Sem Piedade!, de Miriam Ali
Sem Piedade!
A Luta de uma Mulher Conta a Moderna Escravatura
Miriam Ali (com Jana Wain)
Trad. Mário Dias Correia
280 Páginas
Dentro da Literatura de Impacto Social (LIS, pròs mais chegados e atentos), e na mesma linha de Vendidas!, de Zana Wain, Meu Amo e Senhor, de Themin Durrain, ou Sultana, A Vida duma Princesa Árabe, de Jean P. Sesson, Sem Piedade! é simultaneamente uma crónica de costumes, uma reportagem, um diário, uma biografia, uma obra literária, um testemunho e um documento comprovativo de como a Idade Média conseguiu romper os limites do tempo e avançar incólume até ao presente da humanidade – indissimuladamente, e sem qualquer receio das instâncias judiciais (planetárias) ou da moral e poder do establishment.
Em resultado da sempre (desejável) crescente democratização do mundo, a estética da LIS é a suprema expressão artística da denúncia, cujo desenvolvimento e evolução está na razão inversa aos postulados e axiomas da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Carta Para a Igualdade de Género, uma vez que é não cumprimento delas e deles que a tornam mais rica, profícua e rentável. Digamos que o cimento evolutivo e progresso desta literatura não é um bem em si mesmo, nem um motivo de regozijo e nobelíssima premiação internacional, mas antes um lamento, pois deve a sua principal ascendência e motivação às evidências na infracção às regras que consagram as liberdades e direitos fundamentais numa determinada civilização. Não tem beleza nenhuma, mas sobra-lhe verdade. Não acarreta arrebatamento, mas verte indignação. Não possui floreados estilísticos, mas abunda em factos. Não anseia à disseminação de uma filosofia de vida, mas testemunha a luta de seres humanos pela dignidade. Os seus heróis não são personagens caprichosamente elaboradas, mas sim seres vivos, autênticos, reais, que protagonizam não a felicidade e epopeia, mas antes a sua dor e carência de afectos, a sua revolta e estoicismo (sobre-humano, as mais da vezes). Não tece loas à inteligência dos delfins da cultura, mas desmascara a sua indiferença e laxismo intelectual. Enfim, não é o traçado da harmonia celestial e terrena, mas tão-só o mapa das almas resistentes.
Nele se narra a trágica aventura de Miriam Ali, a quem o marido vendera as filhas adolescentes, para casarem no Iémen, usando o dinheiro dessa transacção numa infinda e extravagante degradação, assim como abusando do seu estatuto de chefe de família para torturar os seus. Recuperar as filhas assume então, para essa mulher de baixíssima estatura, uma hercúlea missão, extraordinariamente burocratizada e recheada de impossíveis, que por vezes a fazem impotente, mas nunca uma desistente. Conseguir reunir a sua família, sob o tecto da liberdade e esclarecido afecto, é a sua única, embora suprema, ambição.
Fala-se deverasmente, hoje em dia, de terrorismos, de terrorismo ideológico como económico, de terrorismo político como de terrorismo religioso, mas o terrorismo sexual, de género, familiar, cala-se ou ilude-se conforme melhor interesse a quem o pratica, ou sociedade que o assimile – ou tolera, que no fundo é a mesmíssima coisa... –, sobretudo naquelas instâncias do poder para quem a opressão fundamental não é reconhecida nem sequer como problema, pois esse não-reconhecimento equivale à tentativa (aliás, legítima, uma vez que dá emprego a uma enorme panóplia de quadros técnicos, serviços públicos juríco-sociais e seus auxiliares) de o eternizar e perenizar, para dele continuar a alimentar-se enquanto puder, principalmente tapando o de dentro com o escândalo do de lá de fora; todavia, na actual conjuntura mundial, o lá de fora é sempre aqui, conforme estipula a essencial globalização, e reconhecer que distante de nós se está bastante pior em termos de Direitos Humanos é o maior e significativo dos passos possíveis para avolumar o problema onde se omite a sua existência. Não é pelo facto de ele não ser meritório de ser notícia internacional que ele não existe ou se não resolve; mas sim que é por tal que se agrava e, noticiosamente falando, se transforma um tabu num elefante branco, que havemos ter que alimentar e bajular até ao esquecimento, esquecendo inclusive quantas e quantos disso foram desafortunadas vítimas. Ou entraram na roleta do azar por quanto lhes aconteceu. Enfim, não tiveram sorte nenhuma com a família que lhes coube por nascimento, baptizado ou matrimónio, que foi o que foi, como dirão os caritativos e piedosos acomodados e acomodadas do sistema, esses mesmos que nunca venderiam os seus filhos e filhas, antes os investem, tal como não estabelecem relações pessoais e sociais, mas investem num relacionamento, e até valorizam os seus rebentos, mandando-os cursar academias e formaturas superiores, porque é mais "sustentável" e nunca se sabe o dia de amanhã. Porque não são muçulmanos nenhuns, mas sim cristão de boa cepa e cálice perfumado pelas pergaminhos da História na genealogia da colonização, como bons europeus na gema da civilização do "filho és, pai serás". E quem diz pai, diz mãe igualmente, só para terminar sob o modelo da pescadinha com o apêndice fecal na boca!
