Duplo Crime na Rádio e Caçada ao Sr. X, de Rex Stout

Duplo Crime na Rádio e Caçada ao Sr. X
Rex Stout
Trad. L. de Almeida Campos
424 Páginas – Volume duplo

1.
No decurso de uma emissão radiofónica, patrocinada por uma marca de refrigerantes, um dos presentes morre envenenado enquanto se cumpre a "ritual" bebericação da dita. Quem foi que o assassinou e com que motivos? Para todos, inclusive para a polícia, o problema é insolúvel. Acredita-se que nem a vítima saberia, ao certo, quem a matou. Só que Nero Wolfe, o paquiderme das orquídeas, o sedentário e obeso detective, precisa de pagar os impostos e o dinheiro advindo da resolução do caso faz-lhe imenso jeito.
Secundado nas tarefas de exigência física, e movimento, pelo seu braço direito (e esquerdo) Archie Goodwin, porém apoiados ambos nos energéticos bastidores, na retaguarda ou trincheira da cozinha, por Fritz, um nome que lembra as batatinhas estaladiças, intenta bater a polícia na corrida à desmascaração do homicida, embora esta já disponha de considerável avanço de tempo (e dados) nas infrutíferas investigações, com a qual entra num jogo de bluff e esconde-esconde para tomar-lhe a dianteira.
Só que nos casos de Rex Stout um crime é sempre pouco, ou mesmo nada, qual espécie de vender gato por lebre que defrauda a clientela; tem invariavelmente que haver um antes, um durante ou imediatamente após, e outro depois. Ora, também neste a ementa se repete, para finalmente nos apresentar a sobremesa da desvendação, com requintes de última ceia, toda ela retirada à magnitude das palavras, quer pelo saber ouvi-las, como pelo saber dizê-las, que são saberes inseparáveis para quem a verdade e o conhecimento são duas preocupações, enfim, faces da mesma moeda.

2.
Nesta "caçada" há a considerar quatro [surpresas] particularíssimas novidades: a) Nero Wolfe sai de casa; b) em consequência de a) um homem é assassinado; c) o homicida confessa por escrito, mas ninguém acredita; e d) não morre mais ninguém por isso, ou seja, é um policial de vítima única, logo desinteressante do ponto de vista rexstoutiniano.
Se mais não houvesse, seria já quanto bastava para prolongar a curiosa agonia do leitor. Porém, Rex Stout vai ainda mais longe: não disputa a refrega com a polícia, ou sequer colabora com ela – antes toma as rédeas do caso, remetendo-a para a sua insignificância, como que a provar que Nero é também wolf, pelo que quando quer, sabe muito bem desenrascar-se sozinho, e pode resolver qualquer caso e o mais bicudo dos problemas sem recorrer ao auxílio (embora que indirecto) do erário público, do intrincado córtex titubeante da burocracia em nome da lei.
Porque não há moeda sem duas faces. Mas é necessário dá-las, mostrá-las, para se tornarem reais, pois nenhuma face pode ser oculta, muito menos nos problemas policiais, ou detectivescos, porquanto sendo-o, elas deixarão de pertencer ao foro da ficção e da literatura, para passar a fazer parte do "departamento literário do absurdo e do paranormal", a que costuma recorrer o mau terror, logo do doentio surrealista da fabulação psicótica, em cujos delírios alguns são atreitos a confundi-los com expressão artística. Porque há surrealismo não patológico, embora um como outro se sirvam igualmente da mesma análise e do mesmo psiquismo de referência.

3.
A Pechincha


E assim, prolongando apenas alguns elementos da sequência semântica (ou significativa) da história anterior (Duplo Crime na Rádio), estabelece-se neste volume redundantemente duplo, uma unidade razoavelmente explícita, confirmando-nos que não terá sido em vão nem gratuita a decisão da editora, juntando estas duas novelas num só livro, pois desnecessário é afirmar que se completam muito bem. Aliviando um o que é excessivo e exagerado no outro, e vice-versa. Equilibram-se sobre o mesmo fiel raciocínio, o toque-de-Rex se dirá, quando nos referimos ao universo imagético stoutiniano. Aliás, Rex Stout, conforme o que dele se diz em qualquer enciclopédia é, e eu transcrevo aqui o que a Moderna Enciclopédia Universal / Lexicoteca / Circulo de Leitores apregoa, que ele, escritor norte-americano (Noblesville, Indiana 01.12.1866 – Danburg, Connecticut 27.10.1975), "se notabilizou no género policial, com romances protagonizados pelo detective Nero Wolffe, caracterizado por resolver os casos que lhe apresentavam sem se afastar do seu apartamento de Nova Iorque." O que não só corrobora o afirmado como denuncia a singular pechincha desta edição. Exactamente!

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