Até aos Intés da Alma (que nos contempla)
Tanto Gigélia Hirondina, quer eu, não havíamos planeado qualquer encontro. Demais a mais, estávamos nas férias do Natal. E, se durante as aulas era uma constante sem compromisso o vermo-nos (e ouvirmo-nos), em Casal Parado, ou nos transportes públicos, quando regressávamos no autocarro da Câmara Municipal que presta serviço à cultura e transbordo de estudantes no concelho, naquela manhã de Dezembro, que nem parecia do recém-nascido Inverno, dado o tempo primaveril que se fazia sentir, nenhum de nós pressentia ou sequer imaginava que iríamos ver-nos, assim, frente a frente, com um daqueles sorrisos felizes que tudo prometem e oferecem dobrado com expoente dez: mas foi o que sucedeu. Às onze horas, exactamente onze horas, sem mais coisa, menos coisa, e ninguém na rua que pudesse reparar em nós.
Saído da Av. dos Serafins, eu descia a Rua da Igreja, que ela subia, de saco de plástico amarelo do supermercado com mercearias, produtos alimentares em conserva ou outros empacotados para igual fim, na mão esquerda, enquanto com a destra, polegar e indicador em pinça, puxava e esticava a pastilha elástica cuja extremidade prendia com os dentes. Antes de nos cruzarmos, parámo-nos, estancámo-nos, a dois palmos de distância, defronte para a porta lateral da igreja, que por sinal se encontrava aberta, mas de onde não soava qualquer ruído ou vestígios de presença humana (ou sequer divina, não obstante a proximidade do local de culto que emprestava o seu nome à rua). Cuspiu a pastilha, deixando-a pendular por instantes, e jogou-a para o meio da rua com um piparote. Sorrimos. A presença dela preenchia-me duma vitalidade surpreendentemente excelsa em sensualidade e confiança. Mas a ela, bastante mais nova do que eu, pois fizera dezasseis anos no 14 de Novembro p.p., data de elevado expoente cabalístico – 14.11.2016 –, enquanto eu navegava já pelos trinta de cavado alto mar, a minha aparição desencadeara outros sintomas (fraqueza nas pernas, esvaimento, perda de equilíbrio, tropeçar nas falas, necessidade impulsiva e imperiosa de me tocar, salivar constante, intenso suar de mãos e tremura nos gestos), pese embora que a doença fosse a mesma.
E porque estava linda, disse-lho, enquanto em simultâneo recitava no íntimo, com palavras mudas, o poema A CERTEZA DO AMOR, espécie de oração em verso que nunca deve ser dito, nem recitado, na presença de terceiros, posto que a voz alta lhe mata e retira todos os sortilégios:
“ Tu não precisas de mim
Nem eu preciso de ti.
Eu não sou a tua aspirina
Nem tu és a minha.
Tu não existes para me absolver das culpas,
Nem eu para resolver os teus problemas.
Nenhum de nós é a poção mágica
Soluto eficaz para as mágoas
Ou satisfação das necessidades do outro.
Nem das carências. Ou da solidão.
Tampouco ao equilíbrio ou a auto-estima.
Mas quando falamos de tesão,
Autêntica, de explodir até ao fim do mundo,
Então, tudo se complica;
E aí, penso,
Ninguém ma dá como tu.”
«Estás maravilhosa, Gigélia. Deslumbrante. Arrebatadora!...» O que simplesmente era a verdade. Pura, diga-se. E incontestável.
Por consequência, reanimou o riso, estendendo-me a mão livre, que tomei entre as minhas e beijei, a fim de melhor sentir o sedoso morno de sua pele clara. E o que lhe dissera alcançara o peso do universo, numa irrefutável evidência – aliás óbvia, pois nunca menti a qualquer mulher ou rapariga, mesmo àquelas que se têm em cota de baixa consideração e auto-estima, ou na opinião, quer própria, quer pública, arbitrariamente se acham pouco atraentes e até feias; porque sempre disse o que sentia ao senti-lo e sob o efeito directo desse sentimento, que é a ternura que cada uma me inspirou. Foi alvo e veículo. E transmitiu. E irradiou.
Nisto ouvimos um "rugido Famel" de motor de motorizada a trabalhar, que, traduzido em esforço e aceleração, tudo indicava vir a subir na nossa direcção, proveniente da Estrada do Cemitério. Só que antes de ela aparecer na curva que antecede o cruzamento, já nós tínhamos entrado na igreja. Quando passou à porta, estávamos-lhe dentro e por detrás, juntinhos, acariciando-nos mutua e lentamente, os dedos a viajar esquecidos entre poros e polpas, embora a ânsia de nos tocarmos crescesse na multiplicada provocação do desespero. Para lá da porta ficaram todas as inibições que nos haviam contido, e mantido afastados durante os anteriores dois meses e meio de aulas, em que fôramos construindo o suplício da atracção: a diferença de idade e de estatuto, a moral, o pressuposto social, o respeito pela família, o medo das adivinhações e pensamentos alheios, ou os desencontros de horário. Mas ali éramos apenas os dois e Deus – que nem convocado fora, ou de presença líquida; e nada além tinha importância ou contava para nós, excepto nós mesmos, na parte de cada um por cada qual.
