É preciso descolonizar o Estado

De quando os exemplos não passem disso mesmo…e até possam vir de cima!



“Abre mão das poesias,
que nenhum préstimo têm,
e cuida em sólidos meios
de ganhar algum vintém.

Se dizes que contra os versos
em verso uma carta ordeno
e que aqui me contradigo,
praticando o que condeno,

A teu forçoso argumento
respondo com Frei Tomás:
faze o que o pregador diz,
não faças o que ele faz. "

Nicolau Tolentino (1740-1811)



Tal como na indústria e comercialização de produtos electrónicos e de comunicações, estar doente em Portugal precisa de um autêntico curso de utente do SNS, de operador burocrático e/ou de descodificação dos diversos manuais de utilizador, livros de instruções que impreterivelmente andam anexos à área afetada, do género faça você mesmo ou como complicar tudo aquilo que é fácil e óbvio, desobviar toda e qualquer clareza processual existente, em nome do rigor, do corporativismo, da racionalização de recursos e da (in)competência modelar, sistemática e doutrinal. Até porque ninguém duvida da razão que aconselha descolonizar o Estado desse corporativismo abjeto que gerou a “situação explosiva” em que nos encontramos e que nos impede de nos libertarmos da grelha que está a apertar-nos cada dia mais, ajudada pelo défice e endividamento do país.
Senão, vejamos. Aprofundar a democracia, o que inclui aumentar o número de democratas por metro quadrado do nosso território, seja essa democracia social ou socialista, bem como contribuir para a definição clara e inequívoca da sociedade do conhecimento e da informação, passa imprescindivelmente pelo reconhecimento humanizado das dificuldades, limites e circunstâncias do outro, na direta contemplação da Constituição da República, do Tratado Europeu e dos Direitos do Homem que lhes está apensada. E a ideia nem é nova, visto que já Francisco Sá Carneiro a enunciava no último Conselho Nacional do PSD em que participou, precisamente em 18 de Outubro de 1980, reiterando que tinha para si que se impunha ao Partido Social Democrata “uma reflexão sobre o que é que deve ser a social-democracia em Portugal, quais os valores fundamentais a prosseguir, como prossegui-los, quais as implicações para os diversos estratos, desde a juventude aos socioprofissionais, às empresas, à orientação económica, à orientação da política social. Tudo isso tem que ser aprofundado entre nós.”
Ora, aconteceu que o imponderável surgiu sob a forma duma fatalidade, e não pôde Sá Carneiro ir além das palavras, concretizando as suas teses em políticas e práticas efetivas, embora o ideal social-democrata não tenha perecido com ele, pelo menos a considerar pelas vezes que foi o partido por ele fundado arauto da governação, como anteriormente esteve com a AD e Aníbal Cavaco Silva, quer como oposição empenhada e responsável, à semelhança do que sucedeu antes destas eleições que lhe trouxeram, sob as orientações e estratégias de Passos Coelho, novamente o ónus – ou, tendo em conta o atual estado da economia e do país, será mais adequado dizer o handicap – da administração do Estado e do governo.
É provável que Mário Soares noutras alturas e por diferentes motivos tenha dito exatamente o mesmo por parecidas palavras, mas a propósito do socialismo democrático, o que não retira valor nenhum ao atrás enunciado nem acrescenta coisa alguma ao que adiante se dirá. Sobretudo porque não interessa de onde venham as boas ideias, desde que venham em formato de ideias e não de ordens ou ultimatos, e se verifique que a sociedade portuguesa estará sempre disponível para rever as ideias já tomadas como para se insuflar e adoptar as novas, segundo salientou Passos Coelho na Assembleia da República, aquando da apresentação do Programa do XIX Governo, registo positivo sem dúvida alguma, e que nos aconselha de como convém relembrar as palavras de Francisco Sá Carneiro no Discurso de Abertura do I Congresso do PPD, em 1974, em que punha acento tónico e imperativo no fato de que “nunca nos definiremos por negação ou ataque às outras correntes políticas, sejam elas quais forem. [Mas] sim pela afirmação clara da única via que, de
acordo com o que mostra a História, permite pôr termo às desigualdades e injustiças existentes nas sociedades europeias sem pôr em risco as liberdades fundamentais e a dignidade da Pessoa Humana”, para que o “cumprimento dos objetivos do programa de ajustamento da economia portuguesa[, que] terá precedência sobre quaisquer outros objetivos” (Passos Coelho), se faça de forma a contribuir para o fim do atual estado de coisas, em que os portugueses com habilitações próprias e escolaridade mais que suficiente deixem de ser obrigados a emigrar para arranjar emprego, enquanto os/as graxistas e lambe-botas amesendados na função pública, inábeis para o serviço, admitidos por cunha ou rotativismo político-eleitoral, lhe estão a ocupar os postos de trabalho, prejudicando seriamente o país, a governação e os utentes/utilizadores dos ditos serviços, nomeadamente na área da saúde, que é onde esse flagelo mais se faz notar.
Eu sei que qualquer governante gostaria de manter os funcionários públicos calados e contentes, por mais imprestáveis que muitos sejam e careçam do saber estar e saber ser que observe o estipulado pelos Direitos Humanos, pela Constituição da República e pelo Tratado da União, todavia é impossível mudar de rumo e alcançar progressos no combate às injustiças e desigualdades em prol da dignidade da Pessoa Humana, se essa expurga dos maus funcionários não se verificar em tempo útil e de forma acelerada, se não quisermos falhar os compromissos constantes do memorando da Troika, aumentando a insustentabilidade económica, social e política, conforme traduziu a inquietação do nosso presidente da República nas últimas declarações aos mass media nacionais, o que não espelha qualquer alarmismo mas antes uma prudência ganha naquele tipo de saber de experiência feito que de acordo com o que mostra a História nos pode – e deve! – gizar as linhas do futuro.
Nem mais, que pensar e agir de outro modo seria poesia (de má índole e piores efeitos, por muita irrealidade e ilusão acender), ou retórica de Frei Tomás cuja qualidade suprema somente residia no que dizia mas nunca no que fazia. E quem não quer ser frade, não lhe usa o hábito!

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