COMO VAMOS DE CIDADANIA?
COMO VAMOS DE CIDADANIA?
“Todos nos refugiamos em formalismos. É preciso derrubar essa
parede onde se esconde a ignorância, a preguiça, a promiscuidade de interesses
e a cultura do favor para permitir deixar entrar a luz do sol. A luz do sol
cura”, como afirmou Ricardo Sá Fernandes, em entrevista ao jornal i, de 11 deste mês. E ele tem absoluta
razão nisso, além de em muita outra coisa, o que, quer queiramos, quer não,
dificilmente evitaremos ter de reconhecer. O país enferma de mediocridade e
salamaleque, e todos, como todas, fogem da verdade como o diabo da cruz. Embora
dessa fuga não resulte a positiva mudança de atitude, pelo que me inclino mais
para reconhecer que o que realmente temem não é a verdade em si, mas que ela
seja divulgada, conhecida e mostrada. Ou, como diz, o povo, que às vezes não
prima lá muito pelos valores da honestidade e galhardia, vergonha mesmo não é
roubar, mas ser apanhado a fazê-lo.
As organizações democráticas, sobretudo as que compõem o poder
local, desconhecem, na maioria, o que é a democracia, exercem o poder como se
este não fosse sujeito a regras nem a ditames constitucionais. Já ouviram falar
dos Direitos do Cidadão, dos Direitos do Homem, e até da Constituição da
República, mas são muito poucas as pessoas dentro delas que agem em
conformidade com estes, desconfiando eu, com larga margem de certeza, que não o
fazem por mal, mas porque não sabem ler, e esses documentos normalmente não
aparecem em edições áudio. Fazem porque nunca os leram, ou leram tão na
diagonal que lhe distorceram o sentido. E agora refugiam-se exatamente nessa
ignorância para os não cumprir. Liberdade, igualdade, respeito, dignidade,
integridade física e moral, são conceitos estranhos que nada lhe invocam, nem
convocam, pelo que os não reconhecem em relação seja a quem for desde que não
pertença aos membros do pessoal dessa organização, ou confrades. Ou
paroquianos.
Creio mesmo que sentem um excelso prazer em violá-los, porquanto
a sua consequente impunidade, lhes outorga majestade e lhes dá a exata medida
do seu poder sobre os mais fracos e desprivilegiados, os mendicantes sem
ordenado de (santo) ofício, proporcionando-lhes degustar os mais variados
frutos da árvore da corrupção, sem que ela estremeça ao colhê-los, incentivando-os
a segredarem-se de como podem estar sempre acima da lei e da civilização, ainda
que o Estado que os patrocina se diga de direito e civilizado, como diz que é o
nosso.
Ora vem a prédica no sentido, quiçá revolucionário!, de haver
hoje em dia quem considere que o principal desafio da atualidade reside
essencialmente no esforço que temos que fazer para implantar a cultura da
transparência e da cidadania, erradicando a sua contrária (do favor e da
hipocrisia) neste Portugal, tão pequenino mas tão múltiplo, nas suas regiões e
cidades, onde se continua a cultivar o obscurantismo subserviente e
corporativista como se fosse um produto de região demarcada com alto
valor-acrescentado. E eu estou com esses homens e essas mulheres que não
assobiam para o lado quando veem algo certo ou errado. Alguma vez o iremos
conseguir? Queremos mesmo consegui-lo? Os proprietários da coisa pública, seus
encarregados e capatazes, tudo farão para o impedir. E com o nosso voto. Com o
dinheiro dos nossos impostos. Com a nossa ajuda. Com a nossa indiferença. E com
a nossa falta de cidadania.
Joaquim Castanho
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