Afastámo-nos sensivelmente. Apenas o suficiente para nos contemplarmos. Mutuamente gulosos. Os olhos de Gigélia eram o mundo todo numa versão de “Para Sempre”, à Vergílio, timbrado de verde-escuro (garrafa) com salpicos castanhos. Podia-se viajar neles como à tona de um sonho. Estendermo-nos, alongarmo-nos no veludo cromático de um tapete oriental. Quis que ela o soubesse. Portanto, beijei-a nas pálpebras achocolatadas de málvica macieza. Suspirou. Num exílio profundo, a emergir lá dos recônditos esquifes e enseadas onde o sangue batia ritmado, em pulsar libertador, depois da sobressaltada atitude que havíamos tomado, da intensidade da intenção condimentada pelo pulsar da expectativa.
Descansámos de nós. Éramos cavalos demasiado selvagens para nos submetermos às rédeas comuns, mas frágeis, dos preconceitos e falsos moralismos. Alheios à hipocrisia do pudor e do pecado. Aliás, resolvidos, pelo salto instantâneo e inconsciente dos degraus que dão acesso ao local de culto, numa dobragem das tormentas pelo acabar dos limites.
E exactamente ali decidimos que tínhamos todo o tempo (e solidão) do cosmos, mais que bastos, e suficientes, para deixarmos fluir a vida dentro de nós à procura de si própria. Somos-lhe a estratégia superlativa, perfeita e completa, e complexa, sem sombra de método, indubitavelmente. Pelo menos tanto quanto o foram os nossos progenitores. E essa era uma certeza que conquistávamos por cada minuto somado ao desejo em ebulição. Pronto à erupção, ao eclodir. Sem pejo, nem sobressalto.
Os anéis castanhos laivados a ouro dos cabelos, desciam-lhe ao pescoço, emoldurando as faces róseas, os olhos oblíquos, o pequeno nariz de ponta arrebitada, os lábios de desenho assimétrico, mas carnudos ambos, de viva, polposa e cárnea cor. Estava celestial e magnífica, sem esquecer quanto da sorridente alvura de convergir no para lá do lá dos secretos mistérios do corpo que a alma não hesita em seguir e continuar, lhe emprestava um áureo esplendor (brilho), na luminosidade vítrea que emanava, da luz, muito mais do que dela recebia. A consciência bárbara de um céltico culto, na ritual profanação dos rígidos moldes dessa mais recente ancestralidade, a moral familiar cristã, sem nada de enigmático e imaculado das figuras medievais, mas o corpo em plenitude, que é a massa de que é feito tudo quanto é deveras sagrado, e audaz se insurge contra os limites, conquistando novos significados.
Depois daquela fuga para dentro, vagueámos na igreja, mãos dadas, o saco amarelo abandonado no desvão da porta. E vimos sem ver os quadros em cópia barata de obras famosas, a talha dourada do altar, as vestes exóticas das imagens, representando mulheres e homens canonizados, em celebração da misoginia, os cortinados de veludo grená pesados e opulentos, em seu ondulado de ostentação, numa retenção de desafio, de medida, de procura, ao quanto éramos capazes de esperar. De prolongar o instante, de estender o tempo, fazer dele um naco de matéria tão elástico e moldável como o barro de nossos corpos. Argila de conseguir figuras ao custo da esperança, qual hipoteca do aqui e agora, num vasto painel suportado pela certeza de que seria assim que enfrentaríamos a eternidade se acaso fôssemos a ela condenados. Porque a eternidade é a única tragédia a que o ser humano ainda não está sujeito, sendo nos filhos que descarregou o fardo desse anseio, numa garantia de perenizar a vida sem o oneroso tributo da libertação ao medo da morte.
Perante o encargo, ajoelhámos ambos sob o altar. Mas não para rezar ou proferir preces; tampouco no lado a lado de quem espera uma benção. Frente a frente, contemplando-nos em adoração secreta, apenas denunciada pelo olhar que irrequietamente insistia em sorrir, em procurar-se, em tocar-se através de feixes intencionalmente imateriais.
Por fora, o trânsito, esporadicamente vinha lembrar-nos que o mundo não acabava ali, onde começávamos e terminávamos, num todo completo pelos géneros do cosmos. Mas éramos indiferentes à lembrança, não lhe reconhecendo valor além do de um ruído de fundo, incómodo, em frequência mal sintonizada. Porque, como sabemos, a abstracção não é abstracta. Nunca o foi, nem nunca o poderá vir a ser. É uma presença que insiste para lá da irrealidade (física), a consumar a indiferença ao momento, tripudiando do instante precisamente como ele o faz, na fotografia, ao movimento.
Foi então que ouvimos passos próximos da porta por onde entráramos. Mas, em vez de nos levantarmos, ou aprestarmo-nos a sair do local onde nos encontrávamos, baixámo-nos, protegendo-nos com a mesa atoalhada dos ofícios, escondendo-nos e tornando-nos invisíveis para quem entrasse. Era a serviçal da limpeza, a mulher do sacristão, talvez, a chocalhar as chaves no bolso da bata preta, que, depois de levantar o balde com a esfregona à porta da sacristia, saiu levando-o e fechando a dita de seguida com duas voltas da chave, que nos soaram ao coração como um engrenado resfolgar libertador. Descontraímo-nos. Ficáramos trancados dentro, o que ao contrário de nos aprisionar, antes nos libertou ainda mais do mundo exterior, e do receio de sermos ali surpreendidos. Nada nos impediria assim de concretizarmos em acto, o que anteriormente apenas tínhamos concebido em fantasia e imaginação. Até àquele dia... Que importa o espaço que o corpo de cada um habita, se é à alma que compete a totalidade na expressão irredutível da plenitude? Do fortalecimento do ser? Da execução do divino? Do prazer de profanar os limites? De os romper e reduzir à sua infinita mediocridade?...
