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Mostrando postagens de maio, 2008

A Lavadeira, do Eurico

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Das lavadeiras que as águas dos tempos devolvem à cidade... Não sei quem era o Eurico portalegrense, nem tampouco o que fazia, mas o que é certo, é que ao tempo a que pertence, Maio ou Junho de 1898, um tal Eurico aqui havia, sentindo coita e dano por um biscoito, com que uma lavadeira chamada Maria molhava o pano, e pior, além de lho molhar também lho torcia, espanejava e batia, com vigor tamanho que lhe escurecia e abalava a musa, punha negrume na tusa, obrigando-o a ensaboá-la com poesia, num suplemento cultural e literário de A Plebe , tão vetusto e plural, que igualmente aí se tecia, a notável biografia, do Barão de Machial. Eis a pérola: A LAVADEIRA A lympha mirando Que branda deslisa Batida da brisa Tão fria, Na margem do rio Tão junto à corrente Que tens tu na mente, Maria? Fitando a areia D'um branco doirado De rosto inclinado Na mão, Que ideias o peito Te vem embalar Fazendo o pulsar Em vão? Não sabes, Maria, Que negro desgosto A côr faz do rosto Perder? Afasta, bem longe

Evan Hunter

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Há capas que dizem quase tanto como os livros que dentro de si guardam (continua)

Um Filho do Circo, de John Irving

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Um Filho do Circo John Irving Trad. Eduardo Saló 622 Páginas Um médico indiano de ascendência persa, uma das minorias étnicas da Índia, formado na austríaca Viena e com residência no Canadá, apaixonado pelo circo, após adoptar um dos gémeos de produção independente de uma estrela (apagada) de cinema de Hollywood, dados à luz durante uma rodagem por Bombay, resolver dedicar-se ao guionismo cinematográfico, com o fim explícito de criar um papel para o já crescido menino, que se transfigura assim num actor e detective ímpar. Como se não bastasse, este médico é também membro de um clube elitista onde, por incúria do destino e dos deuses trombudos, um serial killer , que inspirou e se inspirou no script do seu mais famoso filme, decide atingir o clímax da sua carreira de assassino, que afinal é uma assassina, graças à operação de mudança de sexo efectuada na Londres da permissividade, envolvendo todas as personagens numa inquietação sherlockiana só possível numa Índia extraordinariamente

Nove e a Morte São Dez

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Nove e a Morte São Dez Cárter Dickson Trad. Catarina Rocha Lima 224 Páginas Com um exemplar da família dos Crimes em Quarto Fechado , Carter Dickson, ou John Dickson Carr, que vem a dar no mesmo indivíduo, estabelece uma trama detectivesca, a descambar para a de espionagem, onde a confusão e número são parentes próximos senão os principais personagens, ou protagonistas. E é precisamente a definição do número – esta coisa dos números quando se metem nas letras dá sempre enredos bicudos, capicuas de obradura, diremos… –, quem vai forjando as diversas confusões. Primeiro, é a do quantitativo dos passageiros do paquete – outra!... – que transporta material de guerra, tipo cargueiro, em que, conforme o título, seriam nove, mas só aparecem oito, que afinal são sete quando parecem dez. (Ou não?... Bom: o melhor é mesmo ficar por aqui, e contar apenas pelos dedos!) Em seguida são os detectives. Que começam por ser um, mas passam a dois, depois três, quatro, quando a deusa do génio resolve bene

À Beira do Abismo

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À Beira do Abismo Título original: The Big Sleep Raymond Chandler Trad. Baptista de Carvalho Capa de Rosa Duarte 230 Páginas Nos livros de Raymond Chandler, mesmo quando se estão a retratar as situações mais complexas e difíceis, há sempre um bom pedaço de perna que se pode apreciar, um whisky que não sabe a remédio pràs lombrigas e cigarros que ardem com notória e aromática desenvoltura. E pelo enquadramento narrativo quem bitola é o modelo do puzzle. É a Philip Marlowe quem cabe juntar as peças, colocando cada una en su sitio , a fim de que possamos usufruir do quadro geral. Por vezes transcende-se, e faculta-nos uma réstea da sua filosofia de vida, qual visco machista, sexista, de bem-parecido, de modo a permitir-nos a colagem, unindo as franjas soltas e nos desentediarmos até ao final. Não lhe conhecemos defeitos de maior, além do ser honesto e desconfiado com as mulheres. Até porque, ao que consta, sabia muito bem como elas mordem. Enfim, elas são capazes de tudo. Ou quase. E qua

