A CULTURA NUNCA PODE SER SECUNDÁRIA

A CULTURA NUNCA PODE SER SECUNDÁRIA


Na Grécia do Tsipras (Alex, pròs amigos!), o organograma governamental apresenta quatro superministérios: A Educação, A Saúde, A Economia e A Cultura. Quatro aaaa como o óleo da Pima (já crescidinho). Essencialmente porque no entendimento grosseiro da coisa pública, o que ninguém conseguirá ignorar, uma economia de sucesso nunca poderá prescindir duma educação vigorosa e dinâmica, duma saúde musculada e flexível, nem duma cultura apta e abrangente, inovadora e ativa. Imaginativa e observativa. Sem o olhar crítico e envolvido desta última quaisquer outras valências ministeriais baterão com os burrinhos na lama, afundar-se-ão no tédio, no marasmo, na hipocrisia e na insustentabilidade, uma vez que foi sempre e em todo o lado – desde os impérios persa, egípcio, grego e romano (pelo menos) que recorreram à receita pra vingar e pereceram mal a abandonaram –, a única estratégia política plausível ante as contrariedades forjadas pela ausência de estabilidade orçamental, crescimento económico, oscilação dos mercados e capitais, fragilidade social. Mas sobretudo, se queremos que a economia não desperdice oportunidades de rendimento, a saúde não contraia agastes novos, a educação não se transforme num sorvedouro de talentos e mais-valias, mas sim, e antes, se implante como um veículo de excelência para conteúdos atuais e atualizados, interessantes e atraentes, ou capazes de se transformarem em agentes de progresso e desenvolvimento. E sustentabilidade.

Mas os gregos são antigos, muito mais antigos (coisa de três ou quatro mil anos) do que nós, que só nascemos há 900 anos e uns trocos. Somos uns gaiatos face a eles, e, por isso mesmo, não pensamos e metemos a cultura num desvão, com secretaria lá para os fundos do organograma governamental. E quem lucrou e lucra com isso? Os ingleses, os norte-americanos, os alemães, os franceses, os nórdicos e o mercado paralelo em geral. Porque não havendo cultura ninguém precisa de educação nem sabe prò que serve, pode haver saúde física mas a mental fica pelas ruas da amargura, e a economia é um calvário que todos e todas temos que subir com a Autoridade Tributária às costas.

Porque quando o processo de evolução de uma sociedade conservadora e gerontocrática, como a nossa, e também a europeia, principalmente na parte mais desenvolvida dela, é notoriamente lento, a mínima centelha de motivação, a mais pequena mudança nele, torna-se, evidentemente radical. Num lago parado a queda duma larada de passarinho provoca uma cadeia de pequenas ondas que se assemelha a um movimento tempestivo. Alterar as rotinas, como pedir fatura com número de contribuinte em todas as compras (e vendas), pode ser tão doloroso na atitude cultural dum povo, como a extração de um dente cariado num indivíduo: sabemos que não presta para nada, só nos causa dissabores e fealdade, é duma inutilidade inegável, podemos arrancá-lo sem a mínima dor, porém, deixará sempre um buraco no maxilar de onde o tirámos. E sentir-lhe-emos a falta durante algum tempo. Todavia, nenhum povo, nenhuma nação digna desse título, perde 45 mil milhões de euros em impostos num ano por acaso… E Portugal perdeu-os. Perdeu-os para a economia paralela, quando essa maquia, esse buraco, essa falta, era suficiente para saldarmos a nossa dívida à troika, e assim deixarmos de andar com uma das mãos à frente e outra atrás para tapar as misérias sociais que nos caraterizam. E porquê? Por falta de cultura. De cultura democrática. De cultura tributária. De cultura política. De cultura sanitária. De cultura social. De cultura educativa. De cultura económica e empresarial. De cultura financeira. De cultura cosmopolita. De cultura literária. E a saúde orçamental do próximo ano dar-nos-á notícia dela. E de como uma simples enfermidade se transformou num quisto cancerígeno para o qual ainda não foi inventada qualquer cura, antídoto ou vacina…

Portanto deixemos de cegarregas e de atirar areia pròs olhos do Zé-Povinho, que os gregos, não obstante terem uma dívida infindavelmente maior que a nossa, o que os obriga a pagar mais de 10 mil milhões de euros de juros anuais, e que monta a 315 mil milhões de euros ou 175 % do PIB, estão atualmente em melhores condições para saírem do aperto do que nós, a quem falta além das culturas enunciadas a do bom senso político e honestidade, que é coisa rara por cá, pelo menos desde os hermínios viriatos, tão apreciados pelos santacombadões do nosso contentamento e do tudo está bem assim. Mas tão bem, que até achamos normal ter uma cultura que mal chega a secretaria de Estado… Pudera!  

Joaquim Castanho     

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