Gigélia Hirondina era arrebatadora em seu despertar para o iniciático universo do corpo, que se usufrui, tanto quanto maior for a sua capacidade de entrega. As pernas longas, afastadas, o dorso em arco de desferir solicitude, os pulsos sustendo-me as ancas, as mãos vincadas nas nádegas atraindo-me, os braços flectidos de imprimir-me em si mesma, o ventre procurando-me cego, mas imperioso. A boca sofreguindo-me o pescoço, o queixo; a boca cuja língua soletrava seu hálito de sede e tumescência, repleta de contradição e dissolvência, em frescura morna de uma realidade só comparável ao sonho das polpas exóticas, quando se nos desfazem no palato em sua degustação (atenta e aturada).
A tarde iniciava a cumprir-se. Ao sol que fora subindo ao cume do zénite, não tardaria a aliviar o esforço e começar a descida, qual roda de fogo em marcha travada sobre a linha imaginária do horizonte, procurando seu nadir de reclusão. Mas não sem que antes lançasse os seus raios multicolores sobre a penumbra do altar, através do vidro recortado do vitral na janela gótica da arcada, lá no alto onde ninguém encostaria os cotovelos por ter sido feita como um celestial varandim, onde somente seria permitido descansar o olhar. O que, para quem se sabe não ser o “único a olhar o céu”, estas palavras têm muito mais plenitude e sentido que simples e soletrados sons.
Sabíamos que a qualquer momento podia voltar a mulher da limpeza, mas nem assim receámos o quer que fosse, desde o sermos surpreendidos à falta de tempo. O importante é que estávamos juntos, unidos por uma força invisível e omnipotente que nos atraía cada vez mais e mais e mais para perto de nós, e obrigava a que nos tocássemos mutuamente, ao procurarmos em nós o outro lado de nós, a certeza sem esperança, nem hipotecas de tempo e de vida; que é na ausência das suas noções e consciências que se consolidam. É quando menos notamos a sua existência que ele mais rápido passa, o tempo (e ela, a vida). É a sua intensidade que no-la devolve em inconsciência. E ousadia. Que, enfim, a torna tanto mais fugaz, quanto maior nela é essa/sua audácia.
Esquecermo-nos dele era esquecermo-nos de nós; no entanto, a cada segundo que passava, contabilizado pela pele que se toca e percorre, era transformado, por uma multiplicação do desejo, na aspiração de outro segundo e ao dobro da mesma cútis. E a de Gigélia Hirondina é seda morna, macia e quente, rósea fermente de pronunciar êxtase e liberdade. Quem domina o grito que nos esvai? Quem o sabe proferir? Quem pode dizer que o veludo olímpico não tenha sido copiado da sua glória e textura? Quem?
Sob a ganga das calças sinto-lhe as pernas secas, mas esguias, musculadas, compridas, resistentes, e as nádegas firmes, de bochechas alçadas, a afastarem-se ao contacto das minhas mãos, autorizando aos dedos o aflorarem o seu Vale do Nilo, do ânus à púbis. O seu gesto é de entrega, mas as suas mãos procuram em mim o conforto da posse que nunca antes havia desfrutado. Enquanto que com a esquerda me percorre o dorso, comprimindo-me, atraindo-me para si, a direita arrebata-me o sexo repleto e pulsante, fulguroso porém contido e congestionado, que o aperto da ganga não conseguia desmoralizar. É de buscar-mo que o toma, primeiro tacteante e indecisa, mas ganhando pouco a pouco confiança, subtileza, sofreguidão e carícia.
Afasto-me dela, desabotoo as calças – raramente uso cuecas, que me enguiçam os apetites e apetrechos!... – e permito que ela tenha uma visão geral do órgão em que toca, testículos, pintelhos e ancas, e saiba como se afina, ou o que as carícias nele provocam e em mim.
«É tão feérico e irascível...», murmura ela, desmentindo as minhas suspeitas quanto à sua fraca funcionalidade e pequenez, evidenciando o temor (infundado), com que a inexperiência costuma sobrecarregar o fardo das comparações.
Digo-lhe que não, que é simplesmente a percepção primária que provoca essa sensação. Que foi o facto de o não ter visto em pequeno, flácido, ou de não ter assistido ao seu tumescimento e maioridade, mas sim de o confrontar logo entesado pela primeira vez que o contacta e vê, que lhe inspira essa impressão. Que nada receie, conforto-a. Na sua mão a derme é macia, dedos curtos, unhas rentes e palma de gomos cheios. Beijo-a sôfrego, ainda mais intensamente na boca, nas faces, por detrás das orelhas, no pescoço, nos ombros de que lhe arredo a camisa de flanela, ao desabotoar-lha. No peito, entre os seios cónicos, de mamilos medalhudos achocolatados a culminarem nas pontas polposas, bicos fremitantes, a que, entrementes lhe sugo o esquerdo massajo igualmente o direito, com os pomos dos dedos húmidos de saliva recente, e vice-versa. Gigélia dobra-se para trás, desfraldando a camisa axadrezada, e desabotoando as calças, correndo ela própria o fecho éclair. Não usa soutien-gorge, mas tem postas umas cuequinhas brancas de algodão fofo, que reconfortam o tacto só de vê-las, como macios são também os encaracolados dourado-escuro dos pêlos púbicos. Desço-lhas, acariciando-a entrepernas, meigamente, demorada e calmamente, entreabrindo-lhe os lábios exteriores, friccionando-lhe o clitóris curto e insignificante, com a mão livre, enquanto com a língua lhe percorro, em círculos, numa espiral, o abdómen desde o umbigo. Ergo-me e puxo-a comigo, para cima, sentando-a sobre a toalha rendada da mesa dos ofícios, com as coxas afastadas, as calças a descerem-lhe até aos tornozelos.
