Mousinho de Albuquerque

Mousinho de Albuquerque
António Ventura
Editora Planeta DeAgostini
Col. Grandes Protagonistas da História de Portugal
Capa dura,192 páginas, em papel reciclado

Eis um livro reconfortante!
Embora seja indiscutível que aqueles que melhor compreendem o mundo mais chances têm de nele sobreviver, ou que se Deus escreve direito por linhas tortas na política e na justiça se costuma escrever torto por alíneas do direito, como da glória à ingratidão vai um passo de anão, este livro de António Ventura, autor portalegrense director da memorável revista A CIDADE, licenciado em História (1984), Mestre em História Contemporânea (1988), Doutor em Letras (História Contemporânea) pela Universidade de Lisboa, Professor do Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa e Equiparado a Professor Coordenador da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre, colaborador das revistas Clio e História, mas que outrora também foi docente das Escolas Mouzinho da Silveira e São Lourenço, em Portalegre, como da Escola Preparatória de Arronches, que esteve ligado às exposições "comemorativa do centenário do nascimento de Emílio Costa" (1977), "Portalegre - Homens e Livros" (1980), "Retrospectiva da Imprensa de Portalegre" (1981) e "Portalegre no Século XVIII" (1983), colaborador da imprensa regional, nomeadamente da A Rabeca, Fonte Nova, O Distrito de Portalegre, Notícias de Elvas, Diário do Alentejo, ou ainda da nacional, em títulos sobejamente conhecidos como Seara Nova, Diário Popular, O Ponto, Diário de Notícias, Diário de Lisboa, etc., vem confirmar a clareza, rigor, correcção e harmonia discursiva a que nos habituara desde o primeiro livro publicado em 1976, intitulado Bento Gonçalves, Escritos (1927-30), e profusamente disseminado pelos demais do género (v.g. D. Francisco Bravo / Bispo de Portalegre, Edições "O Semeador", em 1981; José Frederico Laranjo, ed. Assembleia Distrital de Portalegre - 1984; Eusébio Leão, ed. Câmara Municipal de Gavião - 1991; Teófilo Junior, ed. Câmara Municipal de Arronches - 1991; Joaquim Vermelho, ed. Câmara Municipal de Estremoz / Edições Colibri - 2003; Feliciano Falcão, ed. Câmara Municipal de Portalegre / Edições Colibri - 2003), além de contar-nos a História de Portugal através da caracterização e biografia dos seus intérpretes, à semelhança do efectuado por outro nome da nossa portugalidade, igualmente exímio no retratar e recriação contemporânea embora que menos austero e disciplinado na narrativa: Oliveira Martins - acerca do qual, Moniz Barreto terá afirmado que "retrata tão bem o fundador do jesuitismo, como o filho da lavadeira". Aliás, garantindo mais: que embora sendo nos retratos que ele triunfa, como se podem ver dependurados em todos os cantos da sua obra, vastos como quadros ou concisos como medalhas, "se ordenasse e concentrasse, o efeito seria fulminante e a crítica batida recuaria até à admiração".

Descodificar os compostos sociais através do desenho dos caracteres, cenários interiores, naturais, políticos e conjunturais, acções, sentimentos e valores que alinhavaram a "alma" das individualidades históricas, ou daqueles que tornaram o momento que viviam num impulso determinante para a bandeirada do futuro dos seus compatriotas, é uma tarefa assaz difícil, para a qual a prática e pesquisa de inúmeros anos muito pouco pode ajudar se se não estiver também apetrechado duma grande flexibilidade vocabular e excelsa empatia, porquanto cada um desses protagonistas além de ser caso único é igualmente meritório de tratamento especial. E Mousinho de Albuquerque, o herói de Chaimite, que subjugou os Vátuas, primeiro aprisionando o rebelde e insubmisso régulo Gungunhanha e depois matando o seu seguidor Maguiguana, cuja saga das campanhas moçambicanas culmina em gloriosa apoteose de reconhecimento e prestígio quer do povo português, como dos seus governantes ou dos seus similares europeus, no que é utilizado diplomaticamente para sanar algumas quezílias com países igualmente interessados em África (França, Grã-Bretanha, Alemanha, Prússia), mas cuja influência não foi suficiente para aplacar a mediocridade política do corporativismo partidário português que o levou ao suicídio, após o ter desmoralizado perante o povo como aos olhos dos seus soberanos, posto que sendo aio do príncipe Filipe é-lhe aviltado um affaire com a rainha D. Amélia, está nessa linha de personalidades a quem as dificuldades de caracterização apenas são desafiadoras para os que, como o autor deste livro, não temem enveredar numa actuação que ultrapassa a mera produção livresca, atinge as raízes sociais da cultura, se escora numa necessidade de investigar nascida da acção concreta e da capacidade de intervenção sobre a realidade cultural envolvente, ou de quem já era historiador ainda antes de cursar História, como o espelhou José Martins dos Santos Conde, em 1985, num artigo tornado público pelo então semanário Fonte Nova.

E reconfortante por três motivos: primeiro, porque é imprescindível que se reconheça como obras desta qualidade nada ganham em ser impressas noutros países da CE, ao caso em Espanha onde este o foi (Rotapapel, S.L., Móstoles - Madrid), visto que o aprimorar dos acabamentos, mais precisamente da justificação do texto, lhes acrescenta alguns busilis desnecessários na divisão silábica, que as entorpecem e levam o leitor a trepidar, perante os quais os autores, além de alheios, são manifesta, por mor da distância, e absolutamente impotentes. Segundo, porque nele se demonstra que o génio e instinto, formação e ética, raramente são suficientes para romper a teia dos corruptos e maledicentes ao abrigo da lei, das panelinhas do poder, dos tições económicos incendiados com que os empestados emocionais da percepção motivada tentam fustigar e destruir a dignidade, a moral e os feitos dos homens de bem, os autênticos e solitários que não temem dizer que um boi é um boi, quando de algum boi em realidade se trata, nem de uma rã que rã é, quando outra coisa não se avizinha que seja; como não bastaram a Mousinho de Albuquerque que condenado ao suicídio lhe sucumbiu, não obstante ter vencido demais perigos e guerras esforçadas, embora dos arregimentados causadores da sua desgraça a História não registe outro epitáfio além das datas de nascimento e morte, perdidas em qualquer livro de registos apodrecido sob o musgo dos tempos. E em terceiro lugar, porque permite que os homens de boa fé de outras épocas reproduzam e aprendam com o exemplo daqueles que por obras valorosas se foram da lei da morte libertando, bem como fazer alinhar um português - o seu autor -,na senda das grandes editoras europeias, mas não só português, como igualmente alentejano, e acima de tudo portalegrense. O que, portanto, no mínimo é consolador para todos quantos ainda não perderam a esperança de inscrever o Alentejo nas rotas da cidadania, e no-lo impõe não só na estante como também na linha da frente das prioridades de leitura!...

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