Natal de Junho
Houve grande dificuldade em agraciá-lo, o que se agravou substancialmente nas exigências gráficas da nomenclatura, por parte do funcionário do registo civil. Dessas, e talvez porque o escrivão fosse acérrimo defensor dos jogos da sorte, do tipo euromilhões e totobola, em que a garantia de êxito expedicionário cai de dupla nas nossas mãos, e como hesitasse na postura ou impostura do hífen, para garantir-lhe perfeição onomástica, assestou-lhe com um portentoso bisado homófono, e caligrafou com esmerado empenho e mordedura aprimorada de língua, no livro dos wellcomes a este mundo, demonstrando que estava ali para servir os clientes sob o beneplácito pretexto funcionário da rés pública: Benvindo Bem-Vindo, em gótico garrafal e de bonito efeito.
«Apelidos: família da mãe?»
«Esmeralda», respondeu de pronto a avó.
«E do pai?»
«Incógnito», afiançou a mesma, respondendo em compenetrado e místico êxtase, a fim de inculcar algum ar de tradição à solenidade do momento.
Na falta de pai, a mãe e avó acataram o manuscrito com galhardia e decoraram-lhe o nome completo para futuras utilizações: Benvindo Bem-Vindo Esmeralda Incóginto. Disseram-no de seguida ao ouvido do recém-nascido como quem segreda a localização dum tesouro salomónico ou o sésamo código de afortunado cofre. Soletraram-no diversas vezes de si para consigo, como quem reza a Santa Bárbara Bendita em vista de infernal trovoada, mas foi a veterana matriarca quem melhor legendou o momento, interpretando-o à luz do progresso, da ordem, da família e de São Tinto, e de como ele iria condicionar a posteridade delas, num futuro senão próximo, pelo menos com prazo certo ou ainda em vida de ambas.
«Até parece nome de fidalgo. Nós só temos dois», comentou Isabel Esmeralda para Madalena Esmeralda sua filha, e mãe do privilegiado rebento, rematando o considerando com a formulada mágica do seu contentamento: «Benvindo Bem-Vindo Esmeralda Incógnito. Isto sim, que é um nome!»
«Quando tiver dezoito anos há-de tirar a carta, mãe», vaticinou Madalena, a garantir que o nome era propício e prometia conduzir os destinos da estirpe das esmeraldas (perdidas) muito para além da mercearia na esquina da rua.
«Pois há-de», confirmou a preciosa e precoce anciã, que aos trinta frescos já era avó e empresária de sucesso.
Começara na vida mais nova que a filha, mal fizera treze primaveras, numa sexta-feira de traições em que o pai a vendera por uma pipa de tinto à taberneira de Casal Parado, e esta a metera na cama do caixeiro viajante que lhe fornecia os brioches de que tanto gostava, e lhe transformavam cada pequeno almoço num ritual de prazer e bem-aventurança, inspirando-lhe os negócios para o resto do dia. Fora breve na iniciação, que o operador era de rompantes misteres e andava precisado de carne nova, a quem doessem as suas fracas posses, pois se acertava como macho dos antigos de muita parra e pouca uva, e sentia mais prazer na dor e no gemido do que no acto compartido.
Ao princípio magoara-lhe a sina tida, doeram-lhe assim por dentro as entranhas, todavia com o correr das cortinas conformou-se, habituou-se ao costume de arrear o hábito, abriu-se de escancaras às benfeitorias do rancho untado na tulha farta da patroa, montou esteira com horário nobre (das 15 às 23:50 horas - excepto aos domingos, que eram dias santos) no quarto dos fundos, entre os fardos de bacalhau e sacos de arroz, e abotoou-se com as gorjetas dos que achavam que ela merecia mais do que os 20 paus que a taberneira apreçara por cada visita. Alguns foram tão bem servidos que lhe puseram outro tanto em mãos, só para darem uma marca de marxismo ao lenocinismo explorador da proprietária do estabelecimento. Gratos. E revolucionários.
