Rosa Honrado Calado, GENTES QUE MARCAM A VIDA DA GENTE


 

GENTES QUE MARCAM A VIDA DA GENTE

Rosa Honrado Calado

(138 páginas)

Edições Colibri

Lisboa, 29 de maio de 2021


Não fosse a autora deste livro, Rosa Honrado Calado, formada em História, com diversas obras já publicadas neste universo temático e disciplinar, nomeadamente coautora de manuais escolares (História e Geografia de Portugal), ou, mais recentemente, de coautoria com Francisco Santana em Ponte Vasco da Gama (1996), e autora de Aos 100 Anos, História do Grémio de Instrução Liberal de Campo de Ourique (2010), facilmente estaríamos inclinados para classificar Gentes Que Marcam a Vida da Gente, como mais um künstlerroman – palavra alemã que significa “romance do artista” e se reporta a um tipo de narrativa que nos dá conta da vida e formação dum autor, ou autora, ou até duma personagem que se lhe assemelha desde a infância à maturidade –, ainda que na maioria destas obras se descreva a luta duma criança de temperamento artístico e delicado para se libertar da incompreensão da família, como das demais crianças de sua geração, e aqui se reflita antes a sua sensibilidade humanitária, consciência cívica e indignação pela injustiça social vigente nos últimos 20 anos do regime ditatorial salazarista/marcelista, incidente sobretudo no Baixo Alentejo, mas com especial relevo em Ferreira do Alentejo, onde o núcleo familiar se concentrava levando a bom porto o negócio da família: a Nova Pensão, estabelecimento de porta aberta inaugurado por seus avós paternos.

Todavia, seria quase indecoroso classificá-lo assim. E porquê? Porque Gentes Que Marcam a Vida da Gente, é uma memória pessoal mas também um documento histórico, elaborados com o aprimorado cuidado de quem cresceu a par do evoluir da sociedade e ambiente provinciano, que, pela frugalidade de meios, se manifestava deveras importante para a vida das pessoas que lhe estavam adstritas. E também porque esse crescer se podia identificar com outros cresceres noutras vilas alentejanas, das quais me estou a lembrar, por ter assistido a ele, por exemplo, de Alter do Chão, onde nem a Pensão Nova faltaria. Digamos que naquele tempo se crescia tal e qual em todas as vilas alentejanas, e o que marcava realmente a diferença eram as particularidades pessoais de algumas “gentes” que aí viviam. E Rosa Honrado Calado, filha única duma família que tinha rompido a pulso sobre a insuficiência geral, cujos pais, tios, tias, primas e primos, já marcavam a diferença, porque já iniciados politicamente, e com sensibilidade suficiente para interpretarem o status quo não como resultado da imutabilidade e determinação do destino, mas sim como reflexo duma ordem social construída e legislada, com vista a beneficiar a classe social que a edificara e cultivava com recurso à polícia, à política salarial e condições de trabalho, à propaganda e a um aparelho de Estado repressor e arbitrário, assistido por uma religiosidade pré-luterana, senão medieval, foi, grosso modo, uma privilegiada que não perdeu rumo por emburguesamento lisboeta, nem o vínculo às suas origens, e que ao invés o reforçou, quer pela formação conseguida, como pela participação e desempenho em todas as causas que abraçou, entre as quais se pode salientar o ser membro da Direção da Casa do Alentejo, situada na nossa capital, ou diretora executiva da Revista Alentejo, dá delas como de si, um testemunho que nos enobrece.

O que, diga-se a propósito, é um motivo mais que suficiente para atentar na sua leitura.


Joaquim Maria Castanho

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