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Mostrando postagens de 2011

Há felinos com sorte macaca

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O ISCO DO ERRO "– Já sei o que houve – exclamou. – Este gato acaba de anunciar o que aconteceu." In JONH STEINBECK, As Vinhas da Ira Há pessoas perante as quais me engano propositada e frequentemente, quer em nomes e datas, como em títulos e autores, correntes literárias e ideologias. Há outras frente às quais nem sequer preciso já de o fazer, a não ser para confirmar se continuam – ou não – a pensar acerca de mim o que antes pensavam, ou se a sua perceção motivada se mantém acesa e lhe incendeia a visão que a meu respeito têm. Em ambos os casos, porém, concedo-lhes uma vantagem, um atalho para se manterem à frente ou acima de mim, para nunca as perder de vista. Não são de confiança e, normalmente, isso perdura até que lhes dou o golpe de misericórdia, abatendo-as do meu cardápio de conhecidos. São pessoas que se reputam de nunca admitir que qualquer outra que saiba mais do que elas possa estar certo. Singelas no ofício da maledicência, complicam o que é notório e vêem clara

Fato literário

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O Fato Literário “Costuma andar seguro hum desarmado Entre gente esforçada & generosa, Que não ofende o forte ao descuidado.” In Francisco Rodrigues Lobo, Égloga VI: Carta ao Leitor, com a Égloga seguinte contra a murmuração Não importa que algo seja uma declarada mentira, ou que nos afiancem ser uma autêntica peta, daquelas coisas em que o impossível e o desfasado da realidade mais se revelem, em que nem o Diabo acredita, adiantamos, mas se estiver tão bem contada que, para nós, até mereça ser verdade, então a literatura acontece. Os escritores odeiam a realidade e declaram guerra aos desimaginados da vida. E os leitores, é precisamente por isso que os apreciam, ficam em suspenso das suas obras, as tornam na parcela de atualidade onde melhor se acomodam e repousam. Mesmo quando elas os inquietam, agitam e denunciam perante a mundanidade vigente. Portanto, pretender que a literatura tem fins definidos e está ao serviço de causas maiores, até de ideologias que seja,

Um Conto de Georges Lorinczy

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O CADETEZINHO DE FRIBURGO Georges Lorinczy* Tradução de Cristiano Lima Que um herói de romance não seja de condição a encarar, como um modelo exato e preciso, o bom senso na vida é o que, no fim de contas, ninguém melhor do que nós o sabe. O herói do romance está em pé de guerra com tudo o que, na vida representa o bom senso. Mais: ele está tão em pé de guerra com o bom senso como com a vida. O primeiro dever de um herói de romance é ser interessante, senão nem um gato lerá o romance de que ele é herói. E, nesse caso, pergunto-lhes para que serve ser herói de romance e se vale a pena afadigarmo-nos a escrever a sua história, visto que só temos uma preocupação: interessar o leitor. Numa palavra: é necessário que o herói de romance seja um herói dos pés à cabeça. Seja que herói seja, ele só deve ser herói. O cadetezinho de Friburgo era um herói verdadeiro, um autêntico herói. Ou antes, ele vai tornar-se um herói: herói da vida ou herói de romance, pouco importa. O que é certo é que vale

Troikas à portuguesa

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Toma, que é prò tabaco! “O Estado terá de ser mais flexível e versátil, para acomodar os pequenos impérios de diferenças que nos vão sendo revelados e a atitude cultural em que se consubstanciam.” In Francisco Pinto Balsemão, Progresso Social e Democracia , nº 3/4 Acabou o tempo do fazer política brincando ao fingir que está tudo bem, derramando ilusão por todos os meios, estatais e públicos, como privados ou corporativos, alimentando o regabofe e ramboia de uns à custa dos demais, incluindo daqueles que nasceram há pouco ou ainda nem sequer foram congeminados. Segundo o ministro da economia, o seu ministério, só em carrões e respetivos choferes, além de outras ostentações inequivocamente ofensivas para os cidadãos comuns que entraram obrigatoriamente nas ações de austeridade nacional, o glamour e finess do palacete e seus palacianos, é de bradar aos céus. Neste, caso, à Troika bendita, por cujo memorando nos vamos alinhar nesta legislatura; porque quem deve, tem que pagar, e quem se c