A Luta de uma Mulher Conta a Moderna Escravatura
Miriam Ali (com Jana Wain)
Trad. Mário Dias Correia
280 Páginas
Dentro da Literatura de Impacto Social (LIS, pròs mais chegados e atentos), e na mesma linha de Vendidas!, de Zana Wain, Meu Amo e Senhor, de Themin Durrain, ou Sultana, A Vida duma Princesa Árabe, de Jean P. Sesson, Sem Piedade! é simultaneamente uma crónica de costumes, uma reportagem, um diário, uma biografia, uma obra literária, um testemunho e um documento comprovativo de como a Idade Média conseguiu romper os limites do tempo e avançar incólume até ao presente da humanidade – indissimuladamente, e sem qualquer receio das instâncias judiciais (planetárias) ou da moral e poder do establishment.
Em resultado da sempre (desejável) crescente democratização do mundo, a estética da LIS é a suprema expressão artística da denúncia, cujo desenvolvimento e evolução está na razão inversa aos postulados e axiomas da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Carta Para a Igualdade de Género, uma vez que é não cumprimento delas e deles que a tornam mais rica, profícua e rentável. Digamos que o cimento evolutivo e progresso desta literatura não é um bem em si mesmo, nem um motivo de regozijo e nobelíssima premiação internacional, mas antes um lamento, pois deve a sua principal ascendência e motivação às evidências na infracção às regras que consagram as liberdades e direitos fundamentais numa determinada civilização. Não tem beleza nenhuma, mas sobra-lhe verdade. Não acarreta arrebatamento, mas verte indignação. Não possui floreados estilísticos, mas abunda em factos. Não anseia à disseminação de uma filosofia de vida, mas testemunha a luta de seres humanos pela dignidade. Os seus heróis não são personagens caprichosamente elaboradas, mas sim seres vivos, autênticos, reais, que protagonizam não a felicidade e epopeia, mas antes a sua dor e carência de afectos, a sua revolta e estoicismo (sobre-humano, as mais da vezes). Não tece loas à inteligência dos delfins da cultura, mas desmascara a sua indiferença e laxismo intelectual. Enfim, não é o traçado da harmonia celestial e terrena, mas tão-só o mapa das almas resistentes.
Nele se narra a trágica aventura de Miriam Ali, a quem o marido vendera as filhas adolescentes, para casarem no Iémen, usando o dinheiro dessa transacção numa infinda e extravagante degradação, assim como abusando do seu estatuto de chefe de família para torturar os seus. Recuperar as filhas assume então, para essa mulher de baixíssima estatura, uma hercúlea missão, extraordinariamente burocratizada e recheada de impossíveis, que por vezes a fazem impotente, mas nunca uma desistente. Conseguir reunir a sua família, sob o tecto da liberdade e esclarecido afecto, é a sua única, embora suprema, ambição.
Fala-se deverasmente, hoje em dia, de terrorismos, de terrorismo ideológico como económico, de terrorismo político como de terrorismo religioso, mas o terrorismo sexual, de género, familiar, cala-se ou ilude-se conforme melhor interesse a quem o pratica, ou sociedade que o assimile – ou tolera, que no fundo é a mesmíssima coisa... –, sobretudo naquelas instâncias do poder para quem a opressão fundamental não é reconhecida nem sequer como problema, pois esse não-reconhecimento equivale à tentativa (aliás, legítima, uma vez que dá emprego a uma enorme panóplia de quadros técnicos, serviços públicos juríco-sociais e seus auxiliares) de o eternizar e perenizar, para dele continuar a alimentar-se enquanto puder, principalmente tapando o de dentro com o escândalo do de lá de fora; todavia, na actual conjuntura mundial, o lá de fora é sempre aqui, conforme estipula a essencial globalização, e reconhecer que distante de nós se está bastante pior em termos de Direitos Humanos é o maior e significativo dos passos possíveis para avolumar o problema onde se omite a sua existência. Não é pelo facto de ele não ser meritório de ser notícia internacional que ele não existe ou se não resolve; mas sim que é por tal que se agrava e, noticiosamente falando, se transforma um tabu num elefante branco, que havemos ter que alimentar e bajular até ao esquecimento, esquecendo inclusive quantas e quantos disso foram desafortunadas vítimas. Ou entraram na roleta do azar por quanto lhes aconteceu. Enfim, não tiveram sorte nenhuma com a família que lhes coube por nascimento, baptizado ou matrimónio, que foi o que foi, como dirão os caritativos e piedosos acomodados e acomodadas do sistema, esses mesmos que nunca venderiam os seus filhos e filhas, antes os investem, tal como não estabelecem relações pessoais e sociais, mas investem num relacionamento, e até valorizam os seus rebentos, mandando-os cursar academias e formaturas superiores, porque é mais "sustentável" e nunca se sabe o dia de amanhã. Porque não são muçulmanos nenhuns, mas sim cristão de boa cepa e cálice perfumado pelas pergaminhos da História na genealogia da colonização, como bons europeus na gema da civilização do "filho és, pai serás". E quem diz pai, diz mãe igualmente, só para terminar sob o modelo da pescadinha com o apêndice fecal na boca!
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