário que o herói de romance seja um herói dos pés à cabeça. Seja que herói seja, ele só deve ser herói.
O cadetezinho de Friburgo era um herói verdadeiro, um autêntico herói. Ou antes, ele vai tornar-se um herói: herói da vida ou herói de romance, pouco importa. O que é certo é que vale a pena ocuparmo-nos dele. Também, se assim não fosse, não diríamos uma palavra.
O que o cadetezinho de Friburgo nos diz respeito é uma coisa de que não nos sentimos obrigados a dar contas. Todos sabem que, de fato, tudo o que existe sobre o mundo nos interessa. E o cadete de Friburgo com soja razão, pois foi ele que nos ensinou a língua francesa.
Conformando-nos com o velho princípio in medias res, vamos precipitar-nos de um salto para o meio do romance.
A falar a verdade, não foi a meio do romance mas na grande estrada de Tarnocz que o cadetezinho de Friburgo encontrou Simon Simonyi, Simon «o Forte», que não era célebre apenas pela sua força física mas também pela força do seu espírito, à qual deveu ser eleito subprefeito do condado de Bars. É conveniente saber-se que, neste tempo, isto é, em 1861, o único caminho-de-ferro que existia na Hungria era o que ligava as cidades de Peste, Erseknjvar, Pretesburgo, Marchegg e Viena. Os nossos bons primos, os austríacos, que nessa época exerciam ainda, na Hungria, um poder discricionário, tinham mandado construir esta linha única, a qual era para eles tão urgente e necessária como o é uma mosca para uma aranha. Ao enriquecermos, deste modo, o nossos conhecimentos de história natural, resolvemos um velho problema, porque, sabendo como morrem as moscas, ficam igualmente a saber como engordam as aranhas. A estação de caminho-de-ferro mais importante da Hungria do Norte era a de Tarnocz. Ali é que os habitantes da Alta Hungria tomavam o combóio, quer o destino da sua viagem fosse Peste ou Viena. E também ali se apeavam, quer chegassem de Peste como de Viena.
No caso que nos ocupa, Simon Simonyi, Simon «o Forte», chegara de Viena a Tarnocz, onde o cocheiro, de libré de gala, o esperava no seu break igualmente de gala. Simon o subprefeito, Simon «o Forte», saltou rapidamente para o carro, e logo em seguida saltou não menos rapidamente para o chão. Uma charrette tombada barrava o caminho.
Simon Sdimonyi, como homem experimentado, examinou a situação num golpe de vista. Ao lado da charrette voltada, a roda estava no chão. Um homem esforçava-se por a meter no seu lugar. Mas não o conseguia. Simon Simonyi não disse nem uma nem duas: dirigiu-se à charrete e, em trinta segundos, ficou ela assente nas suas quatro rodas. O condutor da charrete trepou para o seu lugar. Simonyi acenou-lhe e disse em tom jovial:
– A estrada está livre.
Do fundo da charrette alguém agradeceu em francês:
– Obrigado, meu caro senhor.
Só então Simon o acrobata olhou para o viajante. E teve um gesto de surpresa:
– Olha quem ele é: o Sr. Pugin!
Reconheceram-se. Coube, então, ao Sr. Pugin a vez de se regozijar.
– Que feliz acaso! Sou eu, de fato, Sr. Chimoni.
Pugin, o francês, era também uma celebridade: um homem elegante que há dez anos ensinava francês, de castelo em castelo, aos húngaros da Alta Hungria. Vinha precisamente de Neczpal, no condado de Turova, onde fora durante dois anos hóspede e professor de francês dos Justh, no seu famoso castelo duplo. Aqui, neste castelo alegre e hospitaleiro, Simon Simonyi e Leon Pugin tinham-se divertido juntos, diversas vezes.
– Eu vou a Peste, Sr. Chimoni – acrescentou ele. – E o senhor?
– Eu vou festejar o aniversário de um amigo. Faria bem em me acompanhar
– E quando regressaríamos?
– Quando tivéssemos cozido a nossa embriaguez. Além disso, o senhor encontra Peste sempre que queira, ao passo que só há no ano um dia de S. Guilherme.
Pugin refletiu. Mas nem a oferta sedutora nem a reflexão foram perdidas, tanto a oferta era vaga quanto sedutora e prometedora de distrações. Nesta época, a juventude não ia ao castelo para dormir, mas para se recrear. Não se ouvia apenas ressoar o pandeiro dos guizos de zíngaro mas também as esporas. E nem um nem as outras convidavam a dormir, mas a folgar. Pugin acabou por saltar para o break de Simonyi. Nem perguntou onde o levava nem onde se festejava S. Guilherme. O que era bom para Simonyi não podia ser mau para Pugin. Uma hora depois, apeavam-se em Ivanka, em casa de Guilherme Toth.
A festa em Ivanka durou muito tempo para o cadete de Friburgo. Pugin passou perto de dez anos em Ivanka. Ensinou francês a Guilherme Toth, a sua mulher e aos seus três lindos filhos e, mais tarde, aos três netos, os três lindos rapazes de Turocz.
