Player before Birth, por Louis Macneice

Súplica Antes de Nascer
(Player before Birth)

Ainda não nasci; escutem-me!
Não deixem nunca o morcego sanguissedento ou a ratazana ou a doninha ou o vampiro de pés aleijados chegarem ao pé de mim.

Ainda não nasci; consolem-me.
Temo que a raça humana com altas paredes me emparede, com drogas fortes venha a drogar-me, com enganos sábios enganar-me, em negras prateleiras e em banhos de sangue ensopar-me.

Ainda não nasci; dêem-me
Água para embalar-me, erva a crescer para mim, árvores que falem comigo, céu que cante para mim, pássaros e uma luz viva atrás do meu espírito, para me guiarem.

Ainda não nasci; desculpem-me
Os pecados que o mundo em mim vai cometer, as minhas falas quando me falarem, meus pensamentos quando me pensarem, minha traição engendrada por traidores atrás de mim, minha vida quando assassinarem por meio de minhas mãos, minha morte quando vivam por mim.

Ainda não nasci; contem-me
Os papéis que hei-de desempenhar, as minhas deixas quando os velhos me admoestem, burocratas me maltratem, os montes me façam má cara, amantes se riam de mim, as brancas ondas queiram entontecer-me, quando o deserto me chame para condenar, o mendigo recuse a minha esmola e os filhos me maldigam.

Ainda não nasci; oh! escutem-me,
Não deixem que se aproxime de mim o homem brutal ou o que se julga Deus.

Ainda não nasci; encham-me
De força contra aqueles que queiram congelar a minha humanidade, constranger-me a ser autómato letal, que queiram fazer de mim dente de uma engrenagem, uma coisa com face, uma coisa, e contra aqueles que queiram dissipar o meu todo, queiram assoprar-me como lã de cardo, para cá, para lá, ou pra cá pra lá, como água apanhada nas mãos, queiram entornar-me.

Não deixem que façam de mim uma pedra ou me entornem.
Caso contrário, matem-me.


Louis Macneice – 1907-

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