Desembaraço-a delas, e dos sapatos de ténis, ajoelhando-me sobre elas, afagando e beijando-lhe as pernas, que ela abre sobremaneira, libertas que foram da ganga das jeans. No vale de entre as coxas eleva-se-lhe a púbis, em papo de rola, qual grande plano de relevo cumeado por cordilheira dorsal no emaranhado de cabelinhos castanho-claro, encaracolados e sedosos, a que colo a boca, apartando-lhe os lábios com os meus lábios, e deixando a língua aveludar-se-lhe entre, saboreando o amariscado doce da sua liquefacção, ir ao clitóris e voltar, reiniciar o mesmo ciclo de gestos e retornar, numa cadeia repetitiva de constâncias. E imperiosidades. Com Gigélia a pousar-me ambas as mãos sobre a cabeça, os dedos riscando despenteados, comprimindo-me sempre mais entre as coxas que se lhe retesam, enleando-me, aprisionando-me nelas. As minhas percorrem-lhe o dorso, as costas, num abraço complicado. E mantenho a língua numa lambidela rítmica, até senti-la estremecer em subtis orgasmos, embora que concludentes, evidenciando estar para prestes o tsumanis espasmódico da libertação.
Então, faço-a descer da mesa e ajoelhar-se entre mim e ela, de costas voltadas. Suas nádegas alçadas, equinas, abertas, procuram-me o sexo, anichando-se-lhe em redor. E assim, em perigosa contenção, afasto-lhe ainda mais as pernas e deixo que o pénis endurecido avance até à vagina, que lhe rodeia a glande e ela massaja convictamente com mãos ansiosas. Quanto a mim refreio as pressas e acaricio-lhe os seios, simultaneamente a beijo por baixo da nuca, coluna vertebral e ombros, até ela começar a contorcer-se, em convulsões espasmódicas, intentando cravar-se-me no sexo, o ânus acariciado pelos meus pêlos encarapinhados. Eléctricos. E inesperada e surpreendetentemente úteis.
Noto que nem eu, nem ela, poderemos manter-nos sem que algo deveras importante aconteça. Saco a toalha rendada da mesa para o chão, Gigélia posta-se fronte de mim, deitando-se de costas sobre ela, e só então a penetro, primeiro apenas com a glande, mas depois longa, demorada e profundamente. Os olhos cerram-se-lhe, e as pernas encerram-me, atraindo-me e prendendo-me a si. Não há saudade nem distância que nos façam reflectir a irreversibilidade do caminho. Chegou a hora de procurar o fim do mundo, para nos despenharmos e precipitarmos nele. E quando finalmente desperto duma explosão cósmica em que a arrastei comigo, ela sorriu-me, num esgar de plenitude e alegria como nunca antes lhe tinha visto. Beijámo-nos novamente, e ela virou-se de repente, pondo-se de costas para mim, deitando-se ao comprido de barriga para baixo, mas de traseiro levemente erguido, enquanto com as duas mãos afastava as nádegas, descobrindo o ânus.
«Rasga-me. Magoa-me bem. Até ao fundo», pediu ela. No que se repetiu, implorando.
Obedeci-lhe como se fosse apenas corpo, fazendo-a gemer de dor e o tronco em convulsões de choro.
Violava-a. Mais pela violência do pedido, do que pelo comprometimento do acto. Então compreendi que se sacrificava, que se imolava, como se se quisesse punir pelo prazer que havia auferido anteriormente. Quando terminei, numa ejaculação esforçada e agressiva, beijei-lhe os olhos e bebi-lhe as lágrimas, sem que pronunciássemos qualquer palavra. O sol punha-se, e já mal nos víamos na penumbra crepuscular.
Procurámos, na sacristia, uma janela que fosse suficientemente baixa para podermos saltar sem nos aleijarmos, depois de nos vestirmos.
Saiu primeiro, e atirei-lhe o saco. Saltei em seguida e despedimo-nos, na rua, como se nos tivéssemos acabado de encontrar vindos dos mandados, ao cruzamento das ruas (a da Igreja com a de S. Vicente) com a Estrada do Cemitério, num simples e mútuo
«Inté!...»
seguindo cada um seu rumo, sem uma promessa, sem um contrato, sem nenhuma obrigação de nos voltarmos a ver, ou sentir que devíamos manifestar esse querer embora não estivesse previsto.
