Torcer o Rabo à Porca

A bem da nação, os deputados aprovaram, ontem, sexta-feira 12.03.2010, recorrendo à abstenção, o catecismo da actividade governamental até à próxima rectificação orçamental, adiando-a mas não evitando-a, que ninguém lhe paga para fazerem aquilo que podem e unicamente quanto querem, garantindo mais um ano sem fumeiro às famílias votantes deste nosso torrão à beira da Europa enguitado, como paio de toucinho, que a carne é para exportação e quem está habituado a gorduras não deve alterar dietas alimentares, pois as mudanças drásticas acarretam esforço de adaptação suplementar e onerosas dificuldades de (di)gestão.
Torcer o rabo à porca sem tirar as mãos dos bolsos é tarefa para crânios geniais, apenas comparáveis aos dos mentores do popular faz força que eu impo com que, no tempo da outra senhora, a luta de classes se instituía por esses pousios fora, no amanho de mais um subsidiozinho para comprar um jeep novo, montar apartamento para a Severa do dia ou pagar a estadia em Coimbra ao rebento, até ele se doutorar em fados e vinho verde, salvo-seja!, que para tamanha exigência, dificilmente haverá curso com currículo e nobreza de conteúdos que honestamente a substancie...
As imagens são interfaces, plataformas de ligação, intersecção entre conjuntos de conceitos antagónicos, "placas-giratórias entre a realidade e o imaginário" (Edgar Morin, 1956), consequentes da necessidade de comunicar, considerando que na qualidade do dizível há muitas coisas que não lhe cabem dentro, por ser um universo onde há tudo quanto já foi descoberto (dizível), ideias, sentimentos, sonhos, teorias, sinais, medos e prenúncios, divindades, percepções sensoriais e extra-sensoriais, mais tudo aquilo quanto ainda não foi descoberto, visto, sentido, analisado, impossível e inaudito, que no entanto também carecem de ser transmitidas, comunicadas, partilhadas, desbravadas, para assim se tornarem posse humana, elementos preciosos do património cultural da humanidade que, à face da Terra, é de todos os seres, o homem, o único ser capaz de realizar, gerir e manter a memória da vida, como se lhe fosse o mais fiel, diligente e íntegro dos súbditos e servidores, o fac-símile e croquis que melhor a representa, lhe esboça as intenções, pese embora por caminhos bastante controversos, de notória inversão de sentidos, confundidos, parecendo avançar quando deveras regride, recuar se o progresso se manifesta e, até, atolado em estagnação se o choco e a meditação congeminam o passo seguinte.
Por exemplo, o governo português, ressuscitado da panaceia do socialismo democrático, está condenado a governar Portugal, não porque o Orçamento de Estado (OE) e o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) rectifiquem o direito que lhe foi outorgado pelas eleições, nem pela intenção objectiva que pretendem subscrever – recuperar a economia e consolidar as contas públicas –, mas por a oposição directa e mais próxima (o PSD) andar em ponderação constante, e esta lhe indicar que não está ainda preparado para avançar com determinação e sentido de Estado, porquanto não tem oficiais competentes e habilitados para a função, nem PEC alternativo e muito menos esboço de OE sob linhas mestras eficientes, susceptíveis de agilizar a economia e garantirem nela uma sustentabilidade sofrível a curto prazo. Ainda não chocaram convenientemente o que querem fazer, nem a estratégia para o conseguir, porque também ainda não sabem aquilo que deveras querem, uma vez que aquilo que queriam deixou de ser possível de sustentar no mundo actual, cujas fundações apodreceram arrastando o modelo em que assentavam, e o novo paradigma (globalização e sustentabilidade) ainda não se revelou suficientemente maleável à sua sede de poder, de benefício do individualismo e geração de fortunas. Isto é, ainda não descobriu a maneira de utilizar a solução dos problemas nacionais (crise, défice e dívida), sem os agravar irreversivelmente, para satisfazer a necessidade de lucro que os seus investidores políticos (militantes) consideram justo e plausível com o esforço (envolvimento) que prevêem e estão dispostos a "contribuir", a pagar, quer na propaganda do boca-a-boca nas praças de mercantilidade nacional, quer na congregação do tecido empresarial, financeiro e religioso. Enfim, estão em palpos de aranha, enleados pela teia que eles próprios teceram, sem ver uma saída airosa da crise e défice que durante tantos anos os beneficiou e – eles alimentaram com as suas opções político-ecnómicas do depois de nós o dilúvio, ou insustentáveis – controlaram para exclusivo proveito.
Rafael Bordalo Pinheiro sempre caracterizou a política económica como a porca que amamentava os bacorinhos da pátria, e desta imagem, costumava minha avó servir-se para me dar lições de economia(doméstica), dizendo que quando as receitas (tetas) não chegam para as despesas (bácoros), então não há porca que aguente, ficando os bacorinhos excedentários sujeitos a amamentação por biberão, caso o dono os queira salvar, pois caso contrário, não só morreriam, como enfraqueceriam a porca a ponto de não produzir leite suficiente para alimentar os que tinham lugar nas suas tetas, e a que normalmente se chama OE; e tanto fazia sobrecarregar a gorpelha do Zé-Povinho com mais impostos, como não, que se a porca estivesse chupada a ponto de já não conseguir comer a lavadura que este lhe desse, a breve trecho os viria a rejeitar se se quisesse salvar, ou então sucumbiria perante a fraqueza e trauma (culpa) que a perdida resiliência lhe imporia.
Com a abstenção do PP e PSD o parlamento torceu o rabo à porca, a fim de a obrigar a estar quieta e permitir que os bacorinhos com assento à mesa do orçamento pudessem alimentar-se com desfaçatez e diligência , esquecendo que o bicho já tinha o rabo torcido naturalmente, quer dizer, encaracolado de nascença, coisa que à sua espécie assiste desde o princípio dos princípios bíblicos, e sabendo que ao menor alívio da pressão sobre ela, esta se levantará sacudindo-se, expulsando quem a suga como quem a segura (manieta) e a faz amochar. E a abstenção parlamentar sempre foi um fazer sem fazer, autorizar sem convicção, um trabalhar com as mãos nos bolsos, de engraxar os sapatos sem se importar com o cuspinho que o engraxador vai gastando no ofício, logo, muito pouco duradouro no brilho que lhe advirá, opaco no polimento e fosco na tecitura, de onde – Deus queira que me engane... –, o amanho servirá de nada, por as solas estarem a dar o berro e o cabedal já não aguentar consertos de costura e ponto firme. Ou seja, no que para quem é bacalhau (abstenção) basta, está inerente uma estranha forma de considerar os portugueses, a cuja leitura com certeza estarão atentos, as suas condições de vida, o seu presente, o seu futuro, a sua esperança, bem como daqueles para os quais vão construindo um país, do qual, se acham mais ou menos espoliados.
Precisamente deputados e forças políticas que andaram a vociferar contra a abstenção nas eleições passadas, ei-los agora a praticar aquilo que condenavam nos demais, como se anarquia fosse o seu reino, a sua ordem, código disciplinar, demonstrando que quanto for denominado terrorismo nos nossos adversários, é sempre o supra-sumo de excelência, o alto expoente da nossa inteligência e patriotismo: deixa arder, que mais tarde vais ter que me contratar para apagar a crise, e nessa altura vou exigir pagamento em dobrado. E isto sim, será defender os elevados interesses da nação!

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