Fundação, de Isaac Asimov

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Fundação Isasc Asimov Trad. J. Santos Tavares Após a descoberta da Psico-História, o Império Galáctico encontra-se à beira de uma ruptura irremediável e que pode atingir um grau definitivo e derradeiro. Em vista disso, Trantor, o planeta-nação sede, decide exportar a sua comunidade universitária para dos planetas desabitados nos extremos opostos da Galáxia: Terminus e Fundação. Neste último, que foi delineado como o refúgio científico, ou meio pelo qual a ciência e cultura do Império (moribundo) seriam preservadas, através dos séculos de barbárie, então começados, estabelecendo-se para isso, como estratégia de relacionamento entre os planetas-nações circunvizinhos, uma atitude missionária do conhecimento, formando aquilo que poderemos denominar, de autêntica Religião da Ciência. Pelo que será no seu seio que se fundamentarão as bases do II Império, numa aposta desesperada – mas decidida – para garantir a sobrevivência da humanidade e o equilíbrio do universo. Contudo, essa tentativa n

John Dickson Carr versus Carter Dickson

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Diz, ou melhor, disse John Dickson Carr acerca de si próprio, como entrada, aperitivo, para a edição portuguesa do Lord of Sorcerers , que a Colecção O Escaravelho de Ouro , em tradução de M. da Motta Cardoso, e capa de Rosa Duarte, publicou em 6º número, como Aviso Sinistro , em 1950, serem duas as personagens fulcrais na sua obra: o Dr. Gildeon Fell – para os livros assinados com o seu verdadeiro nome – e Sir Henry Merrivale, ou mais simplesmente H. M., que pontificaria nas obras de Carter Dickson, o seu "alter ego". O que faz com que sejam as personagens principais (os protagonistas) a estabelecerem a diferença fundamental entre dois nomes de génese idêntica e para o mesmo género (o policial), onde os estilos comuns a ambos se cruzam numa titulagem igualmente próxima (v.g., O Barbeiro Cego, O Enigma da Virgem de Ferro, O Sinal do Morto, O Oito de Espadas – de John Dickson Carr; ou Desafio à Polícia, Os Crimes da Viúva Vermelha, 5 Caixas = Morte, Desafio ao Leitor, A Mort

Morte Dupla, de Dorothy Sayers

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Morte Dupla Dorothy Sayers e Outros Trad. Eduardo Saló 228 Páginas Dos sete autores policiais que colaboraram neste volume, cuja ideia coube a James Drawbell, editor do Sunday Chronicle , secundado nas responsabilidades por William Lees, editor do Allied Newspapers , apenas dois são realmente conhecidos do grande público português: David Hume e Dorothy Sayers. O primeiro desde mil novecentos e cinquenta e qualquer coisa, com a publicação entre nós de Os Mortos Não Discutem e Sinistra Partida!, este datado de 1953, traduzido por Mário Domingues, para a Colecção Máscara , da Editorial Dois Continentes; a segunda, pelo menos desde que se estreou na Colecção Vampiro, da Livros do Brasil, em 1949, com Qual dos Cinco , a que se seguiram Crime Perfeito, O Mistério do Bellona Clube, O Crime Exige Propaganda, Intriga e Veneno, O Gato de Diamantes, Quem Matou o Almirante e As Férias do Carrasco . E que, aliás, vem também a ser publicada pelas Edições70, na Colecção Alibi , nas parcerias A &qu

Duas Preciosidades

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O Homem da Montanha Dino Buzzati Trad. de Rosália Braacamp Capa de António Domingues Colecção Os Livros das Três Abelhas Publicações Europa-América, 1960 A Confidência Imperfeita André Gide Trad. António Ramos Rosa Capa de Infante do Carmo Colecção Miniatura Livros do Brasil

Pequenas Maravilhas

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Um Mundo Perdido Henri Bosco Colecção Biblioteca dos Rapazes da Portugália Editora Capa de João Câmara Leme Trad. de Maria Helena da Costa Dias Segunda página 9 Novelas de Antecipação Americanas Trad. de Rafael Alberty Capa de Miguel Flávio Colecção COR de Bolso (nº 12) Edição de Estúdios COR - 1964 E em terceiro lugar... O Corredor Jean Reverzy Trad. de José Manuel Calafate Capa de Infante do Carmo Colecção O Livro de Bolso Portugália Editora