Entre outras, era ao futuro que competia essa estipulação, se é que ele existe ou existirá, qual amanhã que se faz ontem... E à vida, que é quem mais manda e impera nestas andanças, que se não lhe são próprias e exclusivas, é somente porque o diabo se mete de permeio. Por incomuns que nos pareçam... Sobretudo porque em Casal Parado o quotidiano é tão imóvel, atarraxado, tão estagnado e pantanoso, que a criação o tem por caldo próprio, onde tudo pode acontecer, desde que ao momento seja dado estar atento, espiando a oportunidade que o procura, e que, enfim, foi quanto nessa tarde apenas sucedeu!
Saído da Av. dos Serafins, eu descia a Rua da Igreja, que ela subia, de saco de plástico amarelo do supermercado com mercearias, produtos alimentares em conserva ou outros empacotados para igual fim, na mão esquerda, enquanto com a destra, polegar e indicador em pinça, puxava e esticava a pastilha elástica cuja extremidade prendia com os dentes. Antes de nos cruzarmos, parámo-nos, estancámo-nos, a dois palmos de distância, defronte para a porta lateral da igreja, que por sinal se encontrava aberta, mas de onde não soava qualquer ruído ou vestígios de presença humana (ou sequer divina, não obstante a proximidade do local de culto que emprestava o seu nome à rua). Cuspiu a pastilha, deixando-a pendular por instantes, e jogou-a para o meio da rua com um piparote. Sorrimos. A presença dela preenchia-me duma vitalidade surpreendentemente excelsa em sensualidade e confiança. Mas a ela, bastante mais nova do que eu, pois fizera dezasseis anos no 14 de Novembro p.p., data de elevado expoente cabalístico – 14.11.2016 –, enquanto eu navegava já pelos trinta de cavado alto mar, a minha aparição desencadeara outros sintomas (fraqueza nas pernas, esvaimento, perda de equilíbrio, tropeçar nas falas, necessidade impulsiva e imperiosa de me tocar, salivar constante, intenso suar de mãos e tremura nos gestos), pese embora que a doença fosse a mesma.
E porque estava linda, disse-lho, enquanto em simultâneo recitava no íntimo, com palavras mudas, o poema A CERTEZA DO AMOR, espécie de oração em verso que nunca deve ser dito, nem recitado, na presença de terceiros, posto que a voz alta lhe mata e retira todos os sortilégios:
“ Tu não precisas de mim
Nem eu preciso de ti.
Eu não sou a tua aspirina
Nem tu és a minha.
Tu não existes para me absolver das culpas,
Nem eu para resolver os teus problemas.
Nenhum de nós é a poção mágica
Soluto eficaz para as mágoas
Ou satisfação das necessidades do outro.
Nem das carências. Ou da solidão.
Tampouco ao equilíbrio ou a auto-estima.
Mas quando falamos de tesão,
Autêntica, de explodir até ao fim do mundo,
Então, tudo se complica;
E aí, penso,
Ninguém ma dá como tu.”
«Estás maravilhosa, Gigélia. Deslumbrante. Arrebatadora!...» O que simplesmente era a verdade. Pura, diga-se. E incontestável.
Por consequência, reanimou o riso, estendendo-me a mão livre, que tomei entre as minhas e beijei, a fim de melhor sentir o sedoso morno de sua pele clara. E o que lhe dissera alcançara o peso do universo, numa irrefutável evidência – aliás óbvia, pois nunca menti a qualquer mulher ou rapariga, mesmo àquelas que se têm em cota de baixa consideração e auto-estima, ou na opinião, quer própria, quer pública, arbitrariamente se acham pouco atraentes e até feias; porque sempre disse o que sentia ao senti-lo e sob o efeito directo desse sentimento, que é a ternura que cada uma me inspirou. Foi alvo e veículo. E transmitiu. E irradiou.
Nisto ouvimos um "rugido Famel" de motor de motorizada a trabalhar, que, traduzido em esforço e aceleração, tudo indicava vir a subir na nossa direcção, proveniente da Estrada do Cemitério. Só que antes de ela aparecer na curva que antecede o cruzamento, já nós tínhamos entrado na igreja. Quando passou à porta, estávamos-lhe dentro e por detrás, juntinhos, acariciando-nos mutua e lentamente, os dedos a viajar esquecidos entre poros e polpas, embora a ânsia de nos tocarmos crescesse na multiplicada provocação do desespero. Para lá da porta ficaram todas as inibições que nos haviam contido, e mantido afastados durante os anteriores dois meses e meio de aulas, em que fôramos construindo o suplício da atracção: a diferença de idade e de estatuto, a moral, o pressuposto social, o respeito pela família, o medo das adivinhações e pensamentos alheios, ou os desencontros de horário. Mas ali éramos apenas os dois e Deus – que nem convocado fora, ou de presença líquida; e nada além tinha importância ou contava para nós, excepto nós mesmos, na parte de cada um por cada qual.
Afastámo-nos sensivelmente. Apenas o suficiente para nos contemplarmos. Mutuamente gulosos. Os olhos de Gigélia eram o mundo todo numa versão de “Para Sempre”, à Vergílio, timbrado de verde-escuro (garrafa) com salpicos castanhos. Podia-se viajar neles como à tona de um sonho. Estendermo-nos, alongarmo-nos no veludo cromático de um tapete oriental. Quis que ela o soubesse. Portanto, beijei-a nas pálpebras achocolatadas de málvica macieza. Suspirou. Num exílio profundo, a emergir lá dos recônditos esquifes e enseadas onde o sangue batia ritmado, em pulsar libertador, depois da sobressaltada atitude que havíamos tomado, da intensidade da intenção condimentada pelo pulsar da expectativa.
