Dilema em Biarritz
Dilema em Biarritz
Nicolas Freeling
Trad. Eduardo Saló
Thriller – 224 Páginas
Pianinho e empoado, que é para parecer banquete, romance travesti e parodiante, na textura dos tapetes voadores, com entrançado onde se cruzam e entretecem, além dos nebulosos cenários do cinema hollywoodesco (ou cowboyana fantasia USA biblicamente assistida) com os de expressão neo-realista continental, também os "(i)magos" discursos de Boris Vian (Vernon Sullivan), Georges Simenon e de A. Christie, estabelecendo aquele background de notória surrealidade ao enredo, ou mesmo de absurdez existencial, em que tudo é possível, por mais indizível e inaudito que seja, desde a cooperação das forças terroristas bascas com um PJ aposentado, na recuperação da neta deste último, raptada por elementos do milieu capitalista, mafioso e político de Biarritz, até ao desenvolvimento de teorias interpretativas da psicologia comparada, este livro vem esclarecer muito satisfatoriamente o nível de fusões possíveis no jazz multidisciplinar da literatura, da qual todos os géneros podem vir a ganhar substancialmente, e não apenas o de cordel, ou o policial. Aliás, simbiose essa atraiçoada pela mãe da bebé, que demonstrado a peculiar cegueira taurina e animal e egoísta da maternidade protectora da cria, sobrepondo surpreendentemente a impetuosidade sanguínea sobre o peso da gratidão racional, provando uma vez mais que em ficção, espelhando a realidade ignara e saloia de uma Europa hodierna, os idealistas e lamechas quixotescos, apologistas da justiça da paixão, porque são as duas cegas, e vêem, continuam a ser os mesmo ingénuos asnos de sempre, predispostos a confundir meios com fins desde que isso lhes traga vantagem competitiva, à semelhança de quem abomina pipocas mas não passa uma sessão cinematográfica sem as comprar, porquanto elas proporcionam fazer um barulho que incomoda os demais espectadores, e está convencido de que é In fazê-lo.
Tragédia de vingança no essencial, é contudo uma narrativa brumosa e swingada dos nossos tempos, aflorando a circunstancialíssima Comunidade Europeia onde proliferam a miscegenação étnica e civilizacional, no delinear, quer dos perfis dos protagonistas, quer nos dos figurantes, mas igualmente nos géneros e, dentro destes, nos estilos. Enfim, um policial que tanto pode sê-lo quanto menos pretenda parecê-lo, o que apenas deve ser outro dos reflexos "condicionados" pavlovianos ao espaço-quando cultural em que foi inspirado e transpirado: o eixo Bruxelas-Paris-Berlim – ou fulcro intriguista centralizador de um continente em vias de virar federação política, sob a égide tirânica de um triunvirato territorial e administrativo macrocéfalo. E ao que suponho reflectindo sobremaneira a semelhança do modus vivendi de Nicolas Freeling com o de Gerge Orwell (Na Miséria em Paris), efectuando aquela espécie de empatia e unicidade de pensamento gerados nas vivências comuns, ou mais precisamente da circunstância dos dois terem passado por aquele Grand Hotel francês, como lavadores de pratos e ajudantes de cozinha, bem demonstrativa de como em criação artística, estética, filosófica e literária, nenhuma coincidência é impune (e imune).
Mas que ninguém acredite nesta tendenciosa apresentação, antes o leia, releia e tresleia, me rebata a crítica e desanque nos critérios, pois só quem mergulha na leitura é que sabe o que lá vai por dentro, tal e qual como apenas a colher é que sabe a quentura da panela (quando se mexe o caldo), conforme indica a sabedoria popular que indabenão saboreia por conta própria aquilo que somente a confecção mental vai fornecendo à ementa literária da gastronomia universal, num tolle, lege (toma, lê) de quem receita mesinha amarga prà tosse (catarro) intelectual de (abonados) certos e determinados meios que, vivendo à custa da literatura, são declaradamente contra ela e seus autores, uma vez que não se confinam ao bater de palminhas à sua acção política, ou dar labéus aos seus adversários e inimigos, nem sempiterna difusão e propagar a ignorância mal contida que os caracteriza.
(Dilema: situação que obriga a optar por uma de duas alternativas, sendo ambas indesejáveis, também denominado por conflito de repulsão-repulsão, que sucede quando uma personagem literária enfrenta uma situação semelhante ao do shakespeariano Hamlet, por querer vingar a morte do pai e cobrir de vergonha a mãe mas não o poder fazer, sem cometer ele próprio, um pecado mortal...)