Presságio

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PRESSÁGIO Ao contrário daquilo que pretendo fazer-vos crer Nem tudo em mim é pura e singela transparência Também tenho segredos alguns inconfessáveis Difíceis de dizer, de calar, de escrever, de expelir De deixar esquecidos numa qualquer rua, esquina De grafitar nas paredes de alguma casa em ruínas De abandonar em banco de jardim ou gare ferroviária De acondicionar entre os livros da biblioteca pública De encaixotar no sótão com demais trastes e bibelôs De meter na gaveta das trivialidades preciosas Junto aos cromos da bola, aos porta-chaves, fotografias Calendários pornográficos, bilhetes de teatro ou concertos Recortes de fait-divers, catálogos de exposição, clipes Botões invulgares, relógios avariados e colchetes ímpares, Embora me tenha esforçado capciosa e exaustivamente Rasteirando-me amiúde ou tentando desmascarar-me Pra nada permitir oculto de mim e de meus semelhantes. Mas ontem à noite, ao deitar-me, tinha uma aranha Pequena e quase negra sobre a colcha branca da cama Por cuj

Fábulas Fantásticas, de Ambrose Bierce

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O DESTINO DO POETA Jornadeava um Objeto pela estrada real, repleto de meditações e munido de mais coisa nenhuma, quando de súbito se viu ante as portas de uma grande cidade. Tendo pedido autorização para entrar foi preso sob a suspeita de acreditar em ritos e levado à presença do Rei. – Quem é o senhor e que profissão é a sua? – Perguntou-lhe o Soberano. – Sou Carlos, o Larápio, gatuno de esticão – respondeu o Objeto com grande rapidez de inventiva. O Rei ia-o mandar soltar quando o Primeiro-Ministro sugeriu o exame aos dedos do detido. Verificou-se que eram muito achatados e calosos. – Ah! – exclamou o Monarca – eu bem vos tinha dito! O nosso homem dedica-se a contar sílabas. É poeta. Entreguem-no ao Grande Dissuasor do Hábito de ter uma Cabeça. – Se Vossa Majestade mo permitisse – saiu-se, então, o Inventor Ordinário dos Castigos Engenhosos – eu proporia uma pena mais pesada. – Diga, diga – assentiu o Rei. – Que ele conserve a cabeça! E assim foi ordenado. In Ambrose Bierce, Fábulas

Soneto de Filinto Elísio (1734-1819)

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Estende o manto, estende, ó noite escura, Enluta de horror feio o alegre prado; Molda-o com o pesar de um desgraçado, A quem nem feições lembram da ventura. Nubla as estrelas, céu, que esta amargura Em que se agora ceva o meu cuidado, Gostará de ver tudo assim trajado Na negra cor da minha desventura. Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares, Rebente o mar em vão n’ocos rochedos, Solte-se o céu em grossas lanças de água. Consolar-me só podem já pesares; Quero nutrir-me de arriscados medos, Quero saciar de mágoa a minha mágoa! (Nota: Caraterístico das almas românticas, o sentimento do noturno, aparece em Filinto Elísio e adquire neste soneto uma das suas mais belas expressões. Se salientarmos o tom veemente e exagerado predominante na composição, que culmina na redundância final ao encher de mágoa universal a mágoa particular do autor, notamos sobremaneira como os efeitos puramente românticos ainda continuam a funcionar no arrebatamento inicial das leituras atuais.)

