Tempestades Épicas


Tempestades Épicas
Vergílio, Ovídio, Homero, Camões e Ariosto
Organização, introdução e elaboração de fichas de
Fernando Lemos
140 Páginas

A antologia ora apresentada nasce da actividade didascálica – e perdoe-se o palavrão pelo bem que sabe!... –, assim como pretende responder às necessidades de estudo, ou cognitivas, que circunstanciam as unidades curriculares de Cultura Clássica e Latim. A didascália, conforme todos sabeis e eu também (não), era, além da instrução que os actores gregos recebiam dos poetas, também o comentário, a anotação ou a crítica de peça teatral, nos meandros da latinidade. E, porque as tempestades já não são aquilo que eram, pode mesmo esta colectânea ser considerada um instrumento de trabalho, para quem se queira aperceber dos efeitos que elas tiveram, ou produziram, nas narrativas da ancestralidade. Além de facilitar a compreensão da catástrofe e da perseguição como patamares incontornáveis da escrita imaginativa, sobretudo aquela que apela para a natureza épica das culturas ocidentais, instrui qualquer um, alertando-o, para as características funcionais do travelling literário, ou aquele recurso estilístico que, através da descrição pormenorizada, de uma cavalgada desenfreada, do vogar desgorvernado de um barco em alto e tempestuoso mar, de uma pessoa ou de um grupo face à fúria dos elementos da natureza, nos leva não só a assistir-lhes como a participar "envolvidos" nelas.
Grosso modo, da mesma forma que actualmente não há filme nenhum, de acção se tratando, quer seja de guerra, espionagem, aventura, policial, western, histórico, onde pelo menos uma perseguição não seja por nós acompanhada demoradamente, ao vê-lo, e há-as para todos os gostos, desde as que se fazem de patins em linha, moto de água ou nave espacial, a pé ou em asa delta, também na Antiguidade, como é observável nos modelos clássicos, não haveria obra que não espelhasse esse tipo de acontecimentos, nomeadamente das tempestades, a fim de sublinhar a trágica condição humana, face às obscuras, imprevisíveis, avassaladoras e indomináveis forças da natureza e do destino – ou dos deuses.
São, porém, de salientar duas características peculiares desta edição. A primeira, é que além de cada tradução ser acompanhada do texto em versão do original com óptima mancha gráfica, a encadernação em capa mole, numeração estrófica e basto espaço de margem para anotações, assim como a anexação de um conjunto de fichas de trabalho, permite fácil manuseamento e uma leitura activa, sob a perspectiva da funcionalidade didáctica-pedagógica do livro; e a segunda, é que não obstante o recorte do excerto no episódio trágico, tarefa assaz trabalhosa, se manteve dele o cunho da rigorosa essencialidade, da precisão semântica, da economia textual, que não deturpa nem prejudica a compreensão da situação traduzida, quer no exemplo grego (Odisseia, de Homero, pelos padres E. Dias Palmeira e M. Alves Correia), quer do latim (Eneida, de Vergílio, por Franco Barreto, e Metamorfoses, de Ovídio, por Paulo Farmhouse Alberto), ou mesmo do italiano, como é o caso de Orlando Furioso, de Ariosto, cuja tradução pertence a Xavier da Cunha.
A contribuição portuguesa, retirada de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, se é que ainda há alguém que desconheça a sua autoridade, reporta-nos para o Canto VI, que transcreve quase totalmente, exceptuando as últimas sete estrofes, onde, somos salvos da tormenta, por interferência feminina, embora que conjugada na intencionalidade divina, pois é Vénus quem aplaca os tumultuosos ventos, e que, não obstante algumas rupturas de culto provocadas pela cristandade (patriarcal e antropocêntrica), sempre por nós foi celebrada por bem-vista, benquista e benfazeja. Ainda hoje!

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