Às 21:13


Às 21,13
Felix Cucurull
Trad. António de Macedo


(Porque dele disse quase tudo o autor em jeito de "prelúdio", aqui fica como princípio "daquilo" onde tudo o mais começou)

"Estava muito escuro. Teve de acender um fósforo para poder ver as horas. Lançou um olhar em volta: o local que escolhera era totalmente deserto. Só tinha que se deitar; deitar-se e esperar. Sabia o horário. Às 21,13 passaria um comboio. Avançou uns metros... Deitar-se-ia ali, logo a seguir ao sítio onde a linha faz uma curva, o pescoço sobre os carris. De olhos bem fechados, já não precisava de se esforçar mais. O encarregado da execução seria o maquinista. Deu mais uns passos. Debaixo dos seus pés a travessas começavam a trepidar. Sentiu um arrepio. Talvez... Ainda estava a tempo de voltar para trás. Mas continuar a viver ainda lhe produzia mais pavor. Dobrou as pernas e estendeu as mãos... Enquanto se arrastava, as pedras e os desperdícios de antracite maceravam-lhe os joelhos. Rasgou as palmas das mãos. Completamente estendido, sentiu no pescoço e na barba o frio do aço. Um ruído atroador ensurdece-o e fê-lo crispar os dedos sobre a cabeça; ficou, porém, compensado com um eterno silêncio."

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