CULTIVAR A VISÃO, a propósito de um poema de MARILU FAGUNDES




CULTIVAR A VISÃO...  

"Amo tudo o que vejo" enuncia (e decreta fundamentalmente) a poetisa, logo à partida, de forma inequívoca. Marilu Fagundes (MF) diz-nos que ama tudo o que vê, e não que vê tudo o que ama, que, por sinal, até pode ser visto "mesmo [que] distante e imprevisto". Ela não tolera, não integra; ela inclui o que vê no seu universo de afetos. Ver é compreender, é amar. É entender por que uma coisa é uma coisa e não outra coisa qualquer. Compreender os filhos porque se amam, reconhecer algo porque se aprecia, identificar na multidão alguém de quem se gosta, é circunstância viável para os demais seres vivos, e temos exemplos ilustrativos disso em todos os reinos e espécies, havendo até animais que são capazes de matar ou de morrer para defender os que amam, nomeadamente os seus pares ou crias, justificando-lhes assim a existência e a importância (material ou imaterial) que lhe concedem. Assimilar, "transformar-se o amador na cousa amada" (Camões), cumprir, realizar, o conhecimento dela fazendo-a interior a si próprio, é experiência frequente e acessível a estádios mentais pré-formais, como o da criança numa fase egocêntrica nos primeiros anos de sua vida. Ver, identificar, selecionar isto e aquilo porque se está ligado afetivamente a isso, porque se gosta disso, é discriminar positivamente; mas MF não discrimina, inclui o que vê; identifica, corporiza, concretiza, ama – gosta. Parte de si para a coisa, para o outro, para o elemento da natureza, vendo-o; logo, caminhando ao seu encontro. Reconhecendo-lhe importância, revelando-o. 

A diferença é nítida, é evidente. A poetisa não faz gracinha, não ilude, não exige que as palavras sejam outra coisa que não elas mesmas, não as amputa de seus referentes, não propagandeia, não escreve como se fosse, não faz género, não evangeliza, não persuade, nem advoga; não: entra (até) pelo imprevisto, (como) pelo natural, e concretiza-os na sua plenitude elementar – o sol, o vento, a maresia, o luar. Concretiza-os até ao abstrato; até a suavidade, até o mistério, até o silêncio, até a saudade, tornando-os ímpares, particulares, próprios e imediatos na areia, nas águas do mar, na fala, no teu olhar. Porque são eles a baliza, a moldura, os estritos limites de ampliação, para essa paisagem tão próxima, tão a ver-se, tanto, tanto, que também nos é comum, como o céu infinito, a vastidão do mar, os assobios do vento, a aspiração universal da harmonia – a paz.        

Então, ver é amar; é semente. E poderia ser de outro modo, se é o único olhar que planta futuros? E que caminha fazendo caminhos novos? Ver é o único caminho que abre sendas para o espírito, sim... voos! Vertigens. Incluindo a de abraçar, abarcar, ver. Amar.

Obrigado minha amiga, por esta visão – (rana, em tupi). Por esta saga que flana vaporosa enquanto nos desbrava o chão in... culto (da poesia).
  
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