Descansámos de nós. Éramos cavalos demasiado selvagens para nos submetermos às rédeas comuns, mas frágeis, dos preconceitos e falsos moralismos. Alheios à hipocrisia do pudor e do pecado. Aliás, resolvidos, pelo salto instantâneo e inconsciente dos degraus que dão acesso ao local de culto, numa dobragem das tormentas pelo acabar dos limites.
E exactamente ali decidimos que tínhamos todo o tempo (e solidão) do cosmos, mais que bastos, e suficientes, para deixarmos fluir a vida dentro de nós à procura de si própria. Somos-lhe a estratégia superlativa, perfeita e completa, e complexa, sem sombra de método, indubitavelmente. Pelo menos tanto quanto o foram os nossos progenitores. E essa era uma certeza que conquistávamos por cada minuto somado ao desejo em ebulição. Pronto à erupção, ao eclodir. Sem pejo, nem sobressalto.
Os anéis castanhos laivados a ouro dos cabelos, desciam-lhe ao pescoço, emoldurando as faces róseas, os olhos oblíquos, o pequeno nariz de ponta arrebitada, os lábios de desenho assimétrico, mas carnudos ambos, de viva, polposa e cárnea cor. Estava celestial e magnífica, sem esquecer quanto da sorridente alvura de convergir no para lá do lá dos secretos mistérios do corpo que a alma não hesita em seguir e continuar, lhe emprestava um áureo esplendor (brilho), na luminosidade vítrea que emanava, da luz, muito mais do que dela recebia. A consciência bárbara de um céltico culto, na ritual profanação dos rígidos moldes dessa mais recente ancestralidade, a moral familiar cristã, sem nada de enigmático e imaculado das figuras medievais, mas o corpo em plenitude, que é a massa de que é feito tudo quanto é deveras sagrado, e audaz se insurge contra os limites, conquistando novos significados.
Depois daquela fuga para dentro, vagueámos na igreja, mãos dadas, o saco amarelo abandonado no desvão da porta. E vimos sem ver os quadros em cópia barata de obras famosas, a talha dourada do altar, as vestes exóticas das imagens, representando mulheres e homens canonizados, em celebração da misoginia, os cortinados de veludo grená pesados e opulentos, em seu ondulado de ostentação, numa retenção de desafio, de medida, de procura, ao quanto éramos capazes de esperar. De prolongar o instante, de estender o tempo, fazer dele um naco de matéria tão elástico e moldável como o barro de nossos corpos. Argila de conseguir figuras ao custo da esperança, qual hipoteca do aqui e agora, num vasto painel suportado pela certeza de que seria assim que enfrentaríamos a eternidade se acaso fôssemos a ela condenados. Porque a eternidade é a única tragédia a que o ser humano ainda não está sujeito, sendo nos filhos que descarregou o fardo desse anseio, numa garantia de perenizar a vida sem o oneroso tributo da libertação ao medo da morte.
Perante o encargo, ajoelhámos ambos sob o altar. Mas não para rezar ou proferir preces; tampouco no lado a lado de quem espera uma benção. Frente a frente, contemplando-nos em adoração secreta, apenas denunciada pelo olhar que irrequietamente insistia em sorrir, em procurar-se, em tocar-se através de feixes intencionalmente imateriais.
Por fora, o trânsito, esporadicamente vinha lembrar-nos que o mundo não acabava ali, onde começávamos e terminávamos, num todo completo pelos géneros do cosmos. Mas éramos indiferentes à lembrança, não lhe reconhecendo valor além do de um ruído de fundo, incómodo, em frequência mal sintonizada. Porque, como sabemos, a abstracção não é abstracta. Nunca o foi, nem nunca o poderá vir a ser. É uma presença que insiste para lá da irrealidade (física), a consumar a indiferença ao momento, tripudiando do instante precisamente como ele o faz, na fotografia, ao movimento.
Foi então que ouvimos passos próximos da porta por onde entráramos. Mas, em vez de nos levantarmos, ou aprestarmo-nos a sair do local onde nos encontrávamos, baixámo-nos, protegendo-nos com a mesa atoalhada dos ofícios, escondendo-nos e tornando-nos invisíveis para quem entrasse. Era a serviçal da limpeza, a mulher do sacristão, talvez, a chocalhar as chaves no bolso da bata preta, que, depois de levantar o balde com a esfregona à porta da sacristia, saiu levando-o e fechando a dita de seguida com duas voltas da chave, que nos soaram ao coração como um engrenado resfolgar libertador. Descontraímo-nos. Ficáramos trancados dentro, o que ao contrário de nos aprisionar, antes nos libertou ainda mais do mundo exterior, e do receio de sermos ali surpreendidos. Nada nos impediria assim de concretizarmos em acto, o que anteriormente apenas tínhamos concebido em fantasia e imaginação. Até àquele dia... Que importa o espaço que o corpo de cada um habita, se é à alma que compete a totalidade na expressão irredutível da plenitude? Do fortalecimento do ser? Da execução do divino? Do prazer de profanar os limites? De os romper e reduzir à sua infinita mediocridade?...
