Um Filho do Circo, de John Irving

Um Filho do Circo
John Irving
Trad. Eduardo Saló
622 Páginas

Um médico indiano de ascendência persa, uma das minorias étnicas da Índia, formado na austríaca Viena e com residência no Canadá, apaixonado pelo circo, após adoptar um dos gémeos de produção independente de uma estrela (apagada) de cinema de Hollywood, dados à luz durante uma rodagem por Bombay, resolver dedicar-se ao guionismo cinematográfico, com o fim explícito de criar um papel para o já crescido menino, que se transfigura assim num actor e detective ímpar. Como se não bastasse, este médico é também membro de um clube elitista onde, por incúria do destino e dos deuses trombudos, um serial killer, que inspirou e se inspirou no script do seu mais famoso filme, decide atingir o clímax da sua carreira de assassino, que afinal é uma assassina, graças à operação de mudança de sexo efectuada na Londres da permissividade, envolvendo todas as personagens numa inquietação sherlockiana só possível numa Índia extraordinariamente irónica.


Os gémeos desconhecem a existência um do outro. E se um virou padre, vocação que descobriu no combate à sua (homos)sexualidade latente, o outro entregou-se a uma carreira de galã mundano, enquanto o representante da internacional comunidade médica indiana se esforçava plenipotencialmente na prática de todas as operações, com excepção das ortopédicas, que eram a sua especialidade.

Mais do que um retrato ironicamente colorido da Índia, onde tanta gente existe que qualquer excentricidade se torna banal e corriqueira, este livro é um compêndio humorístico para a compreensão de um mundo em vias de extinção, da sociedade do rótulo, da marca registada, da indiferença a todo o custo, dos grandes feitos, do vedetismo e do idealismo exacerbado, de que o ano 80 foi tão-só o princípio do fim. E é aqui, sobretudo neste contexto, que o circo ganha foros de metáfora, num jeito de hipérbole ridicularizadora, enunciativa de todas as extravagâncias espectaculares, assumindo e desempenhando, na narrativa, o papel principal: o de transmitir a ousadia do sonho e da esperança a todos os extraviados da normalidade. Essencialmente porque, parando ele, a realidade também. E a ficção. Além de qualquer equívoco que exista entre ambas.

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