O Magalhães é bom companheiro

"Ouvido tinha aos Fados que viria
Uma gente fortíssima de Espanha
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da Índia tudo quanto Dóris banha,
E com novas vitórias venceria
A fama antiga, ou sua ou fosse estranha.
Altamente lhe dói perder a glória
De que Nisa celebra inda a memória."

Luís de Camões, in Os Lusíadas, Canto I, 31

"– O maior sonho da minha vida é um dia tornar-me escritora e, para esse sonho se realizar, só preciso de um computador portátil, dedicação e muita inspiração – justifiquei."
Margarida Oliveira, in Olho Neles

Depois do italiano Américo Vespúcio ter, primeiro às ordens de Castela, em 1499/1500, sob o comando de Alonso de Ojeda, feito o reconhecimento de toda a costa setentrional da América do Sul, e seguidamente, ao serviço da coroa portuguesa, em 1501/1502, feito a descida pelas costas do Brasil e Patagónia, confirmando que essa terra fazia parte de um novo continente, e não da Índia, como muitos queriam fazer supor, incluindo os discípulos navegadores de Cristóvão Colombo, demandas essas que resultaram na correcção da cartografia universal, em que Martin Waldseemüller, geógrafo e cartógrafo alemão, ao publicar a sua Cosmografiae Introductio, identifica-se o Novo Mundo como nome de América, ou Terra de Américo (Americi Terram), denominação pela qual ainda hoje é conhecido esse continente, derivou facilitar a Fernão Magalhães, navegador português ao serviço de Castela, contornar a América para chegar às Molucas por mares não reservados aos portugueses pelo Tratado de Tordesilhas, iniciando assim, em 1519, a primeira viagem de circum-navegação, aliás muito conturbada e interrompida, e apenas terminada por Sebastião del Cano, em 1522, que viria a confirmar empiricamente aquilo que em teoria já há muito se suspeitava: a redondez do globo terrestre. Era o pontapé de arrancada para a globalização.
Todavia, o mundo apenas se veio a confirmar plenamente redondo quando cada ser humano o pôde sustentar em suas mãos como qualquer bola de algodão... E o fecho desse círculo, coube a outro Magalhães, um computador de fabrico português, resistente, leve e pequenote, de inspiração norte-americana e acabamento lusitano, que não só está ser exportado para o Novo Mundo como a trazer todo o mundo para perto das crianças portuguesas que iniciam a sua formação escolar, sem os dissabores dos esclavagismos económicos e diferenças de classe, porquanto é acessível a todos os alunos, mas com a capacidade de reforçar os elos nas famílias, colocando-as a essas, mesmo àquelas onde a formação e posses afastaram das novas tecnologias, em volta de uma caixinha mágica, a colaborar, a partilhar, a aprender e a manusear o conhecimento viável e transmissível. Ou seja, independentemente do que se diga acerca do mandato deste governo, com etiqueta socialista, embora às vezes se dê a entender que trocaram a pulseirinha ao menino, por nele haverem bastas recaídas de génese, no DNA e motivações totalitárias ou salazaristas com que se conduz, a maior revolução a que este país assistiu, desde o 25 de Abril, em prol do ambiente, da igualdade, da qualificação, de desenvolvimento humano, cultural e económico, de implantação da portugalidade e língua portuguesa nas sendas da modernidade, foi na realidade, muito mais que todas as pontes, estádios, aeroportos e TGV's que foram ou venham a ser "edificados", essa pequena caixa de ideias portátil a que dá gosto identificar com o conturbado navegador (portuense) Magalhães. Porque ele vai facilitar o sonho aos que ainda estão a tempo de sonhar, a viagem a quem quer aprender sempre mais, a poupar árvores no planeta, a libertar os desfavorecidos da malha opressora do caciquismo local, a diminuir as barreiras e assimetrias da interioridade, a apetrechar o indivíduo com um cata-vento orientador da sustentabilidade, a não ser burro de carga dos Sísifos pedregulhos dos manuais, a ampliar os olhos e braços de cada qual que deseje realizar-se criando. Mas eu preferia chamar-lhe borboleta... é que desta, ou com ele, é que irá deveras notar-se o efeito que tem abrir as suas "asas" no outro lado da Globo.
Pelo que importa não esquecer que esta circum-navegação só poderá alcançar o término, quando for dado outro passo tipo Sebastião del Cano, que a finde, e ponha à disposição os manuais electrónicos que hão-de cartografar o conhecimento e facilitar a aprendizagem, com a qual se dirá que veio Uma gente fortíssima de Espanha / Pelo mar alto, a qual sujeitaria / Da Índia tudo quanto Dóris banha devolvendo novos mundo ao mundo, incluindo aqueles conquistados por Alexandre Magno, cujos gregos escalaram o Meru, onde fica a morada dos deuses, depois de, convivendo com os vencidos, em celebração da vitória, na cidade dos jardins, fundada por Dionísio, trouxeram de Nisa a memória que festeja com inebriante ambrosia a glória. Também simplesmente dita regozijo ou alegria, alcançadas na fama de um empreendimento conseguido: recolocar a portugalidade na ordem global do dia. Enfim, escrever um livro, enviar um mail, criar um blogue, fazer uma pesquisa, anular uma carência, fazer companhia àquele companheiro argonauta que se desloca entre os planetas da nossa galáxia. Um tão pouco que é tanto, que sobre a realidade, mais não será que outro singelo e diáfano manto!

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