Gigélia Hirondina era arrebatadora em seu despertar para o iniciático universo do corpo, que se usufrui, tanto quanto maior for a sua capacidade de entrega. As pernas longas, afastadas, o dorso em arco de desferir solicitude, os pulsos sustendo-me as ancas, as mãos vincadas nas nádegas atraindo-me, os braços flectidos de imprimir-me em si mesma, o ventre procurando-me cego, mas imperioso. A boca sofreguindo-me o pescoço, o queixo; a boca cuja língua soletrava seu hálito de sede e tumescência, repleta de contradição e dissolvência, em frescura morna de uma realidade só comparável ao sonho das polpas exóticas, quando se nos desfazem no palato em sua degustação (atenta e aturada).
A tarde iniciava a cumprir-se. Ao sol que fora subindo ao cume do zénite, não tardaria a aliviar o esforço e começar a descida, qual roda de fogo em marcha travada sobre a linha imaginária do horizonte, procurando seu nadir de reclusão. Mas não sem que antes lançasse os seus raios multicolores sobre a penumbra do altar, através do vidro recortado do vitral na janela gótica da arcada, lá no alto onde ninguém encostaria os cotovelos por ter sido feita como um celestial varandim, onde somente seria permitido descansar o olhar. O que, para quem se sabe não ser o “único a olhar o céu”, estas palavras têm muito mais plenitude e sentido que simples e soletrados sons.
Sabíamos que a qualquer momento podia voltar a mulher da limpeza, mas nem assim receámos o quer que fosse, desde o sermos surpreendidos à falta de tempo. O importante é que estávamos juntos, unidos por uma força invisível e omnipotente que nos atraía cada vez mais e mais e mais para perto de nós, e obrigava a que nos tocássemos mutuamente, ao procurarmos em nós o outro lado de nós, a certeza sem esperança, nem hipotecas de tempo e de vida; que é na ausência das suas noções e consciências que se consolidam. É quando menos notamos a sua existência que ele mais rápido passa, o tempo (e ela, a vida). É a sua intensidade que no-la devolve em inconsciência. E ousadia. Que, enfim, a torna tanto mais fugaz, quanto maior nela é essa/sua audácia.
Esquecermo-nos dele era esquecermo-nos de nós; no entanto, a cada segundo que passava, contabilizado pela pele que se toca e percorre, era transformado, por uma multiplicação do desejo, na aspiração de outro segundo e ao dobro da mesma cútis. E a de Gigélia Hirondina é seda morna, macia e quente, rósea fermente de pronunciar êxtase e liberdade. Quem domina o grito que nos esvai? Quem o sabe proferir? Quem pode dizer que o veludo olímpico não tenha sido copiado da sua glória e textura? Quem?
Sob a ganga das calças sinto-lhe as pernas secas, mas esguias, musculadas, compridas, resistentes, e as nádegas firmes, de bochechas alçadas, a afastarem-se ao contacto das minhas mãos, autorizando aos dedos o aflorarem o seu Vale do Nilo, do ânus à púbis. O seu gesto é de entrega, mas as suas mãos procuram em mim o conforto da posse que nunca antes havia desfrutado. Enquanto que com a esquerda me percorre o dorso, comprimindo-me, atraindo-me para si, a direita arrebata-me o sexo repleto e pulsante, fulguroso porém contido e congestionado, que o aperto da ganga não conseguia desmoralizar. É de buscar-mo que o toma, primeiro tacteante e indecisa, mas ganhando pouco a pouco confiança, subtileza, sofreguidão e carícia.
Afasto-me dela, desabotoo as calças – raramente uso cuecas, que me enguiçam os apetites e apetrechos!... – e permito que ela tenha uma visão geral do órgão em que toca, testículos, pintelhos e ancas, e saiba como se afina, ou o que as carícias nele provocam e em mim.
«É tão feérico e irascível...», murmura ela, desmentindo as minhas suspeitas quanto à sua fraca funcionalidade e pequenez, evidenciando o temor (infundado), com que a inexperiência costuma sobrecarregar o fardo das comparações.
Digo-lhe que não, que é simplesmente a percepção primária que provoca essa sensação. Que foi o facto de o não ter visto em pequeno, flácido, ou de não ter assistido ao seu tumescimento e maioridade, mas sim de o confrontar logo entesado pela primeira vez que o contacta e vê, que lhe inspira essa impressão. Que nada receie, conforto-a. Na sua mão a derme é macia, dedos curtos, unhas rentes e palma de gomos cheios. Beijo-a sôfrego, ainda mais intensamente na boca, nas faces, por detrás das orelhas, no pescoço, nos ombros de que lhe arredo a camisa de flanela, ao desabotoar-lha. No peito, entre os seios cónicos, de mamilos medalhudos achocolatados a culminarem nas pontas polposas, bicos fremitantes, a que, entrementes lhe sugo o esquerdo massajo igualmente o direito, com os pomos dos dedos húmidos de saliva recente, e vice-versa. Gigélia dobra-se para trás, desfraldando a camisa axadrezada, e desabotoando as calças, correndo ela própria o fecho éclair. Não usa soutien-gorge, mas tem postas umas cuequinhas brancas de algodão fofo, que reconfortam o tacto só de vê-las, como macios são também os encaracolados dourado-escuro dos pêlos púbicos. Desço-lhas, acariciando-a entrepernas, meigamente, demorada e calmamente, entreabrindo-lhe os lábios exteriores, friccionando-lhe o clitóris curto e insignificante, com a mão livre, enquanto com a língua lhe percorro, em círculos, numa espiral, o abdómen desde o umbigo. Ergo-me e puxo-a comigo, para cima, sentando-a sobre a toalha rendada da mesa dos ofícios, com as coxas afastadas, as calças a descerem-lhe até aos tornozelos.