Nicolas Freeling
Trad. Eduardo Saló
Thriller – 224 Páginas
Pianinho e empoado, que é para parecer banquete, romance travesti e parodiante, na textura dos tapetes voadores, com entrançado onde se cruzam e entretecem, além dos nebulosos cenários do cinema hollywoodesco (ou cowboyana fantasia USA biblicamente assistida) com os de expressão neo-realista continental, também os "(i)magos" discursos de Boris Vian (Vernon Sullivan), Georges Simenon e de A. Christie, estabelecendo aquele background de notória surrealidade ao enredo, ou mesmo de absurdez existencial, em que tudo é possível, por mais indizível e inaudito que seja, desde a cooperação das forças terroristas bascas com um PJ aposentado, na recuperação da neta deste último, raptada por elementos do milieu capitalista, mafioso e político de Biarritz, até ao desenvolvimento de teorias interpretativas da psicologia comparada, este livro vem esclarecer muito satisfatoriamente o nível de fusões possíveis no jazz multidisciplinar da literatura, da qual todos os géneros podem vir a ganhar substancialmente, e não apenas o de cordel, ou o policial. Aliás, simbiose essa atraiçoada pela mãe da bebé, que demonstrado a peculiar cegueira taurina e animal e egoísta da maternidade protectora da cria, sobrepondo surpreendentemente a impetuosidade sanguínea sobre o peso da gratidão racional, provando uma vez mais que em ficção, espelhando a realidade ignara e saloia de uma Europa hodierna, os idealistas e lamechas quixotescos, apologistas da justiça da paixão, porque são as duas cegas, e vêem, continuam a ser os mesmo ingénuos asnos de sempre, predispostos a confundir meios com fins desde que isso lhes traga vantagem competitiva, à semelhança de quem abomina pipocas mas não passa uma sessão cinematográfica sem as comprar, porquanto elas proporcionam fazer um barulho que incomoda os demais espectadores, e está convencido de que é In fazê-lo.
Tragédia de vingança no essencial, é contudo uma narrativa brumosa e swingada dos nossos tempos, aflorando a circunstancialíssima Comunidade Europeia onde proliferam a miscegenação étnica e civilizacional, no delinear, quer dos perfis dos protagonistas, quer nos dos figurantes, mas igualmente nos géneros e, dentro destes, nos estilos. Enfim, um policial que tanto pode sê-lo quanto menos pretenda parecê-lo, o que apenas deve ser outro dos reflexos "condicionados" pavlovianos ao espaço-quando cultural em que foi inspirado e transpirado: o eixo Bruxelas-Paris-Berlim – ou fulcro intriguista centralizador de um continente em vias de virar federação política, sob a égide tirânica de um triunvirato territorial e administrativo macrocéfalo. E ao que suponho reflectindo sobremaneira a semelhança do modus vivendi de Nicolas Freeling com o de Gerge Orwell (Na Miséria em Paris), efectuando aquela espécie de empatia e unicidade de pensamento gerados nas vivências comuns, ou mais precisamente da circunstância dos dois terem passado por aquele Grand Hotel francês, como lavadores de pratos e ajudantes de cozinha, bem demonstrativa de como em criação artística, estética, filosófica e literária, nenhuma coincidência é impune (e imune).
Mas que ninguém acredite nesta tendenciosa apresentação, antes o leia, releia e tresleia, me rebata a crítica e desanque nos critérios, pois só quem mergulha na leitura é que sabe o que lá vai por dentro, tal e qual como apenas a colher é que sabe a quentura da panela (quando se mexe o caldo), conforme indica a sabedoria popular que indabenão saboreia por conta própria aquilo que somente a confecção mental vai fornecendo à ementa literária da gastronomia universal, num tolle, lege (toma, lê) de quem receita mesinha amarga prà tosse (catarro) intelectual de (abonados) certos e determinados meios que, vivendo à custa da literatura, são declaradamente contra ela e seus autores, uma vez que não se confinam ao bater de palminhas à sua acção política, ou dar labéus aos seus adversários e inimigos, nem sempiterna difusão e propagar a ignorância mal contida que os caracteriza.
(Dilema: situação que obriga a optar por uma de duas alternativas, sendo ambas indesejáveis, também denominado por conflito de repulsão-repulsão, que sucede quando uma personagem literária enfrenta uma situação semelhante ao do shakespeariano Hamlet, por querer vingar a morte do pai e cobrir de vergonha a mãe mas não o poder fazer, sem cometer ele próprio, um pecado mortal...)
(Fotos: Chão de Casa Romana, de Pedro Alcobia da Cruz; e Moinho da Pinhoa, de Mariana Lino)
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