Leslie Charteris, e O Santo
O Santo em Miami
Leslie Charteris
Trad. Fernanda Pinto Rodrigues
Nos romances de Leslie Charteris, que não são propriamente policiais, ou apenas policiais, mas antes imergem e mergulham no universo da aventura/espionagem/acção, os cenários são invariavelmente idílicos, poéticos, de comédia musical e glamourosos, o discurso quase barroco pelos floreados, e o sentido de humor recambia-nos para a gargalhada solta do enquanto a página se vira ao dedinho molhado. Na série O Santo, estas características acentuam-se. E aqui, fá-lo deambular pela exótica Miami, com garotas bonitas e manhosas à perna, qual Robin dos Bosques em ida a banhos, aldrabando os aldrabões, saqueando os gatunos, metendo os maus na linha e cortando as voltas à polícia – "o nosso destino estaria errado se não travássemos discussão com a autoridade", como ele diz a páginas tantas –, fazendo justiça à sua maneira e sob uma lei que inventou exclusivamente para o seu (templário) jeito de operar.
Porque Simon Templar não é somente uma personagem pícara. É também um herói sobrevivente de A Odisseia, qual Ulisses que navega de ilha em ilha, de hotel em hotel, de cidade em cidade, gorando as misteriosas artimanhas da malandragem organizada, esse Cíclope de um só cifrão que está disseminado por toda a economia, como o da ganância e do poder, abarcando a "globalidade do globo" e seus arredores. É inclusive um sobrevivente da mitologia do Preto & Branco, dos áureos anos do maniqueísmo universal, das grandes ideologias e cortinas de ferro por dá cá aquela palha, mas também das teologias da libertação, das revoluções pela liberdade – uma coisa que devia ser retirada a todo aquele que não a usasse, por medo das consequências e ausência de consciência cívica –, ainda que não se esclareça que tipo de liberdade defende, nem o seu grau ético, comum ao desabrochar das democracias modernas, por sinal bastante mais burocratas do que democratas, em vassalagem aos desígnios corporativistas, como igualmente a Era da instituição dos direitos e valorização do Homem, dos grandes ideais onde todos os meios se justificavam perante a (hipotética) nobreza dos fins objectivados, mesmo quando desses fins se não viam quaisquer fins esclarecidos além das carreiras ou fortunas pessoais, ou essa visão fosse assistida por uma justiça cega por autismo, nunca por imparcialidade e isenção, mas para garantir-se titular e detentora do direito de ter dois pesos e duas medidas sempre à mão (de semear, como de colher).
E desta vez O Santo aposta-se em responder a um SOS tão intrigante que resvala numa curiosa aventura, onde o menos criminoso dos factos em que se envolve é o rapto. Assassínio, jogo clandestino e ilegal, álcool ilícito, contrabando, roubo, especulação financeira e tráfico, serão as demais ondas sobre que balouça o meteoro em que se desloca. No entanto, não fosse a ajuda símia e terrena e etílica do Mr. Hoppy Uniatz, um nome extraordinariamente feio, mas que mesmo assim não retratará fielmente a fealdade do seu possuidor, o caso teria sido ainda muito mais complicado... O que, no fundo, vem confirmar (corroborar) aquilo que já inúmeros de nós suspeitávamos: Que neste reino onde nem toda a beleza brilha, há bastante fealdade que, se bem vista, até parece maravilha!
Não é, Penélopes?
Leslie Charteris
Trad. Fernanda Pinto Rodrigues
Nos romances de Leslie Charteris, que não são propriamente policiais, ou apenas policiais, mas antes imergem e mergulham no universo da aventura/espionagem/acção, os cenários são invariavelmente idílicos, poéticos, de comédia musical e glamourosos, o discurso quase barroco pelos floreados, e o sentido de humor recambia-nos para a gargalhada solta do enquanto a página se vira ao dedinho molhado. Na série O Santo, estas características acentuam-se. E aqui, fá-lo deambular pela exótica Miami, com garotas bonitas e manhosas à perna, qual Robin dos Bosques em ida a banhos, aldrabando os aldrabões, saqueando os gatunos, metendo os maus na linha e cortando as voltas à polícia – "o nosso destino estaria errado se não travássemos discussão com a autoridade", como ele diz a páginas tantas –, fazendo justiça à sua maneira e sob uma lei que inventou exclusivamente para o seu (templário) jeito de operar.
Porque Simon Templar não é somente uma personagem pícara. É também um herói sobrevivente de A Odisseia, qual Ulisses que navega de ilha em ilha, de hotel em hotel, de cidade em cidade, gorando as misteriosas artimanhas da malandragem organizada, esse Cíclope de um só cifrão que está disseminado por toda a economia, como o da ganância e do poder, abarcando a "globalidade do globo" e seus arredores. É inclusive um sobrevivente da mitologia do Preto & Branco, dos áureos anos do maniqueísmo universal, das grandes ideologias e cortinas de ferro por dá cá aquela palha, mas também das teologias da libertação, das revoluções pela liberdade – uma coisa que devia ser retirada a todo aquele que não a usasse, por medo das consequências e ausência de consciência cívica –, ainda que não se esclareça que tipo de liberdade defende, nem o seu grau ético, comum ao desabrochar das democracias modernas, por sinal bastante mais burocratas do que democratas, em vassalagem aos desígnios corporativistas, como igualmente a Era da instituição dos direitos e valorização do Homem, dos grandes ideais onde todos os meios se justificavam perante a (hipotética) nobreza dos fins objectivados, mesmo quando desses fins se não viam quaisquer fins esclarecidos além das carreiras ou fortunas pessoais, ou essa visão fosse assistida por uma justiça cega por autismo, nunca por imparcialidade e isenção, mas para garantir-se titular e detentora do direito de ter dois pesos e duas medidas sempre à mão (de semear, como de colher).
E desta vez O Santo aposta-se em responder a um SOS tão intrigante que resvala numa curiosa aventura, onde o menos criminoso dos factos em que se envolve é o rapto. Assassínio, jogo clandestino e ilegal, álcool ilícito, contrabando, roubo, especulação financeira e tráfico, serão as demais ondas sobre que balouça o meteoro em que se desloca. No entanto, não fosse a ajuda símia e terrena e etílica do Mr. Hoppy Uniatz, um nome extraordinariamente feio, mas que mesmo assim não retratará fielmente a fealdade do seu possuidor, o caso teria sido ainda muito mais complicado... O que, no fundo, vem confirmar (corroborar) aquilo que já inúmeros de nós suspeitávamos: Que neste reino onde nem toda a beleza brilha, há bastante fealdade que, se bem vista, até parece maravilha!
Não é, Penélopes?
Comentários