A Indiferença só prolifera onde falta a Diferença


Pedro e o Lobo

“ – A minha ambição não é pessoal – dizia-me [Francisco Sá Carneiro] em Berlim e foi-mo repetindo nos anos que se seguiram. – A minha ambição é estética. Quero chegar, democraticamente, ao poder para que as coisas funcionem com harmonia, para que acabem as aberrações e as originalidades à portuguesa. Acredito numa sociedade portuguesa moderna, livre, europeia, capaz de se transformar a si própria, através de reformas sucessivas que não se limitem aos aspetos políticos, mas abranjam também o plano económico e social.”
In Francisco Pinto Balsemão, A Conversa de Berlim e o Estudo que Está por Fazer, Editorial da Revista Progresso Social e Democracia, nº 3, Vol. II, Junho de 1984.

A história é bastante antiga. Tão velha, mas tanto, que a maior parte das pessoas já lhe conhece a moral de nascença, algo que lhe vem por via genética. Está-lhes no sangue, e por herança. Portanto, repetir que as ações de cosmética político-sistemática já não pegam, tornou-se numa espécie de cliché.
E o recado das agências internacionais de mercado que foi dado a Portugal não poderia ter sido mais claro do que foi: a dívida soberana portuguesa é, simples e inequivocamente, LIXO. Ora, se a Europa conhece Portugal melhor que as agências de rating, como se depreende do “discurso” de Durão Barroso, quando diz que nós – e esse nós deve ser o majestático para BCE, FMI e Comissão Europeia… – “conhecemos melhor Portugal do que as agências internacionais”, então não restam dúvidas que o melindre é totalmente injustificado. O mercado não se deixa enganar, nem mesmo quando prefere demonstrar que engoliu a fava na boa e sem qualquer ressaibo. O mercado, e o algodão!
Presentemente tem que se ir mais longe fazendo melhor, porque a época é diferente das que anteriormente vivemos, a conjuntura e as circunstâncias são outras, a Sociedade é diferente – e a função do Estado também. Já lá vai o tempo em que as interrogações de José Luís Aranguren eram, além de pertinentes, uma incompreendida ousadia. Porquanto hoje ninguém desconhece que se a “historiografia do século XIX foi a dos Estados nacionais, e a do século XX a dos internacionalismos, então a historiografia do século XXI é a historiografia do supranacional”. Num país ou num partido político, numa região ou num qualquer organismo público, num órgão de soberania como numa instituição, o direito de existir implica a obrigação de agir e atuar. O direito à diferença obriga a ser diferente, e isso só se nota quando se alteram significativamente as condições e os recursos.
E Portugal tem que sê-lo (diferente), não pela arruaça e fuga para a frente, pela batota da renegociação sem termos nada para oferecer em troca de facilidades, mas pelo sentido de responsabilidade e compromisso, pelo empenho e criatividade, pelo empreendedorismo e capacidade de inventar novas soluções para os novos problemas que em catadupa nos hão de surgir. Andar a difamar os árbitros para contestar os resultados não é uma atitude adulta e muito menos democrática. Adiar a amputação total de alguns órgãos contaminados pelo corporativismo obsoleto e cancerígeno apenas nos vai prolongar a agonia e espalhar mais metástases pelos demais órgãos “ainda úteis e saudáveis”, e não erradicar o défice existente. Portanto, o caminho a seguir é sobejamente claro e óbvio!
Ou seja, as medidas para inglês ver não pegam. Não se pode continuar a fazer mudanças do tipo faz-de-conta para tudo ficar na mesma; mudanças do género “outras” caras, outras chefias, outros nomes para as instituições e organismos públicos, outra maneira de contabilizar os gastos e os custos, a que comummente chamam investimento, ou outras políticas e diretrizes. Não pega, e pronto. É preciso agir, concretizar no terreno as promessas assumidas do memorando da troika, e para isso, não basta transformá-las em Programa de Governo, XIX ao caso, e só no fim é que alguém dirá, talvez desta vez não seja mais um bluff para sacar umas massas aos tutores financeiros. Em matéria de convergência se não tivemos mau, foi porque tivemos quem nos puxou para medíocre. No capítulo do desenvolvimento sustentado, baldamo-nos categoricamente – e ainda baldamos. Na política socioeconómica, aí é que sentimos profundamente as alterações climáticas: metemos água que dava (para) três sismos/tsunamis com epicentro na Trafaria.
Política não é como o futebol onde, quando perdemos ou o resultado não é aquele que esperávamos, a culpa é sempre do árbitro. Das agências de avaliação ou rating. Não foram tomadas as medidas adequadas e depois culpamos as agências internacionais, invectivando-as de defenderem interesses americanos e obscuros. De serem mal-intencionadas e maliciosas. E esquecemos que já Natália Correia classificava tal conduta de criancismo… Quem é queremos enganar? As agências e mercados internacionais ou a nós mesmos?
Provavelmente não temos cura. Só sabemos sacudir a água do capote. De preferência para cima do vizinho do lado. Agora, se os espanhóis fizerem o mesmo, aqui d’El Rei! São murros no estômago prà’qui, pontapés no cu prà’li, rasteiras acolá.
Haja vergonha na cara. Os mercados precisam de ver os números do défice a baixar, não por consequência da alteração das fórmulas de cálculo, mas por observarem no terreno que os parasitas ligados ao SNS, à Educação, ao poder local, à Cultura, ao Turismo, ao Ensino Superior, à Justiça e Segurança, aos Assuntos Sociais, à Administração Central, Regional e Local, enfim, às circunscrições da coisa pública, sobretudo os inúteis e disfuncionais, os sem habilitações e menos consciência cívica, os irresponsáveis e incompetentes, estão a ir para outras bandas, de preferência para emigração que é o destino para onde estão a empurrar os recém-formados sem colocação neste país. Acabou o tempo das coreografias de mudar de caras e continuar com a mesma vergonha (nacional).
Em resumo, se o lobo é maior e a história é outra, então, porque é que o Pedro é o mesmo? Frontalidade, objetividade e coragem política, como a cautela e os caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém e, pelo contrário, podem até fazer o bem.
Desde há milénios que sempre foi a falta de diferença que gerou a indiferença. É essa a particularidade da arte. Incluindo a de governar, como apontou Maquiavel. E o que é preciso, é ambição estética!
Pois.

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