Veneno Para Um Detective
Hartley Howard
Trad. Mascarenhas Barreto
192 Páginas
"Sum, ergo bibo; bibo, ergo sum."
A arte é um canhão apontado à paisagem.
Em literatura, que é coisa muito diferente da realidade – pese embora existirem bastas realidades cujo realismo, objectividade, exactidão, rigor factual, respeito pelo concreto sensitivo como pelo conteúdo ou percepção das sensações, sejam sumária e notoriamente menos inverosímeis do quaisquer criações literárias, porque motivadas nos "escondidos" desvios éticos, religiosos, políticos, territoriais, económicos e corporativismos deontológicos –, porquanto na ficção só acontece na narrativa aquilo que o autor quer que aconteça (Deus ex-machine, se diz no latinório da cagança), ainda que ninguém o note à vista "desarmada", o que é certo, aunque la mona se vista de seda, mona se queda, é que um criminoso tem sempre aspecto de criminoso, mesmo quando se esforça em demonstrar o contrário, se torna exímio actor de papéis angélicos, se distancia intencionalmente do ambiente e moral dos desfavorecidos, como marca de distinção e credibilidade, dando-se aqueles ares de (suspeita) superioridade que os indivíduos de natureza e cultura inferiores tanto gostam de exibir. Só que a Glen Bowman não escapa "absolutamente" – em relativa medida, é claro – nada, uma vez que é um detective de elevados valor valores e brios profissionais, que quando se põe a detectar, detecta; a fazer, faz; a dizer, diz; e a ganhar muito dinheiro, ganha, porque enfim, tem enorme predilecção pelo metal sonante, é um tio patinhas por moedas e notas, sobretudo se merecidamente ganhas.
E isso exige movimentos, acção, deslocações. Desta feita é deslocado da Grande Maçã / Nova Iorque, N.I., para a pacóvia interioridade provinciana da Santa Anita, na Califórnia, terra de pastos, vendedores e cowboys, em busca do tresmalhado filho de um VIP à porta de eleições, o que lhe requer para além das costumeiras perícia e eficácia (na condução dos casos), também a necessária e conveniente discrição, condimentos nada fáceis para quem almeja e se pauta pela verdade, como não lhe facilitam nada a tarefa. Pelo contrário, antes lha tornam deveras difícil. Mas ele sabe-o e não se importa. E vai... Porque Bowman, desde que desconfie que algo é caprichosamente complicado, não descansa enquanto o não descomplica.
Contudo, e é essencialmente esta a residual magia que sustenta olimpicamente a literatura, o leitor pode fazê-lo como ele, não só acompanhá-lo, pois fica irremediavelmente envolvido pelo discurso irónico e brincalhão, o sentido de humor e a sagacidade de um Hartley Howard, no seu pico maior, que nem as diferentes adaptações cinematográficas em pb conseguiu apagar, e vem como exemplo do apogeu narrativo desse poeta da prosa policial que, com galhardia, consegue levar qualquer insignificante novela ao rubro. Porque ainda que à literatura de cordel seja amputada, retirada, a mínima hipótese de maestria, o que ninguém pode é apagar e anular, em certos dos seus autores, a qualidade de mestres!
Trad. Mascarenhas Barreto
192 Páginas
"Sum, ergo bibo; bibo, ergo sum."
A arte é um canhão apontado à paisagem.
Em literatura, que é coisa muito diferente da realidade – pese embora existirem bastas realidades cujo realismo, objectividade, exactidão, rigor factual, respeito pelo concreto sensitivo como pelo conteúdo ou percepção das sensações, sejam sumária e notoriamente menos inverosímeis do quaisquer criações literárias, porque motivadas nos "escondidos" desvios éticos, religiosos, políticos, territoriais, económicos e corporativismos deontológicos –, porquanto na ficção só acontece na narrativa aquilo que o autor quer que aconteça (Deus ex-machine, se diz no latinório da cagança), ainda que ninguém o note à vista "desarmada", o que é certo, aunque la mona se vista de seda, mona se queda, é que um criminoso tem sempre aspecto de criminoso, mesmo quando se esforça em demonstrar o contrário, se torna exímio actor de papéis angélicos, se distancia intencionalmente do ambiente e moral dos desfavorecidos, como marca de distinção e credibilidade, dando-se aqueles ares de (suspeita) superioridade que os indivíduos de natureza e cultura inferiores tanto gostam de exibir. Só que a Glen Bowman não escapa "absolutamente" – em relativa medida, é claro – nada, uma vez que é um detective de elevados valor valores e brios profissionais, que quando se põe a detectar, detecta; a fazer, faz; a dizer, diz; e a ganhar muito dinheiro, ganha, porque enfim, tem enorme predilecção pelo metal sonante, é um tio patinhas por moedas e notas, sobretudo se merecidamente ganhas.
E isso exige movimentos, acção, deslocações. Desta feita é deslocado da Grande Maçã / Nova Iorque, N.I., para a pacóvia interioridade provinciana da Santa Anita, na Califórnia, terra de pastos, vendedores e cowboys, em busca do tresmalhado filho de um VIP à porta de eleições, o que lhe requer para além das costumeiras perícia e eficácia (na condução dos casos), também a necessária e conveniente discrição, condimentos nada fáceis para quem almeja e se pauta pela verdade, como não lhe facilitam nada a tarefa. Pelo contrário, antes lha tornam deveras difícil. Mas ele sabe-o e não se importa. E vai... Porque Bowman, desde que desconfie que algo é caprichosamente complicado, não descansa enquanto o não descomplica.
Contudo, e é essencialmente esta a residual magia que sustenta olimpicamente a literatura, o leitor pode fazê-lo como ele, não só acompanhá-lo, pois fica irremediavelmente envolvido pelo discurso irónico e brincalhão, o sentido de humor e a sagacidade de um Hartley Howard, no seu pico maior, que nem as diferentes adaptações cinematográficas em pb conseguiu apagar, e vem como exemplo do apogeu narrativo desse poeta da prosa policial que, com galhardia, consegue levar qualquer insignificante novela ao rubro. Porque ainda que à literatura de cordel seja amputada, retirada, a mínima hipótese de maestria, o que ninguém pode é apagar e anular, em certos dos seus autores, a qualidade de mestres!
(Foto Marvão, de Mariana Lino)
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