Conto de Terka Lux

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PAULO Conto de Terka Lux ** Perto das nove horas da noite, Paulo bateu à porta da casa do seu tio médico. Paulo era um rapaz de vinte e sete anos. O tio tinha cinquenta e cinco. Era um solteirão rabugento, meticuloso avaro de palavras. Os dois parentes raras vezes se viam, e o médico ficou muito surpreendido com aquela aparição inesperada, feita de noite. – Estás doente? – Perguntou, olhando para o sobrinho, de pé, diante dele, com o rosto transtornado e o olhar triste. – É muito provável – respondeu Paulo –, e queria consultá-lo. – Senta-te e vejamos o que tens. Paulo sentou-se. Em frente, na secretária, estava uma caveira. Com um gesto nervoso, tapou-a com um jornal e depois, num tom a princípio baço e monótono e em seguida veemente, em frases cortantes, disse: – Há dois anos que cortejo uma excelente e honesta rapariga. Trabalhava numa casa de costura. Eu, como sabe, estou há quatro anos num armazém de sedas. Ela é órfã, tem a minha idade, é digníssima na conduta, hábil e corajosa p

Ela Partiu, conto de Tchekov

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ELA PARTIU (Conto de Tchekov – 1883) Tinham acabado de almoçar. Da parte dos estômagos havia um bem-estar delicioso. As bocas abriam-se em bocejos e os olhos começavam a fechar-se sob uma sonolência beatífica. O marido acendeu charuto, espreguiçou-se e deixou-se cair no sofá. A esposa sentou-se a seu lado e principiou a ronronar... Eram ambos muito felizes. – Conta-me qualquer coisa – disse ele, bocejando. – Que hei de contar-te? Hum... Ah, sim; já sabes? Sofia casou-se ontem com o... Como se chama?... Von Tramb. É um escândalo! – Um escândalo, porquê? – Porque esse Von Tramb é um crápula. Um patife, um homem sem escrúpulos, sem o menor princípio! Um monstro de imoralidade. Foi administrador do conde e encheu as algibeiras, agora é empregado nos caminhos-de-ferro e desfalca. Despojou a irmã. Numa palavra, é um biltre e um ladrão. E casar-se com semelhante indivíduo! Viver com ele! Tanto mais que se trata de uma rapariga decente. Por nada deste mundo eu casaria com tal homem. Ainda que

Um conto de Marie Berde

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O JARDIM AINDA O IGNORA Conto de Marie Berde * O jardim era tratado com o carinho que uma mulher apaixonada costuma dispensar ao seu ninho de amor. Assemelhava-se a um templo de ritos secretos, a um leito nupcial com recolhimento: era misterioso, faustoso e puro. As janelas do prédio que deitavam para as traseiras estavam ocultas pela abóbada da folhagem das tuias [árvores coníferas]. Em frente do terraço, viam-se platibandas [bordaduras dos canteiros de um jardim], as áleas de areia dourada e grossa, tapetes de verdura reluzentes como esmeraldas, cujo brilho instável anunciava a Primavera, com a brancura terna das flores de fogo desaparecidas sob a geada. Mas, apesar disso, havia no jardim mais verdura do que flores. No meio das platibandas e nos recantos viam-se pequenas palmeiras e piteiras que ostentavam a sua rígida beleza de plantas do Sul, e, em volta de vasos de mármore com veios cor-de-rosa, as rosas dos rochedos concentravam-se em montículos escarlates. Para além das platiban

Piafé e marcar passo são andamentos de não ir a lado algum

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Não Mais o Stop and Go "O exercício do poder consiste tanto em lutar democraticamente pela sua conquista, como em saber sair do poder por mais que se invoque o interesse nacional como único motivo para dele não sair." In Francisco Pinto Balsemão, Exercício do Poder e "Jogo de Vulgaridades" , Editorial da Revista Progresso Social e Democracia , nº 4, Volume II, Setembro/Dezembro de 1984. Tal como Roma, Mora e Pavia não se fizeram num só dia, também Portugal não sairá da cepa torta de um momento para o outro, por mais que os governos se esforcem a implementar as medidas enunciadas no plano (ou memorando) da Troika, adoptadas como programa de governo, sobretudo se para tanto não for acompanhado por uma onda de empenho e solidariedade dos demais cidadãos portugueses, sem responsabilidades administrativas e de gestão, é óbvio, mas que se subscrevem na linha de uma participação ativa, emancipada, consciente e amadurecida no exemplar reconhecimento das dificuldades com que

