A SARDANISCA

No granítico muro que delimita o canteiro
Das rosas mais mal afamadas da minha aldeia
Costuma estender-se ao comprido do dia soalheiro
Uma lagartixa sarapintada, por sinal nada feia.


Dá-me até a entender, pela sua atitude pensativa
Que medita em êxtase profundo
Sobre os pecados do mundo.


Ou então que me escuta sem cerimónia restritiva
Enquanto declamo por supetão
Alguma estrofe mais exclamativa.


Sendo como é, infiel aos suplícios da estética,
Da rima com rima em forma atlética,
Sucede-lhe por vezes, porém, inclinar a cabeça
Logo que no recital tropece ou a voz da emoção
Me estremeça.


Atenta, arisca, feminil
Esta réptil figura tem ainda
Aquele retoque especial e primaveril
Que São Martinho ao Outono ensina.


Tem trejeitos inteligentes de gente animada
E, se se coça por mor de alguma areia
Palhiço ou delével teia,
Como quem se enfeita ensimesmada
Mirando-se provavelmente em imaginários vitrais,
Quase parece uma tal outra qu’eu conheço
Cujo nomear tão-pouco mereço
E que mora noutros quintais.


Nas tuas faces jovens e malandrecas
Que quando sorriem são traquinas
Matreiras, ladinas
Mas se serenas... imitam a cera das bonecas.

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