Fábulas da Mula da Cooperativa
Estórias e retratos da história
Conto III
O Milagre do Pão Desacabado
No dia em que as bestas selvagens, nas costas dos contribuintes, escoicearam o blogspot, a mula da cooperativa ficou privada de contar a sua estória aos meninos orelhudos da urbe, pelo que não teve outro remédio senão entreter-se a admirar a harmonia familiar das manjedouras suas avizinhadas. O que, se ao princípio lhe acarretou tédio, certo foi mais tarde se manifestar altamente instrutivo em consonância com os postulados pedagógicos em vigor, porquanto pôde confirmar in loco o modo como as modas domésticas se tornam ainda mais duradouras do que a eternidade, sobretudo para a pequena eternidade que é a vida de cada um, que é das eternidades conhecidas aquela que menos dura, mesmo sem se tomar a medicação adequada, ou ser-se vacinado a tempo e horas.
É claro que isto tem mulas de graça. Aos píncaros de gargalhada. É que hoje em dia, se se quer molhar a sopa na gema, isso tem que ser feito com enorme cuidado... Ele há mesuras; ele há diplomacias de preceito; ele há refregas de género. E, não obstante as cautelas, indabenão a loura entra nas couves, acabando sempre no gerar discórdia, e armar-se um sporting-benfica de todo o tamanho!...
Por exemplo: no bardo em que habito, uma família moderníssima, daqueles ele e ela, ela e ele, em que quando cada um não está só se aplica a amolar o outro, à hora da refeição, que ela fizera com desembaraço e perícia, tipo pantagruélica mestria de batatas fritas, ovos estrelados e salsichas, na explícita tentativa de intoxicar o adversário, para lhe tornar a eternidade pequena ainda menor, para o cônjuge, e para si salada de legumes plasticizados, regalias de casal perfeito com juras de amor derradeiro e infinito, obediência cega à felicidade e à doença, pobreza e riqueza, roupa, cama e criada para todo o serviço, que é no que dá quando as burras desposam camelos de bossas enchumaçadas a esteróides e transgénicos vários, ela enlinguiçada como pau de cabide com encanudados de oxigenada alouradura, qual vara de virar tripas, pondo acento na frugalidade esquecera-se de lhe servir também pão, pois salada de couve penca, grelo tenro, feno e alcácer de estufa já têm fibras fartas.
Então, porque nas baias privadas os barrotes são de vidro, as quadras coudelares e as mangas de estacionamento apertado, quando se aprestaram ambos para o desenfastio, mordiscando já a jumenta nas verduras em canto recatado, deu o camelo por falta do cerealífero ingrediente. Indignou-se. Bateu com os cascos. Sacudiu o rabo. Abriu as ventas pelo desaforo e, finalmente, imperativo zurrou: «cadê o pão?! Acabou????....»
Toda ela se afligiu, estremecendo peles e pêlos da garupa às orelhas, que lhe murcharam sobre os quartos dianteiros, amuando com o vocifero coice acerca do desmando na lide caseira. Mas soltou-se lesta e partiu esganiçada à procura do dito prò conduto. E quedou-se ele soturno e determinado, frente ao ovo estrelado, sem sacudir uma mosca ou mexer numa palha até ela voltar.
Findo o ínterim da espera, entrementes o depositar a ração de cereal na manjedoura e aliviar-se dos aviados que mercara no hiperprado com super rapidez, não se ateve de meigamente reparar-lhe dengosa «pronto... Aqui está o pão... Vês? Desacabou.» E logo foi notória a luz de harmonia que dessa baia jorrou para iluminar a cavalariça. Resplandecente, emoldurando o idílio familiar para quantos cépticos e descrentes ultrajam a nupcial cristandade, o ofício da procriação e os lavores dos sagrados laços do matrimónio.
É óbvio que aquele desacabou fora fulminante para eliminar a controvérsia. Dando-lhe azo a que molhasse a sopinha na gema com jubilada alegria. Fora como que uma porta que se fechara estrondosamente sobre a tempestade que se aprestava para invadir-lhes os cómodos. Um relincho de êxtase na plenitude da parelha. E um afago da virtude feminil, na presteza de servir o seu macho até que a morte os separe. Daí que deva registar-se que não há desigualdade quando a última palavra é a expressão encantada com que qualquer muar aceita e cumpre a canga que escolheu para viver.
Após o que a mula, finalmente, rematou para o aplauso geral:
Eis como a malta do pulo e do pinote ficou a saber, que não há falta de maior que uma boa zurradela não emende. Que camelo, quando fala língua de burro, até os cavalos entendem!