Nesse tempo as velhas terras nobiliárias húngaras estavam ainda integralmente nas mãos dos húngaros, como todas as virtudes e todo o encanto ancestral dos castelos. Graças à sua hospitalidade serena e amável, o estrangeiro tinha logo nos primeiros momentos a impressão de que estava em sua casa. Guilherme Toth, que foi mais tarde ministro do Interior, depois presidente do Tribunal de Contas e, enfim, membro da câmara dos Magnates; que foi o braço direito e o íntimo de Francisco Deak, era, então, apenas o jovem deputado pelo círculo de Nyitra, na Dieta húngara, mas, na opinião pública, o herdeiro e a esperança de uma carreira fulgurante. Sua mulher, uma Kossovich, era o encanto e o espírito personificado.
O nosso amigo francês, o honrado Pugin, o cadete de Friburgo, era uma individualidade ainda mais complicada, quanto mais não fosse, pelo seu passado movimentado. Batizámo-lo de «cadetezinho de Friburgo», porque o romance tumultuoso da sua existência principiara nesta qualidade e neste sentido, pois ele começara a vida na escola de cadetes, em Friburgo. Nascido na Suíça francesa, aos doze anos era já cadete da escola de Friburgo. Era já, nessa época, um aluno atleta: a sua bela cabeça de leão coroava um corpo vigoroso. A cidade de Friburgo estava então envolvida na guerra civil. A população revoltada cercara a fortaleza onde tinham instalado a escola, e nesta encontrava-se o cadetezinho de Friburgo, Leon Pugin. Foi ele que, uma noite, descobrindo que os insurretos preparavam um assalto, deu o alarme. Avisou a guarda, e toda a escola militar, com seu pessoal e a tropa, repeliu vitoriosamente a investida dos assaltantes. É claro que o nosso cadetezinho de Friburgo tomou parte neste combate noturno, e portou-se heroicamente.
Após a batalha, o comandante da praça ofereceu-lhe uma espingarda de honra, a título de distinção, de recompensa e de recordação de um irmão de armas.
O cadetezinho de Friburgo tomara parte no combate apenas para satisfazer a sua ânsia de aventuras. Fugiu depois da escola de cadetes. Foi parar à Polónia russa e viu-se envolvido numa aventura espantosa, na corte de não sei que espécie de grã-duquesa russa, na sua qualidade de professor de francês. O grão-duque era um autêntico grão-duque de opereta: ciumento e brutal. Mandava guardar por cossacos a sua mulher, uma polaca nova e linda.
A bela infortunada detestava naturalmente seu amo e senhor. O nosso cadetezinho, de coração muito inflamável, tornara-se um lindo rapaz, e o elegante mestre de francês, mestre não só na linguagem como na sedução. Não havia ninguém como ele para saber contar uma anedota. Acompanhava, com os gestos e uma fogosa mímica, as suas narrações variadas, e exercia um encanto mágico sobre a sua bela auditora, educada no ambiente das formas glaciais do cerimonial aristocrático.
O romance complica-se. O grão-duque não está em casa. É meia-noite. Tudo dorme. Os dois cossacos, guardas da fé conjugal na antecâmara da grã-duquesa, dormem também. No corredor tenebroso, alguém desliza a passo de lobo para o quarto da bela prisioneira. Com precaução, passa por cima do corpo dos cossacos adormecidos. E depois… Traição!... Como numa opereta… Os traidores caem sobre os amorosos, no momento em que eles menos esperavam. Em recordação deste perigo mortal, a mulher meteu um anel no dedo do cavalheiresco francês. E o cavalheiresco francês atirou-se cavalheirescamente de uma janela. Foi direito a casa do pope da aldeia. Era o único homem que tinha um cavalo. Deu-lho para ele fugir. O outro dirigiu-se para a floresta. Através de montes e vales, saltou fossos e toda a espécie de obstáculos, sem mesmo saber o que fazia. No seu encalço, cercando-o de perto, os cossacos lançaram-se em sua perseguição… Esfomeado, transtornado, esgotado, com o fato em farrapos, depois de dias sem repouso e de noites sem dormir, chegou a território húngaro. E foi só em Neczpal, no condado de Turocz, que ele pode finalmente descansar e recomeçar uma vida digna de um homem.
Nos dias de tranquilidade que depois teve, gostava de contar as suas atribulações e aventuras, muitas vezes num tom de satisfação e de alegria, ao mesmo tempo subtil e sonhador. Mas às vezes entusiasmava-se com a narrativa. Soltava profundos suspiros e sacudia a sua bela cabeça de leão, principalmente se lhe sucedia falar com a grã-duquesa.
– E o que é feito desse famoso anel? – Perguntei-lhe um dia.
O olhar de Pugin encheu-se de melancolia. Pareceu-me que, sobre a testa, lhe passavam nuvens.
– Ah, o anel? Ela tirou-mo…
– A grã-duquesa?
– Não. A primeira ribeira da Polónia que atravessei a vau… Deixei-o cair no Dunajec…
* Nasceu em 1860. Enquanto membro da Academia Petofi, foi um escritor de tendência acentuadfamente naturalista. Entre os seus melhores romances figuram Os Potentados da Aldeia, Sobre a Minha Terra e O Monte de Vidro.
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