Desembaraço-a delas, e dos sapatos de ténis, ajoelhando-me sobre elas, afagando e beijando-lhe as pernas, que ela abre sobremaneira, libertas que foram da ganga das jeans. No vale de entre as coxas eleva-se-lhe a púbis, em papo de rola, qual grande plano de relevo cumeado por cordilheira dorsal no emaranhado de cabelinhos castanho-claro, encaracolados e sedosos, a que colo a boca, apartando-lhe os lábios com os meus lábios, e deixando a língua aveludar-se-lhe entre, saboreando o amariscado doce da sua liquefacção, ir ao clitóris e voltar, reiniciar o mesmo ciclo de gestos e retornar, numa cadeia repetitiva de constâncias. E imperiosidades. Com Gigélia a pousar-me ambas as mãos sobre a cabeça, os dedos riscando despenteados, comprimindo-me sempre mais entre as coxas que se lhe retesam, enleando-me, aprisionando-me nelas. As minhas percorrem-lhe o dorso, as costas, num abraço complicado. E mantenho a língua numa lambidela rítmica, até senti-la estremecer em subtis orgasmos, embora que concludentes, evidenciando estar para prestes o tsumanis espasmódico da libertação.
Então, faço-a descer da mesa e ajoelhar-se entre mim e ela, de costas voltadas. Suas nádegas alçadas, equinas, abertas, procuram-me o sexo, anichando-se-lhe em redor. E assim, em perigosa contenção, afasto-lhe ainda mais as pernas e deixo que o pénis endurecido avance até à vagina, que lhe rodeia a glande e ela massaja convictamente com mãos ansiosas. Quanto a mim refreio as pressas e acaricio-lhe os seios, simultaneamente a beijo por baixo da nuca, coluna vertebral e ombros, até ela começar a contorcer-se, em convulsões espasmódicas, intentando cravar-se-me no sexo, o ânus acariciado pelos meus pêlos encarapinhados. Eléctricos. E inesperada e surpreendetentemente úteis.
Noto que nem eu, nem ela, poderemos manter-nos sem que algo deveras importante aconteça. Saco a toalha rendada da mesa para o chão, Gigélia posta-se fronte de mim, deitando-se de costas sobre ela, e só então a penetro, primeiro apenas com a glande, mas depois longa, demorada e profundamente. Os olhos cerram-se-lhe, e as pernas encerram-me, atraindo-me e prendendo-me a si. Não há saudade nem distância que nos façam reflectir a irreversibilidade do caminho. Chegou a hora de procurar o fim do mundo, para nos despenharmos e precipitarmos nele. E quando finalmente desperto duma explosão cósmica em que a arrastei comigo, ela sorriu-me, num esgar de plenitude e alegria como nunca antes lhe tinha visto. Beijámo-nos novamente, e ela virou-se de repente, pondo-se de costas para mim, deitando-se ao comprido de barriga para baixo, mas de traseiro levemente erguido, enquanto com as duas mãos afastava as nádegas, descobrindo o ânus.
«Rasga-me. Magoa-me bem. Até ao fundo», pediu ela. No que se repetiu, implorando.
Obedeci-lhe como se fosse apenas corpo, fazendo-a gemer de dor e o tronco em convulsões de choro.
Violava-a. Mais pela violência do pedido, do que pelo comprometimento do acto. Então compreendi que se sacrificava, que se imolava, como se se quisesse punir pelo prazer que havia auferido anteriormente. Quando terminei, numa ejaculação esforçada e agressiva, beijei-lhe os olhos e bebi-lhe as lágrimas, sem que pronunciássemos qualquer palavra. O sol punha-se, e já mal nos víamos na penumbra crepuscular.
Procurámos, na sacristia, uma janela que fosse suficientemente baixa para podermos saltar sem nos aleijarmos, depois de nos vestirmos.
Saiu primeiro, e atirei-lhe o saco. Saltei em seguida e despedimo-nos, na rua, como se nos tivéssemos acabado de encontrar vindos dos mandados, ao cruzamento das ruas (a da Igreja com a de S. Vicente) com a Estrada do Cemitério, num simples e mútuo
«Inté!...»
seguindo cada um seu rumo, sem uma promessa, sem um contrato, sem nenhuma obrigação de nos voltarmos a ver, ou sentir que devíamos manifestar esse querer embora não estivesse previsto.
Entre outras, era ao futuro que competia essa estipulação, se é que ele existe ou existirá, qual amanhã que se faz ontem... E à vida, que é quem mais manda e impera nestas andanças, que se não lhe são próprias e exclusivas, é somente porque o diabo se mete de permeio. Por incomuns que nos pareçam... Sobretudo porque em Casal Parado o quotidiano é tão imóvel, atarraxado, tão estagnado e pantanoso, que a criação o tem por caldo próprio, onde tudo pode acontecer, desde que ao momento seja dado estar atento, espiando a oportunidade que o procura, e que, enfim, foi quanto nessa tarde apenas sucedeu!
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