Outros, depois da coisa feita ainda regateavam a carestia do serviço, atidos pela semelhança na função, público da reserva pública era o que era, que só mostrava bons modos quando precisava que lhe aprovassem os orçamentos para a engenharia dos dias, mas a quem, logo que obras em vias, cortava nos materiais para ajustes e garantia dos respectivos complementos profissionais...
Só que, é claro, o nascimento soou-se na freguesia, e os hipotéticos ou possíveis pais, organizaram visitas de estudo ao rebentinho a ver se era seu descendente. Uns que sim; outros, que não. Instalou-se a dúvida e confusão em muitas consciências, para as quais o peso, nem sempre era contrabalançado pelo tamanho dos cornos das esposas, umas mais sentidas que outras, quer católicas e bragantinas como devassas desde o berço amuralhado nos vímaros henriquinos do condado. Então fizeram-se apostas, sondagens e, finalmente, foi-se a votos, para definir em definitivo o provisório direito da paternidade. Restaram três, de quantos por experiência no ir às gajas, aparentavam melhor nas feições e tiques no mamar, que é conduta com que se acondutam as promessas de futuro que, embora se aperfeiçoam no colo da amamentação, tem as suas origens nos códigos e livros brancos da pré-natalidade. Ora, como terceiro, não era arde nem reich, puseram-no de fora por falha do sistema, restaram dois candidatos de peso.
De coimbrã académica salteou-se a parlamentária alfacinha, que de futrica aproveitara há muito o f... em legislaturas várias. Porém, a mãe e avó insatisfeitas, avaliaram as expectativas, abonos, contas-correntes, vantagens competitivas, facilidades na educação, oportunidades formativas, directivas póstumas na controvérsia dos planos e tratados, estratégias e estratagemas missionários, e a mãe optou por conceder o voto de qualidade à descendente e herdeira detentora do cargo em título, sem quarentena para qualquer gripe, e única com registo incontestável no xarope da verdade: «Diz tu filha, tu é que sabes, tu é que viste o desempenho que cada um teve, nesse dia...»
Então ela disse «foram os dois mãezinha, foram os dois a meias», como todos puderam ouvir, enfim testemunhar, que aqui não se mente, «sim mãezinha, foram os dois, foram os dois, que naquele dia não trabalhei para mais ninguém, e mesmo assim não 'tive um bocadinho parada».
Era a vitória do bloco central. E os demais montaram-se nos seus lindos carrinhos para desfilar em voltas e voltas aos burgos, buzinando embandeirados cantando o hino e gritando Viva República!
«Apelidos: família da mãe?»
«Esmeralda», respondeu de pronto a avó.
«E do pai?»
«Incógnito», afiançou a mesma, respondendo em compenetrado e místico êxtase, a fim de inculcar algum ar de tradição à solenidade do momento.
Na falta de pai, a mãe e avó acataram o manuscrito com galhardia e decoraram-lhe o nome completo para futuras utilizações: Benvindo Bem-Vindo Esmeralda Incóginto. Disseram-no de seguida ao ouvido do recém-nascido como quem segreda a localização dum tesouro salomónico ou o sésamo código de afortunado cofre. Soletraram-no diversas vezes de si para consigo, como quem reza a Santa Bárbara Bendita em vista de infernal trovoada, mas foi a veterana matriarca quem melhor legendou o momento, interpretando-o à luz do progresso, da ordem, da família e de São Tinto, e de como ele iria condicionar a posteridade delas, num futuro senão próximo, pelo menos com prazo certo ou ainda em vida de ambas.
«Até parece nome de fidalgo. Nós só temos dois», comentou Isabel Esmeralda para Madalena Esmeralda sua filha, e mãe do privilegiado rebento, rematando o considerando com a formulada mágica do seu contentamento: «Benvindo Bem-Vindo Esmeralda Incógnito. Isto sim, que é um nome!»
«Quando tiver dezoito anos há-de tirar a carta, mãe», vaticinou Madalena, a garantir que o nome era propício e prometia conduzir os destinos da estirpe das esmeraldas (perdidas) muito para além da mercearia na esquina da rua.