Conto III
O Milagre do Pão Desacabado
No dia em que as bestas selvagens, nas costas dos contribuintes, escoicearam o blogspot, a mula da cooperativa ficou privada de contar a sua estória aos meninos orelhudos da urbe, pelo que não teve outro remédio senão entreter-se a admirar a harmonia familiar das manjedouras suas avizinhadas. O que, se ao princípio lhe acarretou tédio, certo foi mais tarde se manifestar altamente instrutivo em consonância com os postulados pedagógicos em vigor, porquanto pôde confirmar in loco o modo como as modas domésticas se tornam ainda mais duradouras do que a eternidade, sobretudo para a pequena eternidade que é a vida de cada um, que é das eternidades conhecidas aquela que menos dura, mesmo sem se tomar a medicação adequada, ou ser-se vacinado a tempo e horas.
É claro que isto tem mulas de graça. Aos píncaros de gargalhada. É que hoje em dia, se se quer molhar a sopa na gema, isso tem que ser feito com enorme cuidado... Ele há mesuras; ele há diplomacias de preceito; ele há refregas de género. E, não obstante as cautelas, indabenão a loura entra nas couves, acabando sempre no gerar discórdia, e armar-se um sporting-benfica de todo o tamanho!...
Por exemplo: no bardo em que habito, uma família moderníssima, daqueles ele e ela, ela e ele, em que quando cada um não está só se aplica a amolar o outro, à hora da refeição, que ela fizera com desembaraço e perícia, tipo pantagruélica mestria de batatas fritas, ovos estrelados e salsichas, na explícita tentativa de intoxicar o adversário, para lhe tornar a eternidade pequena ainda menor, para o cônjuge, e para si salada de legumes plasticizados, regalias de casal perfeito com juras de amor derradeiro e infinito, obediência cega à felicidade e à doença, pobreza e riqueza, roupa, cama e criada para todo o serviço, que é no que dá quando as burras desposam camelos de bossas enchumaçadas a esteróides e transgénicos vários, ela enlinguiçada como pau de cabide com encanudados de oxigenada alouradura, qual vara de virar tripas, pondo acento na frugalidade esquecera-se de lhe servir também pão, pois salada de couve penca, grelo tenro, feno e alcácer de estufa já têm fibras fartas.
Então, porque nas baias privadas os barrotes são de vidro, as quadras coudelares e as mangas de estacionamento apertado, quando se aprestaram ambos para o desenfastio, mordiscando já a jumenta nas verduras em canto recatado, deu o camelo por falta do cerealífero ingrediente. Indignou-se. Bateu com os cascos. Sacudiu o rabo. Abriu as ventas pelo desaforo e, finalmente, imperativo zurrou: «cadê o pão?! Acabou????....»
Toda ela se afligiu, estremecendo peles e pêlos da garupa às orelhas, que lhe murcharam sobre os quartos dianteiros, amuando com o vocifero coice acerca do desmando na lide caseira. Mas soltou-se lesta e partiu esganiçada à procura do dito prò conduto. E quedou-se ele soturno e determinado, frente ao ovo estrelado, sem sacudir uma mosca ou mexer numa palha até ela voltar.
Findo o ínterim da espera, entrementes o depositar a ração de cereal na manjedoura e aliviar-se dos aviados que mercara no hiperprado com super rapidez, não se ateve de meigamente reparar-lhe dengosa «pronto... Aqui está o pão... Vês? Desacabou.» E logo foi notória a luz de harmonia que dessa baia jorrou para iluminar a cavalariça. Resplandecente, emoldurando o idílio familiar para quantos cépticos e descrentes ultrajam a nupcial cristandade, o ofício da procriação e os lavores dos sagrados laços do matrimónio.
É óbvio que aquele desacabou fora fulminante para eliminar a controvérsia. Dando-lhe azo a que molhasse a sopinha na gema com jubilada alegria. Fora como que uma porta que se fechara estrondosamente sobre a tempestade que se aprestava para invadir-lhes os cómodos. Um relincho de êxtase na plenitude da parelha. E um afago da virtude feminil, na presteza de servir o seu macho até que a morte os separe. Daí que deva registar-se que não há desigualdade quando a última palavra é a expressão encantada com que qualquer muar aceita e cumpre a canga que escolheu para viver.
Após o que a mula, finalmente, rematou para o aplauso geral:
Eis como a malta do pulo e do pinote ficou a saber, que não há falta de maior que uma boa zurradela não emende. Que camelo, quando fala língua de burro, até os cavalos entendem!
Comentários