Milagres, mistérios e canonizações

Mistérios...!

Se toda a relatividade é relativa, então porque é que há um tipo de relatividade que revitaliza e outro que desvitaliza, posto que sendo igualmente relativa é manifestamente mortífera? Porque é que há pessoas que podem comprar o direito de viver com quinhentos euros e outras a obrigação de morrer por carecerem dessa mesma quantia? Já sabíamos que a Europa não é uma mas muitas europas, e de entre elas, esta é a portuguesa, o que relativamente a outras europas não faz dela grande coisa, considerando que na Europa muitos são europeus, outros apenas nacionais em seus países, e que dos europeus uns também são portugueses, embora nem todos os portugueses sejam igualmente europeus, da mesma forma que nem todos os portugueses, igualmente portugueses sejam. E que no país destes, se uns ministram e têm ministérios, outros, sendo ministros, apenas ministram mistérios!...
Digamos, portanto, que onde haja relatividade também se encontram diversas medidas que lhe são relativas, que umas a medem e outras a medeiam; mas que por tal, ou em sua consequência, isso não signifique que se prefira pagar o obrigatório para melhor faltar ao voluntário. Ou seja, que é muito estranho e misterioso, para lhe não chamar demais coisas que à cabeça de qualquer cidadão de bem podem afluir, como é que num país, ordeiro e civilizado, que é multado em milhões por «irresponsabilidade política», como ao caso é por não ter "transportado" uma directiva comunitária para a área dos transportes, por ter violado a directiva de produção de habitats e por ter uma produção excessiva de leite, não se despendam menos milhões em responsabilidade política e sócio-sanitária, na prevenção de doenças, nomeadamente na aplicação generalizada de uma vacina que se revelou altamente eficaz – quase 100% –, salvando com eles, os ditos euros que por sinal se manifestam na ordem dos milhões, vidas em lugar de os desperdiçar devido a declaradas incompetências, sendo o país multado a eito por manobras perigosas e falta de dedicação e jeito.
O cancro do colo do útero é uma doença que atinge inúmeras mulheres portuguesas, sobretudo as infectadas com o vírus do papiloma humano (HPV), responsável por mais de 90% dos casos verificados dessa neoplasia. Como cerca de 75% da população feminina durante o período de vida sexual activa contrai, contraiu ou contrairá este vírus, cuja evolução, desde que essas mulheres estejam infectadas nas estirpes graves (16, 18, 31 e 45) de HPV, redunda invariavelmente no câncer uterino, e face à eficácia comprovada desta vacina, que garante à população jovem prevenir-se quanto a tamanho e fatal flagelo, principalmente no nosso país, onde a taxa de mortalidade das mulheres atingidas com menos de 65 anos é das mais elevadas da Europa, superior a 350 óbitos anuais, não se compreende, a não ser que nos socorramos daquelas típicas razões que a razão desconhece, o bom senso evita e a maturidade combate, como é que a sua vacinação não está ainda incluída no plano nacional, tornando acessível a todas as crianças e jovens do sexo feminino aquilo que apenas raras, as nascidas em berço de ouro, beneficiam.
Das duas, uma: ou o plano nacional de vacinação não é plano e muito menos nacional, uma vez que coloca de fora dele, isto é, discrimina, todas as mulheres e raparigas, que antes de estarem expostas ao HPV, não disponham dos 481,35 euros para se ministrarem as três doses necessárias da Gardacil, sendo o custo de cada dose de 160,45 euros; ou, para usar uma fraseologia célebre a propósito de "opas" e valorização de acções, os Ministérios da Saúde e da Segurança Social prevêem a descoberta de jazidas de petróleo e diamantes debaixo das suas instalações e edifícios, que se possam explorar e rentabilizar num futuro próximo, a fim de suportar as despesas de tratamento e morte anunciada de uma larga fatia do sector populacional feminino.
Que é como quem diz, que é sempre bom saber que a presidência europeia do próximo semestre, vai ter o vinco, a marca, o estilo, a pegada portuguesa, o selo de qualidade deste Portugal querido e afamado pela sua diversidade étnica e cultural, porquanto nele há europeus, há portugueses, há assim-assins e outros nem isso. Posto que uns são cidadãos, aqueles patriotas, outros vivem em bairros mas estes num cortiço. Quiçá em algum recanto ou nicho, sofrendo, pagando que nem rendeiros e pessoas, mas com a dignidade e esperança de vida semelhantes à do bicho. Mistérios!...
Ou antes, quereis que diga ministérios, recolhendo o misterioso que possa haver nisso? Não sabeis... Nem eu; que deveras temo, não me sejam os mistérios, outros tantos ministérios, que me habitam o toutiço!

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