«Pois há-de», confirmou a preciosa e precoce anciã, que aos trinta frescos já era avó e empresária de sucesso.
Começara na vida mais nova que a filha, mal fizera treze primaveras, numa sexta-feira de traições em que o pai a vendera por uma pipa de tinto à taberneira de Casal Parado, e esta a metera na cama do caixeiro viajante que lhe fornecia os brioches de que tanto gostava, e lhe transformavam cada pequeno almoço num ritual de prazer e bem-aventurança, inspirando-lhe os negócios para o resto do dia. Fora breve na iniciação, que o operador era de rompantes misteres e andava precisado de carne nova, a quem doessem as suas fracas posses, pois se acertava como macho dos antigos de muita parra e pouca uva, e sentia mais prazer na dor e no gemido do que no acto compartido.
Ao princípio magoara-lhe a sina tida, doeram-lhe assim por dentro as entranhas, todavia com o correr das cortinas conformou-se, habituou-se ao costume de arrear o hábito, abriu-se de escancaras às benfeitorias do rancho untado na tulha farta da patroa, montou esteira com horário nobre (das 15 às 23:50 horas - excepto aos domingos, que eram dias santos) no quarto dos fundos, entre os fardos de bacalhau e sacos de arroz, e abotoou-se com as gorjetas dos que achavam que ela merecia mais do que os 20 paus que a taberneira apreçara por cada visita. Alguns foram tão bem servidos que lhe puseram outro tanto em mãos, só para darem uma marca de marxismo ao lenocinismo explorador da proprietária do estabelecimento. Gratos. E revolucionários.
Outros, depois da coisa feita ainda regateavam a carestia do serviço, atidos pela semelhança na função, público da reserva pública era o que era, que só mostrava bons modos quando precisava que lhe aprovassem os orçamentos para a engenharia dos dias, mas a quem, logo que obras em vias, cortava nos materiais para ajustes e garantia dos respectivos complementos profissionais...
Só que, é claro, o nascimento soou-se na freguesia, e os hipotéticos ou possíveis pais, organizaram visitas de estudo ao rebentinho a ver se era seu descendente. Uns que sim; outros, que não. Instalou-se a dúvida e confusão em muitas consciências, para as quais o peso, nem sempre era contrabalançado pelo tamanho dos cornos das esposas, umas mais sentidas que outras, quer católicas e bragantinas como devassas desde o berço amuralhado nos vímaros henriquinos do condado. Então fizeram-se apostas, sondagens e, finalmente, foi-se a votos, para definir em definitivo o provisório direito da paternidade. Restaram três, de quantos por experiência no ir às gajas, aparentavam melhor nas feições e tiques no mamar, que é conduta com que se acondutam as promessas de futuro que, embora se aperfeiçoam no colo da amamentação, tem as suas origens nos códigos e livros brancos da pré-natalidade. Ora, como terceiro, não era arde nem reich, puseram-no de fora por falha do sistema, restaram dois candidatos de peso.
De coimbrã académica salteou-se a parlamentária alfacinha, que de futrica aproveitara há muito o f... em legislaturas várias. Porém, a mãe e avó insatisfeitas, avaliaram as expectativas, abonos, contas-correntes, vantagens competitivas, facilidades na educação, oportunidades formativas, directivas póstumas na controvérsia dos planos e tratados, estratégias e estratagemas missionários, e a mãe optou por conceder o voto de qualidade à descendente e herdeira detentora do cargo em título, sem quarentena para qualquer gripe, e única com registo incontestável no xarope da verdade: «Diz tu filha, tu é que sabes, tu é que viste o desempenho que cada um teve, nesse dia...»
Então ela disse «foram os dois mãezinha, foram os dois a meias», como todos puderam ouvir, enfim testemunhar, que aqui não se mente, «sim mãezinha, foram os dois, foram os dois, que naquele dia não trabalhei para mais ninguém, e mesmo assim não 'tive um bocadinho parada».
Era a vitória do bloco central. E os demais montaram-se nos seus lindos carrinhos para desfilar em voltas e voltas aos burgos, buzinando embandeirados cantando o hino e gritando Viva República!
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