Mundo Marciano, de Ray Bradbury

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O Mundo Marciano Ray Bradbury Trad. Fernando de Castro Ferro 248 páginas No poema A Invenção do Amor , de Daniel Filipe, um dos perseguidos apaixonados lia, ao momento, as Crónicas Marcianas , quando foi sequestrado pela urgência da dita "invenção", instante a partir do qual a sua vida sofreu uma transformação de 180 graus. Não havia no texto, como em rodapé, ou nota suplementar, qualquer referência quanto à autoria das Crónicas , mas mesmo assim lá desencantei o livro nas prateleiras amarfanhadas de uma biblioteca pública. Foi precisamente esse o meu primeiro contacto com Ray Bradbury. Por cunha, é certo, e sob a influência indesejável de um poeta, como, ao que parece, todos são quando se fala de literatura, pois nunca aconselham esses monos e pincéis chatos e cinzentões que aqueles que raramente lêem, ou quando o fazem, fazem-no com motivações "superiores" políticas ou moralistas bastante definidas e intencionais, costumam aconselhar, todavia com esforçada regul

Mary Anne, de Daphne du Maurier

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Mary Anne Daphne du Maurier Trad. Maria Irene Daun e Lorena 424 páginas Mulher e escritora inglesa que atravessou quase todo o século passado (1907-1989), Daphne du Maurier é sobejamente conhecida entre nós, não só como acontece no resto do mundo, pelo reconhecimento natural do seu estilo, peculiarmente atraente, fácil e objectivo, isto é, que vai direito aos assuntos que quer escamotear, sem chicoelinas nem maneirismos, mas também porque a quase totalidade da sua obra – contos, romances, memórias, biografia – foi intencionalmente traduzida para português, de cá como de lá do Atlântico, onde títulos como Rebeca, O Outro Eu, A Sorrir Também se Vence, Os Pássaros e os Outros Contos Macabros, A Pousada da Jamaica, Prima Raquel, Voo do Falcão e a Casa da Praia , se tornaram familiares aos leitores, incluindo os mais escrupulosos, como a cinéfilos, uma vez que destes derivaram outras tantas adaptações cinematográficas, que o circuito comercial nos facultou. Mas é da história "verídica

poetasportuguesesdoseculo21: sara costa

poetasportuguesesdoseculo21: sara costa

António Botto: Real e Imaginário

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António Botto: Real e Imaginário António Augusto Sales 256 Páginas Canção Mutilada A tarde cai amaciando a terra, E enchendo-a de miragens tentadoras Enquanto o sol, Nos últimos alentos, Se prende nos galhos de um arbusto Que, ressequido, à beira de uma ermida, Parece o próprio símbolo da Vida. De enxada ao ombro, alguns trabalhadores, Pisam o pó e as pedras dos caminhos – Como bandeiras humanas Movidas pelo infortúnio, Sem alegria, sórdidos, curvados Mas enormes no seu frémito de luta! Ah!, nem a morte quer os homens Quando eles são desgraçados! As estrelas lá, no alto, Riscam cintilantes brilhos. E em bandos – Os maltrapilhos, Silenciosos e ateus, Zombam do Amor E até de Deus! A miséria Quando atola O homem nos seus negros labirintos, Dá-lhe, também, a loucura Dos mais trágicos instintos... Agora, neste momento, A noite – É uma imensa realidade... E eu julguei ver a Justiça Afundar-se na penumbra Da sua inútil realidade. (Poema de António Botto, que encerra o livro de contos Imagens

Crisfal, de Cristóvão Falcão

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CRISFAL Cristóvão Falcão Será ainda possível o arrebatamento estético pela linha do exotismo regional? E que espécie de exotismo resistirá depois que a globalização pôs o mundo todo à nossa disposição? Ali, à exacta distância de um clique? É – responderei –, pese embora o termos que procurá-lo em dois tempos (im)possíveis: no passado ou, mais esforçadamente, no futuro. Que quem o quiser no amanhã, outro remédio não tem, senão descobri-lo na literatura de antecipação, a ficção científica. E quem o preferir pretérito, há-de recorrer às matrizes originais, subterradas no passado, como na Menina e Moça , de Bernardim Ribeiro, ou na Crisfal , de Cristóvão Falcão, por exemplos... Mas, do que não poderá esquecer-se, é que a Odisseia do Homem se faz na procura de si mesmo, o que significa que a adivinhação do futuro só resulta quando fecha o círculo, e mais não é do que uma outra forma, ou retoma da ancestralidade! Se então optou pela primeira, saiba que vai ficar a cada parágrafo em suspens

