À Beira do Abismo

À Beira do Abismo
Título original: The Big Sleep
Raymond Chandler
Trad. Baptista de Carvalho
Capa de Rosa Duarte
230 Páginas

Nos livros de Raymond Chandler, mesmo quando se estão a retratar as situações mais complexas e difíceis, há sempre um bom pedaço de perna que se pode apreciar, um whisky que não sabe a remédio pràs lombrigas e cigarros que ardem com notória e aromática desenvoltura. E pelo enquadramento narrativo quem bitola é o modelo do puzzle. É a Philip Marlowe quem cabe juntar as peças, colocando cada una en su sitio, a fim de que possamos usufruir do quadro geral. Por vezes transcende-se, e faculta-nos uma réstea da sua filosofia de vida, qual visco machista, sexista, de bem-parecido, de modo a permitir-nos a colagem, unindo as franjas soltas e nos desentediarmos até ao final. Não lhe conhecemos defeitos de maior, além do ser honesto e desconfiado com as mulheres. Até porque, ao que consta, sabia muito bem como elas mordem.
Enfim, elas são capazes de tudo. Ou quase. E quando o fazem, se se lhes oferece a outra face, então não perdoam e dão dobrado, quer na força, quer na determinação, como nas intenções e motivos. Só que nunca o fazem por mal, mas por fraqueza. Como Ph. Marlowe reconhece, já que é para isso que existe e lhe pagam principescamente. Neste volume, dito registo, cabe-lhe salvar a honra das filhas de um homem que se atreveu a ser pai, pela primeira vez, aos cinquenta anos, e que, apenas por via dessa destemida ousadia, tudo merece, do quanto de mal lhe acontece, ou bate à porta. Consegui-lo vai acarretar-lhe dissabores incalculáveis. Dificuldades supremas. No entanto, quando se assume um compromisso com roupa lavada de corte exigente e costura aprumada, escanhoado a preceito e, ainda por cima, sóbrio, com alguém cuja assinatura, em cheque, pode ir, na boa, acompanhada de uma cifra da ordem dos quatro milhões, então ele cumpre-se como um brioso profissional que não falha (para garantir o seu quinhão). Nem que a mais bela se dispa!
Nota biográfica: Raymond Chandler nasceu em Chicago, filho de pai americano e mãe irlandesa, mas ambos pertencentes à seita dos Quakers. Foi cedo para Inglaterra, onde cursou o Colégio Dulwich, mas completou a sua educação em França e na Alemanha. Depois desempenhou uma miríade de profissões, como professor, revisor gráfico, poeta, escritor, ensaísta, soldado de infantaria, num regimento canadiano, argumentista, guionista, contabilista, piloto, etc., fixando residência na Califórnia, a partir de 1919. Este mesmo romance, conforme quase todos da sua lavra, foi alvo de adaptação cinematográfica, cujos intérpretes principais terão sido, nada mais nada menos, do que Humphrey Bogart e Laurence Bacall.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Herbert Read - A Filosofia da Arte Moderna

Cantata de Dido

Álvaro de Campos: apenas mais um heterónimo de Fernando Pessoa?