NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA ACABE




NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE, NEM BEM QUE NUNCA ACABE

"No século XV, quando os turcos invadiram Constantinopla e derrubaram o Império Romano do Oriente, os padres da Igreja estavam a discutir assuntos teológicos." – In "O Sexo dos Anjos" e a Política Externa Portuguesa, por Tiago Moreira de Sá e Emanuel Bernardes Joaquim, jornal PÚBLICO, 22.08.2015 

E de súbito, aquilo que algumas pessoas costumam dizer perde a gracinha toda... Faz «pooff!» na barreira da nossa indiferença, e escorrega por ela abaixo como um asco peganhento. O que antes parecia ser argúcia, acutilância, subtileza maquiavélica, passa a ser visto como ronha, ronceirice, manha, fuga prà frente, interesseira representação para agafanhar almejados e obscuros proventos. A simplicidade e clareza discursiva desvenda-se, afinal, como uma mancheia de lugares comuns. A sapiência e irrepreensível memória, uma simplificada mediocridade e evidente vocação para a cópia e palimpsesto. As pausas, como notórias confissões de culpa, de inaptidão, défice lexical ou compulsão semântica. E aquele jovialíssimo piscar de olho ao eleitorado, que tão bem lhe ficava por aparentar espontaneidade, apenas mais um tique de denúncia da misoginia voluntária, ou obrigatória, caraterístico de quem se sente entalado. Desmascarado. De careca à mostra. 

E não vale a pena nomear seja quem for, porque a todas as políticas e a todos os políticos acontece exatamente o mesmo. Uns numa altura, outros noutra. Aos nossos, é agora. Ora, se ninguém os vai querer ver ou ouvir em debates políticos, ainda que impingidos pelos canais de sinal aberto, porque é que eles se preocupam tanto em definir quem estará ou não estará neles? De quem se senta em frente ou lado de quem? Essas coisecas são combinadas pelos staffs, e não podem ser consideradas coreografias de opereta brejeira com pretensões a vedetismos de cartaz em programas de primeiro tempo. E depois, tudo quanto lá irão dizer já é por demais conhecido e de toda a gente, incluindo os que não querem saber disso para nada. São figuras de basta presença e figuração nas primeiras páginas dos jornais e telejornais, quer pelo que dizem e repetem, quer por onde vão e o que lá poderão estar a fazer. Sobretudo porque a política não é nenhum jogo de berlinde, com vitórias, derrotas e desforras, fértil em retórica para deslumbrar infantis que gostam de ver os adultos à sopapada, ou um desporto de rasteirar, derrubar e achincalhar os meninos e as meninas da outra ponta da sala. A política faz-se apresentando projetos, programas gerais ou setoriais, estratégias de execução, orçamentos viáveis, motivando e convidando gente para neles colaborar, fazer melhorias, reforçando positivamente a participação, a responsabilidade, a consciência cívica e a emancipação, quer dos indivíduos, como das comunidades; quer das regiões, como da nação. Portanto, seria de bom tom, não atirar poeira para os olhos do povo, nem dar-lhe a engolir futriquices típicas das clubites pacóvias e desaguisados entre a rua de baixo e rua de cima, usuais no jogo da malha e do pião. Sob pena de que se o não fizerem, o povo português lhes faça como fez o Zé-Povinho do Bordalo ao fiado: «Queres o voto, toma!» (Até porque as meninas anicas acompanham os joõesinhos que lhes apetece!) 

Enfim, digamos que o prazo e "estado de gracinha" desses tribunos expirou. Esgotou. Perdeu a validade.  Principalmente, porque a nossa paciência para lhes aturar a banha-da-cobra já não é o que era. Estamos cansados de ser condescendentes com quem nos quer dar a volta. Há 40 anos que vivemos (quase) em democracia. Já nos aconteceu quase tudo o que não devia ter acontecido. E nem sequer um oitavo do desenvolvimento, bem-estar, qualidade de vida, segurança e esperança no futuro de quanto merecíamos ter. Era tempo de começarem a pensar que se continuarem a tentar enganar-nos, isto ainda pode vir a dar prò torto... É que até os paz d'almas que todos e todas nós somos, têm um ponto de fervura. E, enquanto os paroquianos e sacristas desta confraria das bananas se empenha discutindo quem se senta nas cadeirinhas e cavalinhos de baloiço, bem podem chegar por aí os nossos otomanos e trocar os estandartes sem que lhes dê o cheiro!  

Joaquim Castanho          

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