Auto da Alma, de Gil Vicente

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Embora com edição nacional, este livrinho foi comprado (em primeira mão) n’ A ALENTEJANA, Livraria-Papelaria , situada na Rua 19 de Junho, 17 a 21, em Portalegre, propriedade de Maximiliano Andrade Ratto, e servia de apoio ao estudo do teatro vicentino que, à época, era de leitura (interpretação e análise) obrigatória para os cursos liceais (e técnicos: industrial e comercial). Trabalho exímio, preciso e exaustivo, complementado por um glossário essencial, de autoria de autores portalegrenses, foi, com apenas 69 páginas, um dos livros incontornáveis para quem cursou outras letras, além das primeiras, na altura – décadas de 1950/60.

Despeço-me da Terra da Alegria

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Despeço-me da Terra da Alegria Ruy Belo O prefácio na edição é de outro poeta, João Miguel Fernandes Jorge – autor de livros como à Beira do Mar de Junho , Porto Batel , Actus Tragicus ou Direito de Mentir , entre outros, dos quais podemos destacar Os Poucos Poderes , de colaboração com Jorge Guerra e Ruy Belo –, e assinado da Consolação, pelo S. Martinho, de 1978. E de Ruy Belo se disse quanto havia a dizer nos mais diversos suportes e mass media . Contudo vem a propósito relembrá-lo, e à sua poesia, lendo-a como nomeando-a, que sendo diferentes uma coisa e outra, porém muito têm de igual, não nos meios mas nos fins, que é a melhor homenagem que se pode fazer aos poetas, vivos como defuntos, e assim se vão da lei da morte libertando . Mais ainda: nela, edição digo, é acrescentada à de 77, da Inova, o então inédito Enganos e Desencontros , que sem dúvida é o mais perfeito exemplo e característico do estilo, pejado de trocadilhos e andanças figurativas, com que o autor nos prendou. Qu

Sem Papas na Língua

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Sem Papas na Língua Beatriz Costa Beatriz Costa privou com pessoas da estirpe de Aquilino Ribeiro, Almada Negreiros, Vieira da Silva e Arpad, Ribeirinho e Vasco Santana, Zélia Gatai e Jorge Amado, Cármen Miranda e demais etecoetras de igual nomeada, que para os citar a todos tornaria esta peça num grande pincel, tipo Páginas Amarelas do Jet Set intelectual da época. E viveu cada momento da sua carreira com entrega ímpar e profissionalismo extremo. Cortou amarras, rasgou fronteiras e estabeleceu novos horizontes para a representação, quer teatral, cinematográfica, como da revista à portuguesa, que é uma espécie de cozido com todos e todas as artes do espectáculo. Mas sobretudo, foi a mulher que assumiu a sua sexualidade sem preconceitos nem tabus, negando a hipocrisia da (in)fidelidade, do amor a horas e por contado, e se não deixou alguma vez usar pela ingenuidade das paixões. Enfim, fez há setenta anos o que hoje é comum e banal entre os rapazes e raparigas que se libertam das depe

Herbert Read - A Filosofia da Arte Moderna

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A Filosofia da Arte Moderna Herbert Read Título original: The Philosophy of Modern Art Tradução de Maria José Miranda 1ª Edição: Londres, 1952 Editora Ulisseia "(...) nos perguntamos pelo significado e natureza da existência. (...) Mas na liberdade da resposta está a poesia; a arte é a afirmação, a aceitação e a intensificação da vida." (Pagina 112, Ensaio V, Realismo e Abstracção na Arte Moderna ) As questões que se levantam à (filosofia da) arte, são hoje as mesmas que se levantavam em 1952, data da primeira edição do livro? Para onde caminha a arte moderna? Para a arte contemporânea. E muita da problemática envolvente nela, que a caracteriza e conforma, também transita, pois os seus principais problemas são comuns em ambas. D aqui, talvez, a justificação utilitária da leitura da presente obra. Isto é: na medida em que alguns problemas com que a arte moderna se confrontou (da ordem dos factores económicos e movimentos sociais; consequências das primeira e segunda Guerras