Soneto de Filinto Elísio (1734-1819)

Estende o manto, estende, ó noite escura,
Enluta de horror feio o alegre prado;
Molda-o com o pesar de um desgraçado,
A quem nem feições lembram da ventura.

Nubla as estrelas, céu, que esta amargura
Em que se agora ceva o meu cuidado,
Gostará de ver tudo assim trajado
Na negra cor da minha desventura.

Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
Rebente o mar em vão n’ocos rochedos,
Solte-se o céu em grossas lanças de água.

Consolar-me só podem já pesares;
Quero nutrir-me de arriscados medos,
Quero saciar de mágoa a minha mágoa!


(Nota: Caraterístico das almas românticas, o sentimento do noturno, aparece em Filinto Elísio e adquire neste soneto uma das suas mais belas expressões. Se salientarmos o tom veemente e exagerado predominante na composição, que culmina na redundância final ao encher de mágoa universal a mágoa particular do autor, notamos sobremaneira como os efeitos puramente românticos ainda continuam a funcionar no arrebatamento inicial das leituras atuais.)

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