Bernstein e a Social-Democracia

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Mudar com a mudança do mudar “(…) Sentirás quanto amarga; quanto anseia O sal de estranho pão; que é dura estrada Subir, descer degraus da escada alheia. Tua angústia há de ser mais agravada. Te acompanhará no vale do exílio, vendo Ignóbil gente, estólida, malvada.” In XVII Canto do Paraíso , de Dante Alighieri (1265-1321) Entendamos a mudança como a inequívoca transição entre dois Estados estáveis e distintos. Embora esta se tenha feito de forma lenta, tardia e com o serôdio de uma crise que começou a cumprir-se quando a maioria a entendia apenas como uma ameaça, o que é certo, é que o Estado, cujo governo saiu da batuta do PSD e de Passos Coelho, não é o mesmo que o PS e José Sócrates orquestraram (de tão requiem tom). E a sociedade também. Se quando ela muda exige novo governo, a verdade é que quando tem novo governo este a motiva para nova mudança. Bernstein, ao aperceber-se da dinâmica constante inerente a esta mudança, sentiu a necessidade de esclarecer-se conforme a evolução so

A Indiferença só prolifera onde falta a Diferença

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Pedro e o Lobo “ – A minha ambição não é pessoal – dizia-me [Francisco Sá Carneiro] em Berlim e foi-mo repetindo nos anos que se seguiram. – A minha ambição é estética. Quero chegar, democraticamente, ao poder para que as coisas funcionem com harmonia, para que acabem as aberrações e as originalidades à portuguesa. Acredito numa sociedade portuguesa moderna, livre, europeia, capaz de se transformar a si própria, através de reformas sucessivas que não se limitem aos aspetos políticos, mas abranjam também o plano económico e social.” In Francisco Pinto Balsemão, A Conversa de Berlim e o Estudo que Está por Fazer , Editorial da Revista Progresso Social e Democracia , nº 3, Vol. II, Junho de 1984. A história é bastante antiga. Tão velha, mas tanto, que a maior parte das pessoas já lhe conhece a moral de nascença, algo que lhe vem por via genética. Está-lhes no sangue, e por herança. Portanto, repetir que as ações de cosmética político-sistemática já não pegam, tornou-se numa espécie de cl

É preciso descolonizar o Estado

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De quando os exemplos não passem disso mesmo…e até possam vir de cima! “Abre mão das poesias, que nenhum préstimo têm, e cuida em sólidos meios de ganhar algum vintém. Se dizes que contra os versos em verso uma carta ordeno e que aqui me contradigo, praticando o que condeno, A teu forçoso argumento respondo com Frei Tomás: faze o que o pregador diz, não faças o que ele faz. " Nicolau Tolentino (1740-1811) Tal como na indústria e comercialização de produtos electrónicos e de comunicações, estar doente em Portugal precisa de um autêntico curso de utente do SNS, de operador burocrático e/ou de descodificação dos diversos manuais de utilizador, livros de instruções que impreterivelmente andam anexos à área afetada, do género faça você mesmo ou como complicar tudo aquilo que é fácil e óbvio, desobviar toda e qualquer clareza processual existente, em nome do rigor, do corporativismo, da racionalização de recursos e da (in)competência modelar, sistemática e doutrinal. Até porque ninguém

E Viva a Cultura!

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As Lavadeiras de Caneças "A esperança é tão necessária ao homem como o próprio pão; comer pão sem esperança equivale a ir morrendo de fome a pouco e pouco. (...) (...) (...) (...) Mas se toda a mocidade se achasse satisfeita consigo própria e sem aspirações, então é que sem dúvida deixaria de haver esperanças quanto ao futuro da Humanidade. A esperança da Humanidade assenta na rebelião dos jovens contra o egoísmo individual, o nacionalismo e as desigualdades do presente. É no profundo descontentamento dos jovens de todos os países que deposito a minha fé. Peço-lhes, por isso, que se mostrem descontentes, imploro-lhes que se revoltem contra o que anda errado, não por meio de fracos e negativos queixumes mas por meio de fortes afirmações acerca dos direitos de toda a Humanidade. O maior prejuízo infligido aos jovens reside na educação que lhes têm ministrado. Com efeito, torna-se extremamente difícil lutar contra aquilo que nos ensinaram. (...)" In Para As Minhas Filhas Com Amo